15/08/13

CONQUISTA DE CEUTA - ASSUNPÇÃO DE NOSSA SENHORA (15 - 25 de Agosto de 1415)

Assumpta est Maria. Tecto da igreja de S. Francisco (Ouro Preto - Brasil)

Hoje, 15 de Agosto de 2013, dia da Festa da Assunção de Nossa Senhora, trago um documento da conquista de Ceuta, dedicada a Nossa Senhora da Assunção (por ter sido conquistada dias antes desta Festa, o que induziu alguns autores a achar que não tivesse sido a conquista a 25 mas sim a 15). Podemos ver a acção de D. João I, o Infante D. Henrique e o Beato Nuno Alvares Pereira ("Santo Condestável"). Recomendo aos leitores mais apressados a leitura do ponto 1685 do texto, pelo menos. 

Cap. CCCVII

Dos avisos que ElRey fez de ser tomada a cidade, e como no outro dia ainda vieram alguns mouros escaramuçar junto aos muros; e como enfim se purificou a mesquita maior, e ElRey armou Cavaleiro seus filhos e outros fidalgos, como também os Infantes fizeram.

"1682. Tanto que ElRey se viu senhor da cidade, a primeira pessoa a quem se avisou de tão feliz sucesso foi a Martim Fernandes Porto-Carreiro, Governador de Tarifa (e não de Tavira, como erradamente diz Duarte Nunes de Leão na Crónica deste Principe, na pag. 367, o que pode ter sido erro de impressão) assim pela boa vontade que lhe mostrara como porque mais depressa chegasse a Castela esta notícia, a qual lhe mandou por João Rodrigues Comitre, seu criado, que dele foi gratamente recebido fazendo particular estimação desta nova; e achando-se presente seu filho, Pedro Fernandes, que foi o que havia levado a ElRey aquele refresco quando chegou a Tarifa, começou a queixar-se e arguir a seu pai por lhe não ter dado licença, como ele lhe pedira, para então ir a esta expugnação, e o pai se desculpou, não só com a incerteza do sucesso mas com o pouco tempo, que tivera para haver de aviá-lo como convinha à sua pessoa; e nao satisfeito de agradecer a ElRey pelo mesmo mensageiro com afectuosas demonstrações aquela notícia (que bem podiam fiar-se do seu ânimo e das conveniências, que a ele, como tão vizinho daquela Praça e também a toda a Hespanha [entenda-se "Espanhas" ou "Península Ibérica"] se seguiam da sua conquista) quis acompanhar ao mesmo João Rodrigues para melhor expressar a ElRey a sua estimação e o seu agradecimento.

ElRey D. João I
(Mestre de Aviz)

1683. Depois disto, mandou ElRey ao de Aragão outro criado seu, chamado João Escudeiro, para lhe participar com toda a individuação a mesma notícia, e daí a poucos dias mandou também a Álvaro Gonçalves da Maya, Védor da sua Fazenda na Cidade do Porto, para insinuar ao mesmo Príncipe "O desejo, que tinha de o servir, e ajudar na guerra contra os mouros, se ele quisesse empreendê-la, principalmente na conquista de Granada, para a qual lhe havia já aberto aquela porta". ElRey D. Fernando estimou igualmente a atenção e o aviso (que agradeceu também aos portadores com largos donativos), e, ainda que Azurara diga que desejando ele falar a ElRey D. João lhe mandara pedir se avistassem nos confins do Reino e  vindo a esta diligência se lhe agravara o achaque que morrera no caminho, contudo Duarte Nunes, no lugar referido diz melhor e mostra com evidência ser isto um erro manifesto a que eu também me inclino pelas mesmas razões.

1684. Finalmente, deu ElRey também parte deste sucesso a ElRey de Castela, como dizem todos os escritores, ainda que não declaram por quem.

