11/11/13

"DEFEZA DE PORTUGAL" (1831) - Que Queriam com a Entrada da Esquadra Francesa (IV b)

(continuação da parte a)

Todavia abandono o projecto de examinar a fatalidade, porque todos os portugueses passaram no ano de 1820, deixando-se iludir, e engrossando pelo seu silêncio a revolução, a favor duma dúzia de objectos, e sórdidos pedreiros, que com a sua promessa de convocação dos Três Estados do Reino insubordinaram, indisciplinaram, e revoltaram a Força armada, para dar a lei a povos tranquilos, e pacíficos. Logo o exame destas coisas, porque com águas passadas não moem os moinhos. Todavia à vista deste engano, com que foi ludibriada toda uma nação, arrastado todo o seu Exército, e sevandijado o nome português, dantes respeitados nas quatro partes do mundo, prometendo-se-lhe convocar os três braços do Reino, para remediar as suas desgraças, melhor a sua sorte, e trazer-lhe o seu Rei; e ao depois convocando os que deviam andar aos pés do Reino, pela maior parte advogados, médicos, e boticários, que jamais quiseram Rei, nem outra coisa, que aumentar as suas fortunas à custa das desgraças dos povos; à vista deste engano que fizeram a Portugal os pedreiros convocantes, e os pedreiros convocados, (eu não falo dos sábios, e virtuosos Bispos, que não quiseram tomar assento naquelas côrtes, ou por baixas, ou por commuas, ou por que não eram reunidas em nome do Rei, nem compreendendo no rol dos pedreiros a todos os que se assentaram na Casa das Necessidades, pois que muitos o não eram então, nem o são agora, e até obtiveram o nome de sensatos pelo seu silêncio, mas para mim tem o nome de ambiciosos, e de egoístas, porque não houve algum que não aceitasse de boa vontade a Excelência, nem ainda algum restituiu aquela moeda quotidiana, que roubou ao Estado) à vista deste engano, repito, tendo observado que os portugueses, digo, uma boa parte dos portugueses, e do seu exército tem sido muitas mais vezes iludidos depois daquele fatal dia de 24 de Agosto de 1820, e iludidos se perderam a si , e à nação, como sucedeu na Martinhada do mesmo ano, em que seus autores pretendiam as duas Câmaras, na Julhada de 1826, em que foi jurada uma vergonhosa Carta, e o nome do que a havia assinado, (falo desse dia 31 de Julho bem parecido a outro tal dia do mesmo mês do ano de 1830, em que os pedreiros de França, verificada a expulsão de Carlos X, depositaram a soberania popular nas mãos de Luís Filipe) e na Maiada de 1828, em que uma boa parte do Exército arrastou por sua cegueira as ignominiosas bandeiras da mais bárbara rebelião, tenho, depois de todas estas observações, meditado longos dias, e compridas noites o como os pedreiros puderam enganar novamente o povo, e o Exército português, para cometer mais outro perjúrio, outra rebelião, e outra infâmia, A muitos parece impossível que os portugueses, depois de tanto engano, e desenganos, tornem a ser enganados; e isto mesmo me quer parecer a mim. Mas tornado a considerar melhor: como ainda não tenho visto, nem espero ver dos homens remédio algum às nossas calamidade, e estas só possam ter o seu termo quando a Justiça divina por satisfeita, aquele entendo que ainda o não está, pois não me parece natural tanta cegueira a despeito de tantos avisos, penso para mim que é possível que os portugueses tornem a ser enganados, e conseguintemente desgraçados: se o não forem, como peço a Deus, então alguma coisa tenho adiantado na Defeza de Portugal.


