03/09/14

PORTUGAL [1832], NECESSARIAMENTE ANTILIBERAL (II)

(continuação da I parte)

Temos publicado ultimamente infinitos factos, que provam o grau de entusiasmo, que que está a Nação Portuguesa, para defender a sua Religião, o seu Legitimo Soberano, os seus antigos costumes, e a sua independência, que hum punhado de rebeldes, e foragidos estrangeiros sonham poder atacar. Hoje publicaremos alguns outros factos, o que será uma terminante resposta ao Jornalismo radical de Inglaterra.

Sem falarmos na celeridade e entusiasmo, com que voaram ás armas mais de setenta mil homens de primeira, e segunda linha, e voluntários Realistas; sem falarmos da infinidade de subscrições gratuitas, de que temos enchido as nossas paginas; sem falarmos de 40.000 paisano armados da Província da Beira, com as suas próprias armas, para operarem como guerrilhas; sem falarmos de outros muitos factos, que provariam que a "nação" [entenda-se "Reino" - aspas minhas] se levantará toda em massa, como fez na guerra da independência contra os Franceses, referiremos hoje os seguintes:

Ao General de Traz-os-Montes se ofereceram os reitores de Carrazedo, e de Calvão, para levantarem um batalhão de eclesiásticos para, em defesa do Reino, e de ElRei Nosso Senhor, se reunirem aos seus comprovincianos. Os particulares da cidade de Lamego ofereceram todos, com o maior entusiasmo, e espontaneidade, todas as suas parelhas muares para os serviços dos parque de artilharia; e um dos principais indivíduos da vila de Óbidos ofereceu a mata, que possui no distrito daquela vila, e a mandou cortar, para se construírem reparos de artilharia para a defesa do Reino!

Que outro procedimento se podia esperar de portugueses? Eles resistiram mais de século e meio ás tremendas legiões romanas, quando estas se achavam senhoras da maior parte do mundo conhecido. Os portugueses em todas as épocas, em que se há tentado contra a sua independência, tem feito prodígios de valo, e tem sempre acabado por triunfar. Veja-se, examine-se como eles esmagaram o poder dos Sarracenos; e como em uma guerra de 28 anos contra o imenso poder de Espanha, exausta a "nação" [entenda-se "Reino" - aspas minhas] portuguesa de todo os recursos, sem colónias, sem dinheiro, devendo-se enormíssimas somas aos assentistas, e ao exercito, acabou por triunfar. Reflectia-se que achando-se o Soberano a mais de duas mil legas de distancias, o Reino invadido, e ocupado pelas forças de Bonaparte, exausto de todos os recursos, uma parte do exercito português em França, os povos desarmados por ordem do pretor francês; e num momento subleva-se a "nação" [entenda-se "Reino" - aspas minhas] em massa, arrasta-se contra exércitos coroados sempre pela victoria, e acaba por triunfar, indo plantar as Quinas portuguesas que hum punhado de aventureiros italianos, condenados no seu país como rebeldes; outro punhado de espanhóis, a quem coube a mesma sorte; polacos expulsos da sua pátria, e banidos dela; fracasses, de quem o seu próprio governo deseja desfazer-se; ingleses aventureiros; e uns poucos de rebeldes degenerados portugueses viessem tentar contra a sua Religião, contra o seu Rei, contra a sua independência? Certamente não. Antes Portugal ficaria reduzido a cinzas, do que sofrer tal ignomínia. Antes se sepultaria em hum abismo, do que entregar a sua independência a estrangeiros facionorosos, banidos de suas mesmas pátrias.

Agora já se não trata de uma questão de direitos de príncipes; esta questão foi decidida pelos Três Estados há quasi quatro anos; foi decidida pelo mesmo tribunal, que radicou os direitos do Senhor D. Afonso I, do Senhor D. João I, do Senhor Rei D. João IV, e do Senhor D. Pedro II. Trata-se da própria existência de uma "nação" [entenda-se "Reino" - aspas minhas]. A Augusta Pessoa d’ElRei Nosso Senhor, o Senhor D. Miguel I está identificada com a independência da Pátria; e qual será o português, que não sinta pular-lhe o coração de indignação, quando contempla a escandalosa presunção, com que uns poucos de miseráveis se atrevem a sonhar possível uma invasão composta de semelhantes elementos, para roubar à Pátria a gloria e a independência, à "nação" [entenda-se "Reino" - aspas minhas] a sua Religião, o seu Rei, e as suas Instituições venerandas de seis séculos de victorias em todas as partes do Globo?