Beato D. Nuno Alvares Pereira, Condestável de Portugal
("Santo Condestável")
1685. Expedidos estes avisos, e tendo ElRey determinado que se purificasse a Mesquita maior, para no Domingo seguinte se dizer Missa nela, o fez logo saber ao seu Capelão mor, Affonso Annes, que havia de celebrá-la juntamente ao Mestre Fr. João Xira seu pregador, a quem encomendou o sermão, o que assim foi disposto no segundo dia depois da batalha, que foi na sexta feira, e neste mesmo tempo tiveram os Infantes repetidas notícias, estando cada um em sua parte, de que alguns mouros dos que haviam fugido se tinham incorporado e estavam à vista da cidade provocando os nossos a saírem dela. O Infante D. Henrique, assim que o soube saiu logo a uma torre para ver quantos eram, mandando ao mesmo tempo buscar um cavalo, se fosse necessário; e vindo com o mesmo intento o Infante D. Henrique, e achando o cavalo à porta da torre, montou nele e deixou dito a seu irmão: Que tivesse paciência, que ele queria satisfazer o desejo daqueles bárbaros, indo buscá-los como eles pretendiam, e não podia perder a ocasião de sair logo, achando ali tão pronto o que haver de fazê-lo; e posto que fora das portas, junta já muita gente com ele, se formou em batalha à vista dos inimigos, e esperou largo espaço, contudo, não abalando eles do lugar em que estavam se recolheu o Infante para a Cidade.

1686. Outras muitas vezes, em onze dias que ElRey ali se deteve, vieram os mouros ao mesmo lugar, e saindo em algumas os nossos, houve várias escaramuças que, ainda que ligeiras, custaram não só sangue mas vidas, até que estando para sair a uma o Infante D. Duarte com o Condestável, e outros fidalgos, e sabendo-o ElRey lhes mandou: Que se abstivessem, e que dali por diante ninguém saísse fora da Praça sem sua licença, pois de semelhantes acções se não tirava honra nem conveniência, e que ele não viera ali a escaramuçar com os mouros, senão a ganhar-lhe a cidade, como havia feito. E assim desde aquele dia cessaram as saidas e as escaramuças.

1687. Chegou pois o Domingo 25 de Agosto de 1415, quatro dias depois de que se tomou a Praça (que foi aos 21 do dito mês, como fica referido, e não aos 14 ou 15 como julgam devota mas erradamente alguns eclesiásticos e com eles Manuel de Faria e Sousa, na sua África Portugueza, na pág. 32 e o que mais é, o mesmo Rui de Pina, na Chronica DelRey D. Duarte, por darem mais este feliz sucesso aos santíssimos dias da Véspera e Festa da Assumpção gloriosa de Nossa Senhora, como ElRey havia experimentado) e junto todo o Clero, que trazia a Armada, revestido de ornamentos riquíssimos (como também a igreja) que para este fim se haviam conduzido, se ordenou a Procissão, e feita ela se entrou a purificar a mesquita maior, com todas as cerimónias que determina a Igreja, a qual se dedicou à mesma gloriosíssima Virgem da Assumpção, acompanhando e assistindo ElRey a esta função com os Infantes e com a Nobreza toda; e acabado este primeiro acto, acesas as tochas, armadas as paredes, benta a casa, e composto o Altar, se entoou o Te Deum, no fim do qual se tocaram as trombetas e charamelas, e se repicaram os sinos que o Infante D. Henrique tinha feito colocar numa torre lembrado que os mouros haviam levado de Lagos alguns deles, e que Deus foi servido que logo fossem achados; e suspenso este festivo estrondo, subiu ao púlpito o Mestre Fr. João Xira, e com a sua costumada elegância ponderou a celebridade daquele dia, de cuja pregação fez um breve resumo Gomes Annes de Azurara, na pág. 262. Acabado o sermão se entrou a Missa, que de todos especialmente DelRey, foi ouvida com lágrimas de alegria, e devoção; e dita ela, se tornaram a repicar os sinos e tanger as trombetas, e neste sonoro ruído continuaram até que os infantes e o Conde deBarcelos, que haviam de ser armados Cavaleiros, tiveram lugar de vestir as suas armas para este ministério, sendo o primeiro que chegou aos pés DelRey o Infante D. Duarte, que tirando da bainha a espada a beijou e lha deu, e ele lha restituiu com as cerimónias de semelhante acto, que podem ver-se em Manuel Severim de Faria nas Notícias de Portugal (Discurso 3§ 28pág. 147 e seq.) e também no cap. II da Nobiliarchia Portugueza.

