24/11/14

DA PROVÍNCIA DE GALIZA- AGIOLÓGIO LUSITANO (I)


(Retirado da secção "Advertências   Necessárias ao Agiológio Lusitano" da obra Agiológio Lusitano. A divisão do texto pelos pequenos títulos não é original, é iniciativa da casa)

§ IV
DA PROVÍNCIA DE GALIZA

Temos por precisamente necessário, que como no precedente parágrafo demos uma breve notícia do sítio, e confins da antiga Lusitânia, e lugares que compreendia, mostrando que todos os Santos, que nela houve até à perda de Espanha (em que com a entrada dos Mouros, e variedades de fortuna, que depois se seguiram, e diversas conquistas que os Reis de Leão dalguma parte dela fizeram, e ultimamente os primeiros reis deste Reino do restante, perdendo as antigas demarcações, desistiu também do seu primitivo direito) pertencem por susto título a Portugal. Pede a boa ordem, que neste lugar demos outra da província de Galiza, provando o mesmo, a respeito dos Santos que nela floresceram até ao dito tempo, pois nuns e noutros corre a própria razão: o qual fazemos, não por defraudarmos alheias glórias, nem por usurparmos (indevidamente) por nosso os Santos de outros reinos, que por nenhum justo título nos pertencem, coisa sumariamente injusta, e digna de toda a censura, vício, que tanto estranhamos em nossos vizinhos: mas porque se nesta obra os puséssemos em silêncio, privaríamos a este Reino da honra, que lhe resulta da justa acção, que a eles tem, e Galiza se alçaria com eles in totum a maiores, como se só a ela pertencessem. 

Que esta província no espiritual e temporal fosse sujeita a Braga, se prova de gravíssimo autores, de vários Concílios, e de outros irrefragáveis testemunhos, e documentos. Coisa é mui notória aos versados nas antigas histórias da Hespanha, que assim como Mérida foi metrópole, e cabeça da Lusitânia, assim o foi Braga da província de Galiza: "Brachara olim metropolis, caputque totius Gallaetie" (18. Lul. in Ded. ipsius Ecclesiae), diz o Breviário Bracarense. Esta cidade é antiquíssima, fundada pelos gregos em 1150 a.C., cujos moradores na milícia, mostraram sempre intrépido valor, herdando seus maiores, os quais nas travadas guerras, que (por quarenta anos) sustentaram contra a potência dos romanos, obraram ilustres façanhas, dignas de eterna memória, ostentando em sua defesa uma contumácia generosa, pois até as mulheres (desmentindo a fraqueza do feminil sexo) diversas vezes pelejaram tão valorosamente, que deixaram de seu nome imortal fama. A esta cidade pois concedeu Augusto César privilégio de colónia romana, e o apelido de Augusta, à qual (segundo Plínio, L. 3 c. 3) como a jurídico conuenteo daquela província e suprema cabeça, em que residiam os romanos governadores, acudiam 24 cidades, e seus distritos, suas palavras são: "Simili modo Bracharum 24 civitates, 275 millia capitum, ex quibus praeter ipsosBracharos, Vibali, Celerini, Gallaci, Aquefilici, Quarqueni curta fasidium numerentur" (L. 2 Gerog. c. 6). Entre os quais pouco se nomeiam os gregos. Dos outros não se sabe o sítio certo em que moravam, como também dos que reconta Ptolomeu: "Quae ad more protenduntur interfluvios Minium, etDoriam tenet Callaici Braecharii, in quibus civitates hae sunt. Brachara Augusta, Caladunium, Pinetus, Complutica, Tuntobriga, Araduca". Entravam mais no dito número outras cidades dos povos abaixo nomeados, de cada um sua, como traz Gerardo Mercator nas notas ao dito lugar de Ptolomeu: "sub Callaicis Brecariis, et Narbossos". As cidades de cada um destes povos aponta Ptolomeu pela ordem dos próprios povos referidos: "Aquae leae Turodorum, Volubria, Caeliobriga, forum Narbossorum." Quais agora sejam estes povos, ou onde estivessem, mal se poderá saber, pois o mesmo Mercator confessa, in praefatione ad tabualas Ptolomaei: "Ne decima quidem pars eorum, quaeapud Ptolomaeum sunt nominum, hodie suis locis certo, et sine omni controversia designari queat." A própria razão corre em Plínio, e nos mais geógrafos antigos. A causa é pela diversidade de gentes, que entraram nas províncias, mudanças de línguas, e destruição de cidades e lugares, o que aconteceu mais em Hispanha, que noutras partes. Contudo, pelas distâncias destas cidades, que aponta Ptolomeu de longitude e latitude, se vê caírem algumas no reino de Leão e Castela a velha, e as referentes em Galiza. Com esta confusão escrevem os antigos geógrafos as cidades e povos da província bracarense. Só Plínio referindo pela costa do mar os lugares de Galiza, diz que o convento jurídico de Braga começavados Celenos: "A Cilenis conventus Bracharum", e logo afirma, "Heleni, Gravii, Astelum Tiide, Graecorum saboles omnia, Insulae ficcae (que são as ilhas de Baiona) insigne oppidum Abobrica (que é Ribadavia) Minus amnis IIIj. M. pab. ore spariosus, Leuni, Seurbi, Bracharum oppidum Augusta, quos supra Gallaecia, etc.". (L. 5 c. 20)

Onde fosse o lugar de Celenas, de que principiava o conuento de Braga, se vê claramente do itinerário de António Pio, o qual apontando as jornadas, que pelacosta marítima havia de Braga a Astorga, põem a primeira. Aquis Cilenis stad. CLXV que contendo 8 estádios por milha, e 3 milhas por légoa, fazem 11 que há de Braga a N. Senhora de Celas, cerca de Baiona. Logo continua Vicio spacoum stad. CXCV (que é Vigo) Ad duos Pontes stad. CL (que é Pontevedra) que fica entre a Ponte de Sampaio e a de Crescente. Confirma esta verdade ver, que o Promontório Celcrino era o de Baiona, que ainda hoje se chama com pouca corrupção o Cabo de Celeiros. De maneira, que toda a terra, que se incluía de Baiona até ao Minho pertencia à jurisdição de Braga, por caírem nela os poucos Celerinos. Conforme a isto, achamos que contribuíram para a ponte de Chaves, como consta de uma antiga pedra, que nela ainda agora se conserva, que diz assim: Aquisflavienses, Abringenses, Bibali, Celerini, etc. donde se mostra claramente, que há frívola a opinião de D. Mauro Castela, e outros, que sem fundamento o seguiram, que dizem: Aquae celenae (lugar celebérrimo na antiguidade) ser Faõ, 5 léguas de Braga, (Hist. de Santiago l. 1 c. 17) onde se celebrou aquele famoso Concílio contra os Presilianitas, em que S. Turíbio presidiu, pois pela distância que aponta António se vê o contrário. Porque se fôra Faõ, não distava tanto de Braga que Balcónio seu Prelado, não assistisse nele, o qual depois o confirmou, como Primaz. De mais, que é absurdo manifesto dizer que por Faõ se pode ir para Astorga.

(continuação, II parte)

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