28/04/13

HISTÓRIA DA FUNDAÇÃO DA REAL BASÍLICA E MOSTEIRO DO SANTÍSSIMO CORAÇÃO DE JESUS DA CIDADE DE LISBOA (I)


INTRODUÇÃO

Tem Lisboa o seu assento na parte Ocidental de Hespanha, onde o Tejo entra no Oceano: é Emporio do Mundo, e Metrópole de Portugal: notável pela sua dilatada extensão, numerosa povoação, e famoso porto: fica ela trinta e nove graus da parte Norte debaixo do signo de Aries, no fim do quinto, e princípio do sexto clima: fundada como outra Roma sobre sete montes: banhada do Sol tanto que nasce: é a Pátria Gloriosa de Sto. António, e é uma das mais célebres Cortes do Universo, desvelando-se sempre todos os Senhores Reis de Portugal em a ampliar e enobrecer de Magníficos, e sumptuosos templos, sendo hoje entre estes o mais célebre o de que, com o favor de Deus, pretendemos tratar; o qual está situado no casal da Estrela, sítio este muito saudável, por ser elevado, e levado dos ventos mais que nenhum outro, com excelente vista de mar e terra, dominando a Cidade toda: sítio também muito célebre pelo Cenobio do Patriarca S. bento, que aí se edificou correndo o ano de 1571, tempo em que ainda governava estes Reinos a Senhora Rainha D. Catarina na menoridade de seu filho (sic, aliás neto) o Senhor Rei. D. Sebastião.

Os reformadores da Ordem de S. Bento havendo de fundar casa na Cidade de Lisboa, para ser mais conhecida, e venerada dos fiéis, vendo-se perplexos e confusos, lhe foi, segundo se escreve, necessário para decidir a sua perplexidade e confusão, que um homem de venerável ancianidade, dissesse a um deles, pregando um dia as lágrimas da Madalena, no convento das Religiosas da Esperança, ao descer do púlpito:

“Bem sei, Padre, que andais buscando sítio para a nova fundação do vosso convento; eu vos mostrarei um, se esperardes por mim à hora Sexta, neste próximo olival, que vos não há-de desagradar.

O reformador alvoroçado se avistou com o venerando homem no lugar e hora aprazada, e o levou ao alto da calçada, onde hora está o Colégio da Estrela, em cujo lugar então estava uma quinta, que era do Governador de S. Tomé, que apra isso se comprou; e neste mesmo lugar se fizeram logo casas, igrejas, sacristias, dormitório, e noviciado do convento, que então se chamou de S. Bento da Saúde, para trinta religiosas que vieram de Entre-Douro-e-Minho, hoje porém se chama Colégio de Nossa Senhora da Estrela, depois que os Religiosos se passaram para o novo, que é o que se intitula hoje de S. Bento da Saúde.

Sítio, enfim, muito mais célebre pela escolha do lugar, que Sua Magestade a Rainha Nossa Senhora teve para no mesmo edificar este majestoso edifício; por quanto fora este lugar onde o povo de Lisboa concorrera ao espectáculo dos toiro, e depois dividido em pequenas barracas foram habitadas por pessoas de nota quase todas, sendo por isso ao contrário convertido um tão notável lugar em santuário; sucedeu aqui o mesmo que na antiga Roma, por quanto sendo está um teatro de sacrilégios da gentilidade, foi depois a cabeça e centro da Unidade Cristã, e alumiada com a luz da verdade evangélica, ou para que com mais eficácia esta se pudesse derramar pelo Mundo todo, ou para não poder deixar de ser logo conhecida de todos os viventes; uma acção pois tão santa não podia deixar de estar reservada para Sua Magestade.

Quase 640 anos haviam decorrido depois que em Portugal foi respeitado o título de “Rei” e tendo governado vinte e cinco Príncipes, foi a Princesa D. Maria I que empenhou o real ceptro português, para grande felicidade da Nação: deu o título de Rei a sua esposa, na conformidade das Leis fundamentais do Reino.

Nasceu esta Princesa em Lisboa no dia 17 de Dezembro, correndo o ano de 1734; casou com o Sr. Infante D. Pedro seu tio paterno, no dia 6 de Junho de 1760, o qual nascera em 5 de Julho de 1717; subiu ao Trono em 24 de Fevereiro de 1777, sendo aclamada Rainha, com um nunca visto prazer em 13 de Maio do mesmo ano: começou o seu Reinado pela clemência, absolvendo todos os réus de estado, e logo pela exímia piedade para com Deus; por quanto como venera ternamente o Santíssimo Coração de Jesus, cheia da maior confiança, prostrada na presença do Altíssimo em dia de S. Rafael 24 de Outubro, anterior ao de Agosto de 1716, em que nasceu o Príncipe D. José, fez voto ao mesmo S.Smº Coração, que, se desse favorável despacho às suas fervorosas súplicas, concedendo sucessão a este seu Reino, lhe fundaria em honra sua uma igreja e convento para religiosas reformadas de baixo da Regra de Sta. Teresa, para que estas suas esposas unidas com as suas piedosas intenções, fossem perpétuas com ela no agradecimento da sucessão da sua Coroa: o sucesso mostrou ser este voto agradável ao Altíssimo, e tendo sua Magestade conseguido o desejado fim, tratou de o cumprir.