Eu vou dizer como os portugueses podem outra vez ser enganados, e por esta maneira vou desempenhando brevemente o muito que prometi, e resolvendo o problema proposto: que pretendiam os pedreiros de Portugal com ocasião da chegada da esquadra francesa ao Tejo? Logo que nestas aldeias se comunicou a ordem para se reunirem alguns milicianos, e caminharem para o Porto na ocasião de entrar a esquadra francesa no Tejo, perguntavam-se mutuamente estes aldeãos uns aos outros "para que irão as milícias ao Porto?". E respondeu um deles, que entre eles passa como doutor, homem que em outros tempos fora forriel das mesma milícias, e que agora pela sua devassidão, e frequência de tabernas anda descalço de pé, e perna; não tendo em que se caia morto, que desta libré são a maior parte dos constitucionais das aldeias: "Vão para dar os vivas ao Senhor D. Pedro, que acaba de chegar do Brasil, porque os franceses já levaram de Lisboa o Senhor D. Miguel". Ora eu não invento esta reposta, pois ela foi efectivamente dada por este toleirão, e malvado homem. Vejam os meus leitores que efeito podia produzir este ditinho nos ânimos dos milicianos destas aldeias, que são do distrito de Penafiel, se o destacamento, que nessa ocasião foi para o Porto, não fosse comandado imediatamente pelo Tenente Coronel José Maria de Vasconcelos, fidalgo, e proprietário decidido a sacrificar toda a sua fortuna pelo Trono nas augustas mãos do Senhor D. Miguel. Este paisano pobre; caloteiro, e bêbado tem no Porto um irmão moço de uma estalagem, e tem uns sobrinhos aprendizes de caixeiros de bacalhau na mesma cidade; lá o ouviu; assim o acreditou, e assim o pronunciou num tom magistral no meio destes povos. Eu vivo entre eles, que são do Concelho de Aguiar de Sousa, e sem ânimo de injuriar a estes habitantes, a quem só devo benefícios, denuncio por este às autoridades superiores, que apenas há nisto que chamam Minho, outro Concelho tão malhado [maçónico-liberal] como este, sendo todavia pacíficos, tranquilos, e inimigos de turbulências a maior parte dos lavradores, e decididos Realistas as autoridades, que comandam as ordenanças, os párocos, e as pessoas de lenço ao pescoço: mas há um, outro clérigo da Larraga, uma boa porção de almocreves, sardinheiros, taberneiros, e muitos fanfarrões, que já tiveram terras, que lavrar; e estes pelas suas frequentes caminhatas ao Porto, parentescos, e relações, que lá têm, demandas, e pendências, que lá tratam, não comunicando com pessoas distintas daquela cidade, senão com essa ralé de caixeiros, ou de negociantes falidos, que há pouco tempo que vestem casaca, e que há muito não têm outro dinheiro que o que devem; uns, e outros amigos de turbulências para ganharem nas águas envoltas, espalham estas notícias, com as quais, já que não intimidam aos verdadeiros conhecedores, aos outros, que são a maior parte, os desanimam, e os trazem inquietos, e vacilantes sobre a sua sorte e fortuna. Eu conheço que isto, que sucede neste Concelho, sucede também em quase todos os distritos rústicos de Portugal, como tenho observado nos muitos que decorri, onde os constitucionais, ou revolucionários são homens, que não valem um caracol, e uma dúzia de mulheres que por um caracol dão o que têm, e não é a honra que nunca tiveram; homens que não são de antiga linhagem, nem de boa raça, caloteiros, ociosos, trapalhões, acompanhando-os alguns sacerdotes, que leram o Larraga, e duas folhas da Borboleta, e nunca o Breviário, acrescendo mais alguns frades, que depois que professaram, nunca mais viram o convento, e pregam por aí sermões, que lá furtaram, ou que por aqui lhe compõem alguns desses letrados, que não tem partes. Pois toda esta gentalha é a que deseja a revolução, é a que nelas grita, porque é a que com elas ganha: porém assim mesmo desprezível como é esta corja, é o instrumento, de que se servem os pedreiros para espalharem notícias aterradoras, para trazerem o povo sempre inquieto, e para introduzirem o amor às variações, e novidades. É esta canalha, a que faz sempre desordens, e desordens, que jamais se castigam, porque eles são os autores, e as testemunhas, não tendo outras, de que se possam valer os magistrados, para averiguar os crimes tanto sociais, como políticos, porque os lavradores são intimidados de assassínio por estes malvados; e as pessoas de casaca, ou as que se chamam pessoas nobres, têm por desprezo jurar em causa de crime, culpar a alguém, e indispor-se com os seus risinhos, e só aprontam para tomar juramento, quando se trata de justificar a algum criminoso, dizendo que é próprio do homem de bem fazer bem a todos, sendo que não pode haver maior mal na sociedade, que o não castigar os crimes; nem há maior infâmia para um homem de bem, que ser alcoviteiros dos criminosos. Desenganem-se os estrangeiros, que os pedreiros de Portugal não têm cá outros sequazes nas pequenas povoações, que esta canalha tal qual eu pintei, e se pilham algum homem de lenço ao pescoço para o seu partido é daqueles, a quem o sapateiro, e o alfaiate dão o tratamento de Senhoria na presença; e na ausência dizem "O pai daquele foi o meu mestre, e a sua mãe era a que me levava as camisas".

(continuação, parte c)

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