15/08/14

15 de AGOSTO - NÓS CERTA VEZ NA ÁSIA


"Era D. Paulo de Lima muito devoto da Assumpção de N. Senhora, que cai a 15 de Agosto, e tinha determinado de cometer a Cidade em seu dia: foi dilatando a bateria, e dando ordem às coisas, desembarcaram, e informando-se da terra, e do modo da fortaleza, e aos 13 dias do mês mandou armar da outra banda de Jor um altar, e desembarcou com tod a gente, e se lhe disse uma devota Missa, na qual tomáram a maior parte dos da armada o Diviníssimo Sacramento, porque se tinham já confessado, sendo os primeiros os Capitães, porque quis D. Paulo registar primeiro com Deus aquelas coisas; porque quanto lhe quer se entenda que todo o bem vem dele, e que nos homens não há poder para nada; e a gente que faltou por confessar, e comungar, o fez ao outro dia, que era véspera de N. Senhora, e assim se gastaram estes dois dias nestes exercícios cristãos, nos quais todos mostraram bem grandes exteriores de arrependimento, e ao outro dia no quarto de alva começou toda a armada a disparar aquela tempestade de artilharia, e de bater a cidade com grande terror, e espanto, e o Capitão Mór se mudou aos navios de remo com toda a gente da armada, deixando encarregada toda a frota a Luís Martins Pereira, que se passou a uma galé, e com todo o poder cometeram os nossos a terra, e ao som de muitas trombetas,  tambores, e pífaros, levando o Capitão Mór ordenado de toda a gente três batalhas, que nunca quis fazer dela alardo, por se não saber o pouco poder que tinham, e todavia passavam de seiscentos portugueses: a primeira batalha encomendou a D. António de Noronha, e a D. João Pereira, que haviam de ser a dianteira, e com eles seu irmão D. Nuno Alvares, D. Manuel de Almeida, D. Fernando Lobo, Sebastião de Sousa, Martim Afonso de Melo, e outros muitos Fidalgos, mancebos aventureiros, que desejavam de ganhar honra, e toda a gente de Malaca: a segunda batalha deu-a a Mateus Pereira de Sampaio, e com ele D. Bernardo de Menezes, Sebastião de Miranda, e outros Fidalgos, e Cavaleiros, e a gente dos bantins de Malaca; e a terceira batalha tomou o Capitão Mor para si, e com ele ficaram Francisco da Silva de Menezes, D. Pedro de Lima, Diogo Soares de Melo, Francisco de Sousa Pereira, Pedro Alvares de Abreu, e os dois Capitães Frois, e Coelho; e cometendo a terra, o primeiro que nela pôs os pés foi D. João Pereira com a sua bandeira, e logo D. António de Noronha com a de N. Senhora do Rosário, e em terra acharam um esquadrão de inimigos, de que era Capitão Raja Macota, que o Rajale mandou defender a desembarcação, com o qual D. João Pereira travou logo com grande determinação, e levou de arrancada um bom espaço até além do Forte do Corritão; mas chegou logo outro grande esquadrão de inimigos de fresco, e ajuntando-se todos, tornaram a voltar sobre D. João; e como o poder era grande, foi-lhe tendo o encontro até se recolher no Forte do Corritão até chegar D. António de Noronha com toda a dianteira; e ajuntando-se todos, deram nos inimigos, e os fizeram recolher para um palmar, que se fazia da banda do mar, e antes dele ficaram os nossos esperando pelo Capitão Mór, que ia desembarcando devagar. Tudo o que neste tempo se ouviu eram coriscos, e trovões, assim da armada, como da cidade, que este dia disparou com todas as suas carrancas; porque como se guardava para então, que havia de ser o último dos seus trabalhos, toda a força, e resistência para a sua defesa, e nos nossos todo o valor, e esforço, que era necessário para cometer uma cidade tão forte, e bem provida, assim se desfazia tudo em trovões, e terramotos, que não havia quem se pudesse entender. Já neste tempo era manhã clara, e a gente não acabava de desembarcar pelo impedimento das estacadas, em que alguns dos navios se embaraçaram; e muitos soldados deles vendo o seu Capitão Mór em terra, se lançaram à água, por a ele não poderem chegar. O Capitão Mór depois de posto em terra, mandou a Diogo Soares que lhe fosse recolher alguns soldados, que viu andar desmancados, e que ele não pôde fazer só, e o foi ajudar Francisco de Sousa Pereira, os quais recolheram com trabalho, por andarem já travados com os Mouros, e alguns já bem escalavrados; e porque o Rajá Macota se tinha recolhido ao palmar, e afrontava dali os nossos com suas arcabuzaria, mandou D. Paulo meter um daqueles Capitães no Forte do Corritão para dali fazer afastar os inimigos, o que ele fez com morte de alguns." (X Década da Ásia, cap. X)

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