13/01/14

O DESENGANO (Nº 25) - Agostinho de Macedo (I)

O DESENGANO
PERIÓDICO POLÍTICO, E MORAL:
por
José Agostinho de Macedo
Nº25

Salus Populi suprema Lex esto.



Não foi desta, nem vai d'outra.

A História dos acontecimento extraordinários, que tem ocorrido no Mundo neste quarto de século, que já conta a revolução Francesa, e que em seu não interrompido movimento nos deixa, ou a esperança, ou o susto de contar muitos mais, não nos oferece um sucesso mais espantoso, que a duração, e o desfecho do Império Brasileiro; e como é coisa que de tão perto nos toca, como propriedade nossa, e obra das nossas mãos, eu não posso deixar de me lembrar desta calamidade, onde descubro tão negras, e  abominadas traições, sem reconhecer os resultados da conspiração sistemática, e geral contra todos os Tronos, e Soberanias, porque este é o fim a que se dirigem os que unicamente procuram a regeneração do Mundo pelos estragos do mesmo Mundo. De longo tempo estava preparada a revolução do Brasil, e já era de admirar a existência de um Império, que eu via encravado no meio de tantas Repúblicas quantas vemos no Norte, do Sul, do Nascente, e do Poente do mesmo Brasil. S. Majestade Imperial o Senhor D. Pedro foi sempre o ludibrio, e a zombaria daqueles mesmos de quem se dizia Perpétuo Defensor, e não podemos deixar de notar a sua indolência, inconsideração, e insuficiência para notar, e conhecer o que em sua mesma Côrte, e na sua presença se anunciava pelo abuso da Liberdade da Imprensa, sempre nociva, sempre perniciosa para os Povos, e muito mais para os Reis, porque por ela, e com ela se indispõe os Povos contra os Reis, e estes contra os Povos. Eis aqui o que eu leio num infame papel impresso no Rio de Janeiro, e publicado a 5 de Fevereiro deste ano infausto de 1831, intitulado "Tribuno do Povo" (pag. 46, § 2º) - "O Brasil não há de sofrer Tirano nenhum; respeita muito o Senhor D. Pedro, porém logo que por qualquer acidente ele ou os seus inimigos o tornem absoluto, então acabarão-se os respeitos, e considerações, e a força é quem decide. - Colegas da oposição, sustentemos a federação, porque só ela nos pode salvar."

Parece impossível, que aparecendo este papel na presença do Imperador então, (porque foi alguns meses antes de o precipitarem do vacilante, e mal seguro Trono), que não mandasse enforcar o insolente revolucionário redator! Nem fez isto, nem ao menos deu um passo para o conhecimento de infernal conspiração contra ele urdia, e que o devia cobrir de um eterno vilipêndio. Então se lembrou de ir dar um inútil passeio; parece, que, para deixar o campo mais livre aos conspiradores, não para tramarem em segredo, porque, quem se anuncia com tanta clareza, e desafogo pela imprensa, não necessitava do segredo, e do mistério, publicamente se corrompeu a força armada, porque assim como é o apoio do bem, como agora vimos entre nós no meio da mais injusta agressão de que fazem memória os Anais do Mundo, também pela sedução, sórdido, e vilíssimo interesse, se torna o apoio do mal. Os tais Senadores de cor ambígua, e mais depressa ainda que se o fizessem com a ponta do punhal, lhe arrancam com suas mascavadas expressões, ou termos delambidos, a mais vergonhosa de todas as abdicações, que os homens viram nos tempos antigos, como um Rei dos Longobardos na Itália, que abdicou num irmão, e se foi meter Frade Bento, ou como Carlos V, que Senhor dos dois Mundos abdicou estando para o Coro, para que, assim como tinha inquietado o Mundo com as armas, inquietasse os Frades com o ingrato motim de uma tábua cheia de argolas de ferro; ou nos tempos de agora como Fernando VII nas mãos do Usurpador, ou Ladrão Corso; como o Rei de Sardenha, como Carlos X, e outros Reis mais, feitos, e desfeitos à Pedreira. A abdicação do Senhor D. Pedro é de uma espécie nova; chegam junto ao Trono Imperial três homens, não afianço, nem digo,que eram de cor uniforme, num mais fechada, noutro mais aberta; e para me explicar melhor, eram de uma cor, que não é a do dia, nem é a da noite, ficava no meio; mas enfim, os Rouxinol são pardos, mas cantam bem, e lhe disseram, olhando para o alto do Trono: "Ponha-se cá em baixo, porque cá em baixo é que o queremos; até agora era o primeiro Cidadão, agora é o último." - No mesmo instante se viu no Rio o que se viu em Roma com César Bórgia; parente muito, e muito chegado do Papa Alexandre Vi.

Qui modo Caesar erat, incipit esse nihil.

O que era até agora César,
Agora é coisa nenhuma.
Nem se asseta em banco raso,
Quem teve cadeira suma.

