07/03/12

OS PRIMEIROS ANACORETAS DA CRISTANDADE (II)

CHRONICA
DOS
EREMITAS
DA SERRA DE OSSA
No Reyno de Portugal e dos que floreceram em todos os mais Ermos da Christiandade; dos quaes nos seguintes seculos se formou a Congregação dos Pobre de Jesu Christo; e muitos depois a Sagrada de S. Paulo primeiro Eremita, chamada dos Eremitas da Serra de Ossa.

LISBOA, M.DCCXLV


(CONTINUAÇÃO DO CAPÍTULO XVII)

154 Destas ilustres atestações de tão respeitáveis Historiadores bem se manisesta o grande direito, que este glorioso Anacoreta tem ao Principado da vida solitária, o qual certamente não seria menos decorozo, e agradável à nossa sagrada Congregação, e a toda esta Monarquia de Portugal, do que aquele, que já acima lhe assinalámos; visto nascer um, e outro de filhos seus; e sendo este segundo, que estabelecem Brandão, e os mais já citados Autores, dado a um Varão, a quem a Igreja passou das grutas dos Ermos para o sagrado dos seus altares; excelência que os outros da Serra de Ossa ainda não lograram, mais por falta de notícias autênticas que das suas heroicas virtudes tão ocultadas aos olhos do Mundo e tão patentes ao de Deus, que por elas os terá escrito com aractéres imortais, e gloriosos no eterno Livro da vida, no qual se veem estampados os seus nomes, porque nem destes temos memória; que como todos se deram à contemplação do Céu, nada quizeram deixar na terra; e por isso sepultaram nas concavidades, e grutas mais profundas dela não só as suas acções, mas com elas até os seus nomes, como mostrará o seguinte Capítulo. A estes pois, porque tiveram a primazia dos anos a respeito do Santo Anacoreta Félix, julgamos com os Autores já citados, ser-lhe por direito devida a da vida solitária, visto nos constar com aquela possível certeza, que póde caber na verdade da história, e admitir ponto tão antigo, que nove, ou dez anos, ou ainda muitos mais antes de 45 em que o Santo Ermita floresceu nos dezertos de Rates, segundo Brandão, ou no de 46 conforme o Autor do nosso Agiológio e os Padres Fonseca, e Fialho, ou ainda mais anos adiante, como afirma o Doutor Fr. Bernardo de Brito na segunda parte da Monarquia Lusitana, citando em favor da sua opinião a D. Fr. Bernardo Bispo Lugdonense, já havia inumeráveis Anacoretas nos Ermos da Serra de Ossa mandados para eles a primeira vez pelo primeiro Mestre, e Apóstolo da Lusitânica o glorioso S. Manços, convertidos por ele à nossa Santa Fé, e baptizados no ano 35 do Senhor, dois anos antes que o Sagrado Apóstolo Sant-Iago entrasse na Hispanha [Peninsula Ibérica], e baptizasse, e convertesse a S. Félix, como já fica dito acima no número 144 do Capítulo 16 deste primeiro Livro com o outo Faria, e Sousa; e mais largamente o repetimos em outros lugares com outros Autores de igual autoridade.

155 Ultimamente, não obsta contra esta a do Breviário, e Martiriológio Romano, que são os dois mais veneráveis, e infalíveis Oráculos da igreja em pontos históricos, aos quais se não póde opor pena alguma, ainda que ilustrada com grades letras, e exornada de todas as virtudes: maiormente quando todos os escritos dos Santos PP. e até as Bulas Pontifícias fazem maior a sua autoridade, e mais firme a sua certeza: afirmam pois todos com a mesma igreja na legenda do grande S. Paulo Thebeo, que ele é o Mestre, e o Autor da vida Eremítica: Paulus Eremitarum Author, et Magister, e a mesma Igreja, que lhe dá este Magistério, o chama primeiro entre todos os Eremitas do mundo Cristão. O Doutor Máximo seu digníssimo Cronista o julga também Principe dos dezertos, e Autor da vida Anacorética, e ao grande Antonio Egipcio o seu Ilustrador: demos as suas formais palavras: Anachoretae exeunt de Cenobio, et excepto pane, et sale, ad desuntm nihil proferunt amplius; ipsorum vite Author Paulus, Illustrator Antonius: e acrescenta o nosso Santo Doutor neste mesmo lugar citado, que não houve género algum de Eremitas na Igreja de Deus, senão aqueles, que da solidão do Egipto torouxeram o berço, o nascimento, e a santa disciplina do grande S. Paulo: Inveni sane multos apud AEgiptum, et alios in Palestina, ac tum in abundis laboribus tolerantiam; ad quorum obstupui precandi rigore, et constanciam, cum observarem quo pacto nec somno victi, nec aliqua necessitate deflexi sublimen semper, et invictum animi sensum, in fame, et siti, in  frigore, et munditate servarent, nec corpis rationem habentes, ipsi nec ad aliis eidem corpori aliquid cure impendi sustinentes; Id quasi aliena carne degerent, ipso opere ostendentes, quid sit in rebus hujus vite cum Paulo peregrinum esse, et conversationem in Caelo cum Cristo habere.

Por causa de todas essas expressões, e de muitas mais de outros PP. que seguindo a luz de Jerónimo, dão a Paulo o Principado, o Magistério, e a primazia da solidão, não falta Historiado, que referindo as glorias, e felicidades grandes, que Isaias vaticinou à memsa solidão, dizendo: Letabitur deserta, et invia, et exultabit solitudo, et florebit quasi lilum, germinans germinabit, et exultabi letabunda, et laudans; responde às perguntas que o mesmo Santo Profeta faz cheio de admiração, e de júbilo à vista do grande número sem número, e por isso quase infinito, de cultores, e professores da vida Ermítica: Quis genuit mihi istos? ego sterilis, et non pariens, et istos quis [?]? e responde totalmente esquecido dos Moisés no Monte Sinai, dos Davides na cova de Engadi, dos Elias nas grutas de Carith, e do seu Carmelo, e dos Baptistas nas Montanhas de Judá, dando não a estes, senão ao famoso Paulo Thebeo o único, e total princípio de tão prodigiosa, gloriosa, e espiritual produção: Quis genuit mihi istos? Quis? Paulus Eremitarum Author, et Magister.

(leia AQUI a continuação)

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