Venha esse rebanho de banidos, e a Europa verá, já que tantos e tantos factos, que se tem passado de 1820, não tem convencido o jornalismo revolucionário, e aqueles que pensam como ele do verdadeiro estado moral dos portugueses, como essa cruzada, e talvez o ultimo esforço da revolução, encontra no clássico Portugal a sua inteira ruína, sendo esmagada pela mesma fidelidade, pelo mesmo amor da independência, que venceu e arrojou os romanos; que perseguiu e sujeitou os sarracenos no seu mesmo assento africano; que triunfou de uma potência formidável; que derrotou finalmente as águias de Bonaparte.

Sim; se cá vierem prégar, como fizeram, "Viva a Religião" para depois passearem os santos em carradas pelas ruas, e perseguirem os Ministros da Religião, obrigando-os, em lugar do ensino da Doutrina Cristã, a ensinar a impiedade; se cá vierem gritar "Vivam as nossas antigas Côrtes" e estabelecer depois uma assembleia democrática permanente, mais horrorosa do que o governo dos trinta tiranos; se cá vierem prégar a tão decantada divisão dos poderes, para os engolirem todos, avoncando, como fizeram, os litígios, e Autos Judicias, julgando-os como lhe parecia; se cá vierem prégar liberdade, e estabelecer a mais feroz tirania, derrocando todas as liberdades, que os portugueses tem gozado por tantos séculos; se cá vierem prégar a liberdade de opinião, para algemarem a opinião, e para dizerem – pensai como nós, ou sereis deportados – se cá vierem para tais feitos na estúpida cegueira de que a "nação" [entenda-se "Reino" - aspas minhas] se tem esquecido deles, podem estar certo de que serão todos vitimas, e terão a mesma sorte de Torrijos, e seus companheiros.

Há tempos tivemos noticias exactas de Paris, descrevendo a sensação, e o desalento que havia causado, entre os principais dos rebeldes que ali existem, a simples noticia de que o governo de Sua Majestade ElRei Nosso Senhor [D. Miguel I] preparava uma expedição para reforçar a Madeira. Tinham razão aqueles miseráveis, porque a não serem os homens desprovidos inteiramente do senso comum, todo o mundo, em uma medida tal, veria por demonstradas provas a continuada, e já indubitável despresibilidade das asserções daqueles abjectos inimigos destes Reinos, sobre o estado moral de Portugal. Todo o mundo veria por aquela medida de suma energia, que Sua Majestade podia mandar num momento, apesar dessa decantada expedição de Belleisle, tropas do seu exercito. Todo o mundo veria naquela medida um grau de força, e de energia extraordinária de Sua Majestade, fazendo expedir aqueles reforços, no momento em que esses modernos flibusteiros cruzavam o Oceano, quasi na mesma direcção. Um só facto destes tem um poder mais destruidor das embusteiras, e destemperadas falsidades deles, e do radicalismo a respeito de Portugal, do que teria um incêndio, que consumisse de uma vez todos os arquivos da impostura dos jornais radicais.

Ilha Terceira
Os opressores da Terceira [Ilha Terceira] conhecerão a importância de uma tal medida, e as funestas consequências que para eles resultarão, se aquela expedição das forças de Sua Majestade chegasse a desembarcar na Madeira. Para o evitarem partiu no dia 14 de Março o soi-disant Sartório, no seu velho navio das Índias, e uma Escuna, para impedir que 12 Embarcações de Sua Majestade com as suas tropas ale aportassem! Nenhum outro fim levou aquele notabilíssimo estrangeiro, comandante naval dos rebeldes, conforme acabamos de ser informados pelo Paquete entrado ontem, em cartas da Ilha Terceira, datadas de 24 de Março, chegadas a Inglaterra. “Nenhuma Tropa levou a seu bordo, dizem aquelas cartas;” nenhuma esperança tem eles de poderem apossar-se na Madeira por hum ataque; mas confiados nas mesmas ilusões, que Torrijos teve de mudar a sorte da Hispania com a sua aparição, assim o pobre Sartório, e os seus directores julgaram, que a sua aparição faria mudar a sorte da Madeira.

Coitados, enganaram-se. As forças de Sua Majestade desembarcarão naquela, ilha, e as suas embarcações da Marinha Real voltaram todas ao Tejo, deixando aquela Ilha em o mais completo estado de defesa, e de entusiasmo.

