31/08/13

LIÇÃO XIII - DA VERDADE (I)


"É a verdade, segundo Aristóteles (lib. 2 Metb.) uma adequação da causa como entendimento; ou segundo Santo Tomás (2. 2. quaest. 110) uma parte da justiça, que ordena nossas acções a satisfazer as obrigações que temos à humana sociedade; ou segundo outros, uma qualidade essencial das coisas, que divinamente caiem sobre o ânimo, que de si mesma profere valor, aonde indefinidamente as forças do ânimo se propagam; ou segundo Epiménedes, é a que rege os Céus, alumia a terra, sustenta a justiça, governa a República, confirma o que é claro, aclara o que é duvidoso, e com ela todas as virtudes tem sua perfeição; ou segundo Chilo, uma homenagem, que nunca cai, um escudo, que se não passa, um tempo, que não se muda, uma frota que não perece; uma flor, que não se murcha, um mar, que não se altera, um porto donde nada periga; ou segundo Platão, um centro donde repousam todas as coisas, um norte por donde todo o mundo se governa, um antídoto com que todos se curam, uma sombra onde todos descansam, um terreiro donde todos tiram, um alvo donde poucos acertam; ou segundo Equines [Echines], uma força sem a qual a fortaleza é fraca, à prudência é malícia, a temperança é miséria, a justiça é sanguinolenta, a humildade é traidora, a paciência é fingida, a castidade é vã, a riqueza é perdida, a piedade é supérflua; ou segundo Anaxágoras, uma vida, que nunca morre, um electuário, que a todos fará, uma lua que nunca se eclipsa, uma porta que a nada se cerra, um caminho, que a ninguém cansa, É finalmente a verdade um dos maiores atributos de Deus, que disse por Zacarias no cap. 8 num. 8 falando com os moradores de Sião, e Jerusalém,que se a seus olhos lhe pareceram poucas as relíquias, que lhe ficavam, não seria difícil aos poderosos ajuntar outros do Oriente, e Ocidente, trazendo-os a habitar em meio de Jerusalém, constituíndo-se por Deus da verdade, e da justiça, que são os atributos, de que mais se preza nosso verdadeiro Deus; e por acreditar mais a verdade, disse Cristo de si mesmo, como refere S. João no cap. I 4 n.6: "Eu sou o caminho, a verdade, e a vida, e ninguém pode chegar aos olhos de meu Pai se não é por mim"; e o mesmo São João na Epístola I num, 6 querendo dar a conhecer a Cristo Senhor nosso, escolheu por melhor meio para conseguir o intento dizer: Cristo é a verdade. Não se contentou o Eterno Padre [Eterno Pai] com declarar-se por Deus da verdade em Sacarias, nem que o mesmo Filho se chamasse verdade, e que São João dissesse que Cristo e a verdade eram uma mesma coisa; mas também quis que o Espírito Santo, que procede de ambos, ficasse conhecido também por Deus da verdade; e assim mandou ao Filho, como escreveu S. João no c. 16 num. 3 dizendo aos Apóstolos com a ternura que lhe causava o falar em apartar-se deles para ir-se para o Pai, vendo seus corações afligidos, e dizendo-lhes grandes mistérios, rematou que tinha mais coisas que dizer-lhes, porém que não estavam capazes de entendê-las até que o Espírito da Verdade viesse a ensinar-lhes toda a verdade; e quase todo o Evangelho de S. João no cap. 4 está semeado de apoios da verdade; referindo o mistério da Encarnação, diz, que habitou com os homens o Filho de Deus, que verão sua gloria, que como filho Unigénito do Pai está cheio de graça, e de verdade, e David (Salmo 118 num, 142) chama verdade à lei de Deus; e o maior tesouro, que o professor dela pode ter, é a verdade, como ensina o Espírito Santo no cap. 23 dos Provérbios num 23. É a verdade em suma um licor suavíssimo, que se talvez deixa humilhar-se das águas da falsidade, torna a sair em no crespo de suas ondas mais resplandecentes: com a lei se descobriu a verdade, com o escreve Platão: Lex est veritas inventrix, porque com a falta desta se ia já perdendo o conhecimento dela no mundo, que com a lei, imitadora da verdade, segundo o mesmo Platão: Lex est veritatis imitatrix, a conserva no coração dos homens.

(continuação, II parte)

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