Infante D. Fernando, o "Infante Santo"
1688. O mesmo fez depois o Infante D. Pedro, a quem se seguiu seu irmão D. Henrique e depois Conde de Barcelos; e armados Cavaleiros, e depois o Conde de Barcelos; armados cavaleiros, se retiraram os infantes, cada um para sua parte a armarem também os seus criados e pessoas principais da sua comitiva, enquanto ElRey fazia o mesmo, os quais foram tantos que os não nomeiam as histórias, e só dizem que ele cançado suspendera esta função, e assim o Infante D. Duarte armou cavaleiros ao Conde D. Pedro de Menezes, D. João de Noronha, D. Henriqueseu irmão, Pedro Vaz de Almada, Nuno Martins da Silveira, Diogo Fernandes de Almeida, nuno Vaz de Castelobranco, e outros.

D. Duarte, então infante.
1689. O Infante D. Henrique armou a D. Fernando, Senhor de Bragança, a Gil Vaz da Cunha, Alvaro da Cunha, Alvaro Pereira, Alvaro Fernandes Mascarenhas, Vasco Martins da Albergaria, Diogo Gomes da Silva, João Gonçalves Zarco, e a outros muitos que os autores não nomeiam.

1690. O Infante D. Pedro armou a Aires Gomes da Silva, filho de João Gomes da Silva, a Alvaro Vaz de Almada, a Aires Gonçalves de Abreu, Martim Correia, João de Ataide, Digo Gonçalves Travaços, Fernão Vaz de Siqueira, Diogo Ceabra, e Martim Lopes de Azevedo filho de Lopo Dias de Azevedo que se achou com ElRey no sítio de Lisboa e em outras muitas ocasiões, nas quais se portou sempre com igual valor à sua qualidade, e o dito Martim Lopes foi um dos mais alentados homens daquele século, e dos doze que foram à Ingalterra em defesa das Damas; militou em todas as guerras do seu tempo, e na jornada de Ceuta acompanhou a ElRey, e foi por Capitão de uma nau (como seu pai foi também de outra) e ultimamente morreu na expugnação de Tanger, e seu filho Lopo de Azevedo, indo acompanhar aos Infantes D. Henrique e D. Fernando; e também seu irmão Pedro Lopes de Azevedo, indo com o Conde D. Pedro de Menezes, morreu num choque com os mouros, como se refere no cap. 162 nº 936. Teve mais Lopo Dias de Azevedo outros filhos (todos dignos de tal pai), dos quas diz Gomes Annes de Azurara na História de Ceuta que ainda conhecera quatro, todos homens de grande talento e capacidade, principalmente Fernão Lopez de Azevedo, Comendador de Ordem de Cristo, e Luiz de Azevedo, Védor da Fazenda, ambos do Conselho DelRey e Embaixadores a vários Príncipes nos reinados de D. Duarte e D. Afonso V, como consta das saus crónicas.

D. Duarte
1691. Este Martim Lopes parece ser filho primogénito de Lopo Dias de Azevedo, e não o quarto como dizem os Nobiliários, pois seu segundo neto, do seu mesmo nome, Martim Lopes de Azevedo, na demanda que trouxe com seus irmãos sobre suas partilhas, livrou destas a Quinta de Azevedo, que possuem seus descendentes, por se mostrar que esta, desde mais de trezentos anos sem interpolação andara sempre como Morgado nos filhos mais velhos dos seus antecessores; o que tudo consta da sentença que ele alcançou a seu favor, e foi proferida em Évora aos 30 de Agosto do ano de 1533 pelos Desembargadores dos Agravos, Martim Docem e Rui Gomes Pinheiro, a qual eu li no  primeiro traslado autêntico, que se extraiu dos autos naquele mesmo tempo em que eles se findaram, e que conserva para seu título Leonardo Lopes de Azevedo, que hoje é o Senhor deste Morgado; cuja certeza bastante abona a sua antiguidade, que não menos acredita a forma da letra igualmente conhecida por daquele tempo; e assim alcançado esta sentença o segundo neto, e possuindo a fazenda o bisavô, bem se infere ser filho mais velho de Lopo Dias de Azevedo o dito Martim Lopes, pois de outra sorte não pudera tocar-lhe nunca, sendo de Morgado, o que sempre chama os primeiros filhos." ("Memórias para a historia de Portugal que comprehendem o governo del rey D. Joäo o I", Tomo III, 1732)

Sem comentários:

TEXTOS ANTERIORES