29/01/15

DO LIVRO DA EMBAIXADA DO PRESTE JOÃO DAS ÍNDIAS (II)

(continuação da II parte)

Cap. II
Como o Patriarca Partiu de Roma, e Veio a Portugal Onde Foi Bem Recebido DelRei D. João III

 De Roma parti para Portugal, onde cheguei estando ElRei seu avó de gloriosa memória em Évora cidade, no ano que acabou de trazer a ela a água da prata. E ele me recebeu com a sua acostumada graça e benignidade que para todos tinha de rei clementíssimo que ele era: e folgou em particular com minha vinda, por dar conclusão, como desejava, àquela embaixada que trouxera o Tagazavo, que havia doze anos que cá estava, e sem negociar coisa alguma por sua mera negligência.  Pelo que o Imperador Onadinguel me mandou que lhe tirasse o cargo de embaixador, e o prendesse, e levasse comigo preso. E para isso havia uma carta do Imperador, a qual lhe dei em Lisboa onde ele estava: e a tomou e beijou, e reconheceu ser verdadeira, e por ela me reconheceu por seu Patriarca e superior, e me beijou a mão, e me deu o seu lugar, sem mais falar palavra. E o mandei prender com duas cadeias de ferro em cada braço seu ao vê-lo da sua terra: as quais lhe tornei a tirar daí  a poucos dias por me rogar sua alteza, posto que era fora da ordenança do Imperador, que mo assim mandara fazer. Naquele comenos veio sua Alteza perante Lisboa, e pousando nos passos do Duque de Bragança o fui ver acompanhado do Núncio de Papa de Jerónimo Ricenas de capite férreo, e D. Martinho de Portugal Arcebispo do Funchal, dando-me sempre o primeiro lugar junto do Núncio como convinha à minha dignidade: e referi a sua Alteza a embaixada do meu Imperador, pedindo-lhe a quisesse aceitar, e despachar com brevidade. Era a embaixada que lhe pedia o dito Imperador sua amizade, e irmandade perpétua: e para isto lhe pedia que casassem seus filhos trocados uns com outros: e que de Portugal fosse um filho casar com sua filha dele, reinasse em seus Reinos por sua morte, para que esta aliança entre portugueses e eles, e também a obediência do Papa fosse mais subida e durasse. E também lhe mandava pedir que lhe mandasse gente para se defender DelRei de Zeyla que lhe tomava seus Reinos: porque ele lhe mandaria um grande número de riquezas, que bem lhas podia mandar. E assim lhe mandasse cavouqueiros para romper uma terra por onde outra vez Eylale belale seu antecessor lançou o Rio Nilo, para também agora o lançar por ali, e fazer dano no Egito.


Cap. III
Como ElRei Despachou Bem o Patriarca e Ordenou Sua Tornada.

Papa Paulo III
Tomado conselho, ElRei vosso avó ouve por bem outorgar-me o que pedia, e mandou que me dessem quatrocentos e cinquenta homens espingardeiros e cavouqueiros, e me despachassem  para me tornar logo aquele ano em companhia de D. Garcia de Noronha que então ia por Vice-Rei da Índia, porque pela Índia me era necessário tornar. Até doutras mercês que me sua alteza fez ficou por mim e pelo meu Imperador, e fez bom tudo o que eu prometi pagar à dita gente, e para mais lhe dar vontade de irem comigo tomou por seis e fez mercês à alguns deles. Sua alteza dom Garcia de Noronha filho de dom Sancho de Noronha meu sobrinho, e Rui Teixeira de Almeida meu cunhado, Henrique de Sampaio, e três seus irmãos, Pero para, Diogo Leitão, Pero Tavares, e outros. Da qual gente logo fiz capitão Pero Borges Henriques irmão de D. Brás Caçador-mór. Estando pois assim, prestes para partir com D. Garcia de Noronha Vice-Rei com muitas graças e poderes que me o Santo Padre Paulo III tinha concedidos pela via do Núncio D. Jerónimo Ricenas capite férreo, e o dito Vice-Rei alegre por me levar consigo, subitamente adoeci, e disseram os físicos que de peçonha: que segundo se suspeitou me mandou dar o tegazavo. Curaram-me o Físico-mór que então era chamado Diogo Lopes, e o que agora é, Leonardo Nunes, e outros que sua Alteza mandou: pelo que fiquei aquele ano neste Reino.
(continuação, III parte)

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