Não terminaremos este artigo, sem referirmos o que consta pelas mesmas cartas de 24 de Março, daquela infeliz Ilha Terceira, e de é literalmente o que se segue:

“Tanto as pessoas influentes aqui (Ilha Terceira) nestes negócios, como os oficias das tropas ficaram esmorecidos, quando ouviram que o Senhor D. Pedro não tinha conduzido mais do que 500 ingleses aventureiros, sem subordinação alguma. Sua tropa que tem à sua disposição só 3000 homens são de Portugal, os quais se pudessem fugir o efectuariam, no caso que soubessem que em Portugal se lhe perdoava.”

Acrescentam as mesmas cartas “que admirava que se fizesse tanta bulha com uma cousa, chamada Expedição, e de tão pouca consideração. As suas Embarcações são o Congresso, e Ásia, em melhor estado de armamento: tencionarão armar a Juno, e outra em Curvetas, mas duvido que tenham meios para isso, e possuem mais três pequenas escunas.”

Ora eis-aqui tem os nossos leitores a famosa Esquadra; e (com razão) tão arriscada a julgam os possuidores, que há mas de hum mês lêmos numa folha inglesa, que o Senhor D. Pedro a tinha mandado segurar no Lloyd’s!!! Os barcos de vapor desertaram de Belleisle, quando saiu a Expedição; os ingleses, e mais Estrangeiros não se entendem com os soldados, que estão na Terceira, que os vão fazendo vitimas dos seus punhais, como afirma o Courier, que não se é autoridade duvidosa. Na realidade, se não viéssemos tantas, e tão monstruosas contradições, e disparates no mundo em que vivemos, diríamos com segurança, que uma tal chamada expedição não atrairia uma só simpatia do homem mais desprezível, e só passaria pelo momento do maior dos delírios.

Na verdade, custa a acreditar como os jornais radicais, e aqueles que pensão como eles, se não envergonham de não se darem hum momento a fazerem uma simples comparação, e essa bastaria para os cobrir de pejo, e de vergonha, pelo que tem dia ácerca da tal burlesca Expedição de rebeldes.

A França, uma potência formidável, dispondo dos mais extraordinários recursos de todos os géneros, para atacar 5.000 Turcos que ocupavam Argel, e que dominavam os habitantes do país contra a sua vontade, empregou mais de 300 Navios, e uma enorme e fortíssima Esquadra, comandada por hum bravo Almirante, e mais de 60.000 homens de tropas aguerridas, comandadas por generais experimentados, e cobertos de louros de tantas batalhas; e por ventura poderá haver alguém tão estúpido, que não veja o cumulo de ridículo, fazendo a comparação desde exemplo com a misera expedição dos rebeldes de 4 ou 5 embarcações velhas, e de 5.000 aventureiros, para atacar 3.000.000 de portugueses, decididos como estão a defender o seu Rei, e a sua independência e instituições? A resposta é bem óbvia, e os factos desenganarão completamente." ("Recopilação de Alguns Artigos da Cazeta de Lisboa Sobre o Estado Moral da Nação Portugueza Relativamente À Expedição dos Rebeldes e Seus Chefes Nas Ilhas Dos Açores", LISBOA - Imprenssão Régia, 1832)

Fim

COMENTÁRIOS


Acabamos de ver uma transcrição (gramaticalmente adaptada) de uma compilação de artigos da Gazeta de Lisboa. Não estamos perante um modelo a seguir, contêm alguns erros já do próprio liberalismo, como o é o uso da palavra "nação". É muito comum que entre os resistentes ao liberalismo, e naquele tempo era resistente Portugal em peso, haja mesmo assim quem tenha absorvido conceitos gerais da época, já eles conceitos deturpados, que não chegaram a ser entendidos de forma ameaçadora (e assim forma passando e fazendo mazela). Nos meios onde a informação global pouco corria, ou nada corria, também tais conceitos demoraram muito mais penetrar, ou a nem sequer entraram.

A própria Gazeta de Lisboa, e o compilador, ao mesmo tempo que afirmam a sua posição contra os rebeldes liberais, ao mesmo tempo que clamam pela tradição católica (presente na Santa e imutável Doutrina, nos nossos Costumes e Leis), sem se darem conta portam já pequenos elementos das novas ideias.

Sem comentários:

TEXTOS ANTERIORES