A esta vergonhosa nulidade o reduziu a perversidade Maçónica, mas nunca o despojará da Majestade, e da Grandeza do seu Irmão d'ElRei Nosso Senhor, isto o fará mais respeitável, e venerando no Mundo do que o fazia o Império dos Macacos, e das Bananas; Vítima da perfídia, e jogo, ou ludibrio da inconstante Fortuna. A Napoleão, na Ilha de Santa Helena, chamaram os Ingleses simplesmente General, tendo-o considerado, e temido Imperador. No Senhor D. Pedro desvaneceram-se os Títulos, e fica a Natureza, é o Irmão d'ElRei de Portugal, sendo para esta Coroa tão insignificante o Brasil, que nunca em Lei, ou Diploma, ou Tratado algum, foi posto entre os seus gloriosos Títulos, ou Timbres. Achámos a Etiópia, achámos a Arábia, achámos a Pérsia, achámos a Índia; mas achámos o Brasil? Não. Pois se nem para um Título nos serviu, não nos sirva para nada, ainda que, como espero, ainda algum dia nos velha a servir para Conquista. Aqui, por vida minha, dos hábitos purpúreos de alguns Grandes se deslizará um surribo, e em alguns Políticos esmorecidos, manicaoas, e medrosos, alguns abanos, ou maneios da maciça cabeça: pois eu digo, que seria e empresa mais fácil, com duas coisas, como os votos do Conselho, e alguns Machados na Ribeira, mas com Bom Inspetor. Aí vêm já as mãos com que me costumam vir à cara; mas antes que falem, eu lhes respondo como uma pergunta: "donde virão as madeira, com que se construiram as três Naus, uma grande, e duas pequenas, em que foi Vasco da Gama aos encontrões, e às cabeçadas com as ondas, e com as borrascas passar o Cabo das tormentas, e já então da Boa Esperança, porque já antes dele tinha ido Bartolomeu Dias até ao Illheu da Cruz, a 25 de Novembro de 1497? E serão feitas as Naus no sítio, onde hoje se chama: o Mal-cozinhado, onde preparamos bem mal tão bons gizados, que hoje estão comendo os Ingleses, e outros tão nossos generosos amigos Ingleses; (pois se não fossem eles, que seria de nós, como agora estamos vendo?) e madeiras? Num sítio junto a Leiria, e nas margens de um rio, que desagua na Vieira, e que se pode fazer navegável, vi Carvalhos tão elevados, e tão direitos, que dois fariam a quilha de uma Nau de 74 peças. Dirão que o Padre sonha, e o Padre diz que não, que está acordado. Dormindo estão os que lhe dizem isto, e talvez a estejam cozendo.


