01/02/14

O DESENGANO (Nº 25) - Agostinho de Macedo (III)

(continuação da II parte)

Aqui chegava hoje 22 de Agosto às seis horas da manhã, momento, e tempo, em que os horríveis ataques de pedra me deixam ou meditar, ou escrever alguma coisa, sendo a minha existência um quotidiano milagre. A zunida, e o estrago das balas aqui mesmo não só ouvidas, mas sentidas no dia 11 de Julho, não me atemorizaram tanto, como me atemorizou a infaustíssima nova da sedição, ou rebelião militar, ou destampado frenesim de um só regimento. Ouvi a nova, e me assentei a esta mesa sem poder por mais tempo sair do justo estupor em que me via lançado; a multidão, e rápida sucessão de medonhas ideias, me que brava a cada passo o fio, que eu queria dar ao meu discurso. Um combate nocturno dentro em Lisboa! Cadáveres de portugueses, feitos por outros portugueses! Se os bárbaros, e injustos agressores franceses levantassem este troféu à sua ferocidade, não me assombrava, porque um francês em revolução é um canibal, ou Iroquez; mas que um português mate um português, sem peculiar, ou particular, quero dizer, sem pessoal ofensa, não numa charneca, como faz um salteador, mas no meio de uma capita, em suas ruas, e praças!... Entre nós é a coisa mais espantosa que se tem visto, porque não é como isto o que se viu no campo de Alvalade (Campo pequeno, e grande) entre a gente armada de ElRei D. Dinis, e seu filho o Infante D. Afonso, depois Afonso IV, o que se viu, nos Oiteiros da Alfarrobeira sobre Alverca entre o Infante D. Pedro, Regente do Reino, e os que queriam a menoridade de D. Afonso V, não pode entrar na compreensão, ou exemplo com a presente atrocidade, que a não ter só horas de existência, não se podia acreditar. A minha primeira reflexão foi a que se segue - Ou esta horda de assassinos tinha furiosamente enlouquecido, ou estes desesperados revolucionários tinham plano, e tinham apoio. Qualquer bom juízo, que considere estes extremos, ficará pelo segundo. Para estes casos não são precisos. Magistrados Togados, porque entre eles não faltaria algum, ou alguns que dissesse, ainda que aos Autos fossem por apenso os cadáveres - Absolvidos por falta de provas. - Assim mesmo tremo que haja formalidades forenses, em que os Ulpianos, e Papinianos do Rocio nos venham atormentar mais com seus doces palavrões, que os brutais assassinos com suas maciças balas. Estão a bordo da nau, pois seja a dos Quintos, ou dos Quintados para a direita, e depois para a esquerda. Quem seria o da lembrança de espalhar pelos honradíssimos, e fidelíssimos corpos do Exército Português, exemplares de valor, e de lealdade, a escória dos patifes que seguiram a voz dos salteadores do barco a vapor? Não sabia que estas partículas do "Colera-morbuns" iriam infecionar o que era completamente são? Eis aqui os efeitos desta inconsideração, ou malhadisse!! Não deixar um só de tais réus vivo é o mais sagrado dever da justiça. Nas consequências foge ao cálculo a gravidade imensa deste delito. Expor um Reino à última subversão, e última ruína! Como estas nocturnas, e sanguinárias orgias se alimenta o liberalismo; é este maldito liberalismo uma interminável guerra feita à natureza, que sendo a sua primeira impulsão o conservar-se, o liberalismo ataca esta conservação, e a destrói; e buscando a natureza humana por disposição do seu autor sempre o melhor, esta desventurada Seita quer, promete, e deseja sempre o pior. Que cegueira arrastou estes malvados? Que pretendem? Nós sabemos o que eles escondem no coração, que não é por certo o que eles manifestam em suas palavras. Decretaram em seus errados conselhos acabar de todo com os Monarcas da terra, e se não o conseguem já, para o conseguirem depois, inventarão uma tal forma de governos, em que se não deixe aos Reis mais do que este nome para fazerem deles, antes da sua vergonhosa destronação, uma continuada, e vergonhosa zombaria, que seria melhor ter nas mãos as algemas dos cativos, que o ceptro dos Reinantes.


Digam-me, malvados, digam-me o que falta ao Senhor Rei de Portugal D. Miguel I ? Que lhe falta? O quimérico bordão da primogenitura, a que tantos rebeldes se encostaram, e com o qual tantos Gabinetes se iludem, ou fingem iludir-se. Digam-me, depois de firmada, e tão reconhecida a independência do Brasil, levantado à hierarquia de Império independente, e da abdicação não virtual, mas expressa do Senhor D. Pedro, que solenemente renunciou a posse deste Reino, já de facto devolvido a um legítimo sucessor, depois a morte do Senhor Rei D. João VI, ficou, ou não ficou vago o Reino? Quem é o herdeiro com as circunstâncias, e predicados que as inconcussas leis da Monarquia chamam? Chamaram quem não seja estrangeiro, quem viva, e permaneça neste mesmo Reino, que seja aclamado, que dê o juramento de conservar suas leis, seus foros, seus privilégios, e sua integridade. Concorre alguma destas causas no Senhor D. Pedro? Não é estrangeiro quem se naturaliza em país estranho? É possuidor quem renuncia? É Senhor quem abdica? Pela mesma razão que o Brasil é independente do Portugal, Portugal é independente do Brasil. Que invencível teima é esta do Senhor D. Pedro? Se estes monstros de perfídia fossem capazes de verdade, diriam com as palavras o que estão declarando com as obras - Queremos em Portugal fazer a D. Pedro o que a D. Pedro fizemos no Brasil, porque nós temos lei expressa em nosso Código, lei que é matriz de todas as outras, e o nosso Bozina mor já a deixou escorregar de seus lábios no meio do augusto Salão "Desfaçamo-nos deles"; porque em nosso baralho há só valetes, só com a diferença que no Brasil deixaram-no vivo, porque ele quis mostrar que não era pé de chumbo, como no Brasil deixaram-no vivo, porque ele lhe quis mostrar que não era pé de chumbo, como no Brasil se chama aos portugueses, pois consigo só trouxe coisas, trajes de frasqueira, e fatos de coelho; aqui muito do seu vagar lhe dariam cabo da vida, coisa que para eles não é nova, nem muito de costa acima. Dois pingos de água Tofana num cristalino copo fazem esse fácil milagre, e o mais glorioso trofeu do maçonismo, Para isto estão metendo nestas fofas o Senhor D. Pedro, e lhe levam a casa trabalhos que ele não estranha.

(continuação, parte IV)

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