Fez Deus mercê a Sua Magestade de lhe dar sucessão, viu Sua Magestade multiplicada a Real Família em seus Filhos, dos quais, o Príncipe D. José nasceu a 21 de Agosto de 1761, dia em que nascera o Sr. Rei D. Afonso VI de quem o mesmo Príncipe se lembrava tantas vezes, quantas dele se lembrava: o Infante D. João nasceu a 26 de Setembro de 1763: o Infante D. João nasceu em 13 de Maio de 1767: a Infanta D. Mariana Victoria nasceu a 15 de Setembro de 1768: a Infanta D. Maria Clementina, nasceu a a 9 de Julho de 1774; e a Infanta D. Maria Isabel nasceu a 22 de Dezembro de 1776; dos quais o Príncipe D. José havendo casado em 23 de Fevereiro de 1777, com a Senhora D. Maria Francisca Benedicta sua tia, faleceu sem sucessão em 11 de Setembro de 1788, quase às mesmas horas em que também falecera o lembrado Rei o Sr. D. Afonso VI: o primeiro Infante D. João faleceu no mesmo ano em que nasceu, a 10 de Outubro: o segundo Infante D. João, hoje Príncipe do Brasil, casou no ano de 1785, com a Senhora D. Carlota Joaquina filha do Rei Católico Carlos IV, de quem se espera fecundíssima descendência: a Infanta D. Mariana Victoria faleceu em 2 de Novembro de 1788, havendo casado em 1785 com seu tio o Infante D. Gabriel, filho do Rei Católico Carlos III, de cujo Matrimónio houveram treze filhos; o Infante D. Pedro que nasceu em 18 de Julho de 1786, o qual ora reside nesta Corte com grande prazer de todos, e da sua avó a Rainha nossa Senhora: a Infanta D. Carlota que nasceu a 4 de Novembro do ano de 1787, e faleceu no mesmo mês e ano; e o Infante D. Carlos, que nasceu a 28 de Outubro de 1788, e faleceu em Novembro do mesmo ano.

Vendo-se pois Sua Magestade tão obrigada ao S.Smº Coração de Jesus, cuidou logo em se lhe mostrar agradecida, já nas muitas festividades que de contínuo lhe mandava fazer, já nas duas magníficas e custosas capelas que lhe mandou edificar, para nelas ser adorado, ambas nos mosteiros do Carmo Descalço de Carnide.

Tomou, enfim,posse do Reino Sua Magestade, e sendo tantos os embaraços em que achou a sua Coroa, e maiores os cuidados para estabelecer o seu felicíssimo governo, ainda assim se não demorou em cumprir o seu voto, que não contando ainda um ano completo da sua gloriosa exaltação ao Trono, logo no mês de Janeiro próximo de 1778, mandou principiar o majestoso convento, para com ele satisfazer ao SSmº Coração de Jesus o voto que lhe havia feito; deu para o mesmo convento, igreja e cerca ElRey seu esposo, terreno competente no mencionado sítio do Casal da Estrela, o queal era pertença da casa do Infantado instituída pelo Sr.Rei D. Pedro II, e da qual estava de posse aquele Senhor, depois da morte dos Infantes D. Francisco, D. António, e D. Manuel.

Principiou-se pois o novo convento em 16 de Fevereiro de 1778; fizeram-se os muros da sua grande cerca; entrou-se com a caixa do convento por direcção e planta do Sargento Mor Mateus Vicente de Oliveira, que aprovou Sua Magestade, e aceitou em nome da Religião o Reverendíssimo padre Mestre Geral que então era, Fr. Manuel da Cruz: tratou-se com tanto ardor nesta obra, que em Outubro de 1779 já a cerca estava fechada, as oficinas em Outubro de 1779 já a cerca estava fechada, as oficinas concluídas, as paredes de todo o andar baixo galgadas, dois formosíssimos claustros quase perfeitos, e acabadas outras muitas casas; de modo que em 24 de Outubro de 1779 se lançou a primeira pedra da Real Basílica, e se começaram a abrir os alicerces, cuja acção se praticou na forma ordenada no Pontifical Romano e com a aparatosa solenidade que vamos a ver.

(continuação, II parte)

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