Tornemos ao Senhor D. Pedro, porque é preciso dar sobre ele um desengano aos Portugueses, e no Senhor D. Pedro, falta toda a papelada Inglesa, e toda a papelada Francesa, e entre as suas mentiras, e imposturas é preciso que apareça alguma verdade.Abdique, disse Brás Vergueiro, o Anspeçada Lima, e um tal, a quem pode ser que por alcunha chamarem o Marquês das Caravelas; eu perderia o meu tempo se lesse a Nobiliárquica Portuguesa, mas por certo lá não vem semelhante título, ou cassoada. Caravelas só conheço uma pintada numa coluna da Igreja da Sesimbra, que determina o porte destas antigas embarcações, sobre que se tem dissertado tanto. Falaram estes três Papagaios do mato, e no mesmo instante uma grande Potência desaparece do Globo. Vendo-o já a suas léguas de distância fora do Pão de Açúcar, diz o Precursor, Periódico Francês, Nº 23, que se cantará um solene Te Deum, que em bocas Tapuias é o mesmo que uma apupada. A que reflexões nos obriga este tombo de gozo, e o mais estrépitoso do Mundo! O Senhor de um vasto Império, ao mesmo tempo que rico sem dinheiro, e grande sem gente, repentinamente se viu como se vê o espargo no monte, desamparado, e solitário, metido numa chácara, onde não aparecem senão duas coisas, ele, e Bananas. Não acha na sua Côrte, onde havia tantos Grandes como Mosquitos, hum só Grande; que lhe sirva de Camarista; no seu Exército um só Tambor, que o leve a toque de caixa; na sua Marinha, que enchia de espanto, e rasgava as ondas de ambos os Oceanos, Atlântico, e Pacífico, um só bote, em que se molha a bordo da Nau Inglesa, por cuja escada descerá logo para uma pequena Corveta, onde se acomodará em um Beliche de ré, paredes meias com o Contra-mestre, comendo talvez mal, porque o pequeno âmbito da meia laranja não davam lugar a capoeiras, sem que de tantos Diplomatas Embaixadores, Enviados, Encarregados dos Negócios houvesse um só, que o acompanhasse no bota fora, porque todos ficaram em casa do Senhor Núncio a comer Rabioles apimentados, em que a Cachaça trabalhou bastante, à saúde do menino órfão, que a cavalo os viu ele por mal de seu pecado. De tantos filhos pequenos nem um só pôde trazer pela mão, como Eanes o menino Ascânio, quando Troia se estava abrasando; e, se não trouxe, como o mesmo Eneas o pai Anchises a cavalo no cachaço, é porque por amor dele o tinham mandado para um outro Mundo, como era fama pública, e corria de plano. Mostrarem-me em todas as Comédias antigas, e modernas um desfecho com este, em que o Protagonista fique só na Sena, sem um Comparsa, que lhe diga "boas noites". Piores dias se lhe preparam, porque, como pode existir quem traz o coração varado de duas setas as mais agudas, e penetrantes, a primeira chama-se saudade, a segunda amor, saudade da sua Pátria adoptiva, como ele o diz, a segunda amor aos seus Brasileiros, amor tão forte, amor tão heroico, amor tão fino, que o obrigam, por lhe fazer a vontade, a abdicar para sempre duas Coroas, e mais abdicara, se mais tivera, e se não fôra "para tão grande amor tão curta a vida" como do amor de Jacob nos diz Luís de Camões. Que fim, ou o objecto mais apetecido do amor é a união com o objecto amado, e nisto parece que se contradiz o Senhor D. Pedro, pois deixa, e abandona o que mais protestava querer, os seus Brasileiros, a sua Pátria adoptiva, sabendo-se que os filhos da adopção não mais queridos que os da natureza; e ele o mostrou quando disse, e escreveu "De Portugal não queremos nada, nada; e sem nada ficou. Como o Senhor D. Pedro em toda a sua vida, com especialidade a Imperatória, não obrou uma acção, que não fosse motivada, sem se apartar jamais dos ditames da razão, ele mesmo, para nos não deixar com a boca aberta, produziu a razão, e o motivo, que obrigou o seu coração, maior que o de Alexandre, a tantas abdicações, e tantos sacrifícios, dizendo "Não desejando mais nada neste Mundo senão glória para mim", e bem mostrou, e já a conseguiu, dando em Paris com o martelinho suas pancadas naquela primeira pedra do Monumento, que perpetuando a glória dos três dias, deverá levar à posterioridade a memória de uma revolução, de uma rebelião, de uma destronação, de um Monarca legítimo; e foi muito bem achado um Monarca destronado para esta operação. Conseguiu a glória, que queria, se por vontade, ou por força, o Brasileiros que o digam, Ainda que mais o Senhor D. Pedro em suas abdicações "Glória para mim" isto está dito, e feito; agora falta "e felicidade para a minha Pátria". Não podemos negar que ele nascera no Brasil, porque não vai atrás a sua Augusta Palavra "para minha Pátria". Eu préguei na Real Capela de Queluz na Festa do seu nascimento, e tinha tão poucos dias de nascimento, que me parece impossível que houvesse tempo, e Embarcação tão veleira, que o pudesse trazer do Brasil, mas talvez seja ilusão minha, e muito principalmente estando cá seu pai, e sua Mãe; mas ele o diz, e protesta que abdicara, e que abalava para felicidade da sua Pátria; isto não se entende, aqui há mistério, cuja explicação não é para mim. Permanecer na sua Pátria como Soberano, para a fazer feliz, mas deixá-la para que o fosse, isto é dizer que com a sua presença a fazia desgraçada. Isto dão a conhecer os seus Patrícios Brasileiros, pois com um Te Deum Laudamus deram a conhecer ao Todo Poderoso pela sua ausência, deixando ver que dela pendia a felicidade da sua Pátria; com umas coisas se provam as outras; assim como a felicidade de Portugal está pendente da presença, e consevação do Senhor Rei D. Miguel I, e sem ele acabaria logo Portugal, ou seria logo o horror, e a confusão de um verdadeiro Inferno.

A Nau Inglesa Warspite descartou-se do Senhor D. Pedro para bordo de uma Corveta, e lá se acomodasse como pudesse com a Senhora Ex-Imperatriz. Não se faz em relação nenhuma menção de um só criado, que acompanhasse, e viesse servindo o Augusto Pai, porque até Francisco Gomes, que era unha com carne com o Sr. D. Pedro, não apareceu, e dizem que anda em Missão cá pela Europa para referendar todas as Constituições, que fizerem os Pedreiros Livres, pois em dizendo no fim, como a de 26 "Está conforme Francisco Gomes, isto é, parece-se com Francisco Gomes, fica segura a felicidade de uma Nação: nem este tão seu apaixonado amigo o acompanha. Querendo todos os Botafóra, ninguém vai a ele, e, a Deus Pátria, a Deus amigos, a Deus para sempre; e ninguém vai a ele, (porque não apareceu ninguém)" Boa viagem!!

(continuação, II parte)

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