Parágrafo II
Recta Intenção ["Boa Tençam"]
Recta Intenção ["Boa Tençam"]
A recta intenção é anexa à Religião; quer dizer que o Príncipe deve encaminhar [ordenar] as suas acções a bom fim. Isto é o que mostra a Divina Política no Evangelho, quando ensina que:
1. O bem e o mal saem [partem] do coração. Porque nas obras da indústria [esforços empregues a um fim] se louva a destreza, nas da virtude [se louva] a intenção que lhes dá forma. O edifício não perde a excelência pela má vontade do arquitecto, mas o acto de justiça veste-se de malícia pelo ruim intento do juiz; é logo [por isso] o coração princípio da vida da virtude, como da do corpo. As generosas acções dos mais dos gentios degeneraram em vícios, porque tomaram por fim uns o interesse, outros o gosto, e os mais célebres a vaidade, ou a ambição. Aristóteles Ethico o entendeu quando disse que toda a acção louvável era composta de duas partes: prudência, para escolher bom sujeito, e virtude moral, para procurar legítimo fim.
2. O verdadeiro do homem é Deus, mas dos Príncipes por especial obrigação [o é]; porque, procedendo os Estados da instituição divina, a administração se deve oferecer a Sua glória. A Ele pois dirija o coração as acções, expressamente é melhor; mas bastará implicitamente obrando por amor da virtude, porque aquilo que assim se obra, é bom: o que é bom, agrada a Deus; o que agrada a Deus, é segundo Sua vontade, ou revelada por Sua Lei, ou gravada pela natureza: e no que é segundo sua vontade consiste a vida. Donde ["disto"] inferiram graves ["sérios"] teólogos que as excelentes obras dos infiéis feitas puramente por respeito da virtude se encaminham de sua natureza a Deus, posto que a infidelidade as faz descair; porque tudo o que pertence à recompensa eterna não é suficiente para alcançá-la se não é acompanhado da graça ["graça divina", sentido sobrenatural] e outras qualidades; causa pela qual só a fé não leva ao Céu o Cristão que morre em pecado ["pecado mortal" - entenda-se que mesmo sem a graça a inteligência pode guardar a lucidez suficiente para manter as verdades reveladas e lhes dar certo reconhecimento do que são, contudo já não seria esta a Fé assistida pela graça mas sim o efeito prolongado que esta virtude teologal tinha operado na ordenação da inteligência], como o direito de suceder ao pai fica inútil pela culpa do filho.
MEIO PRINCIPAL
Pelo Qual se Conhece a Recta Intenção do Príncipe
Pelo Qual se Conhece a Recta Intenção do Príncipe
3. A Política Divina exclama por David. Entendei Reis, aprendei vós que julgais a terra, servi ao Senhor. Esta é a prova da recta intenção [bom propósito]. Príncipes há que com capa religiosa cobrem a ambição, mas como não há coisa tão encoberta que não se revele nem tão oculta que não se saiba, vem finalmente a conhecer-se que levantaram altar aos interesses, e converteram o culto Divino em negociação, fazendo sacrilégio, e não sacrifício. Quem reina para servir a Deus o mostra principalmente em três efeitos:
4. Primeiro, tratar só da utilidade do povo [não a classe Povo, mas a população, a grei] que Deus lhe encomendou.
5. O santo Rei D. Afonso Henriques na sua gloriosa visão pediu ao Senhor que convertesse contra sua pessoa os castigos que aparelhasse pesso os castigos que aparelhasse contra sua gente. O grande Rei D. João II no pelicano com a letra célebre "pela lei e pela grei" tomou esta obrigação por empresa [esforço empreendido]. Sendo aconselhado que mandasse despovoar um lugar das conquistas, porque assim convinha ao bem de sua fazenda, respondeu "e que farei a tantos filhos quantos aí tenho?"; mais insigne foi seu exemplo quando na morte do Príncipe seu filho, a quem amava sumamente, se consolava dizendo que fizera Deus mercê a Portugal, porque seu filho (por afeiçoado a regalos) não era [adequado] para Rei de portugueses; assim antepunha o bem do Reino à conservação de sua descendência, da qual saía a coroa para transversais [linha transversal de sucessão no Trono]: finalmente todos os nossos reis mostraram nisto tanto afecto, que por ele foram chamados país dos Vassalos.
6. O segundo é: adquirir domínios só para dilatar o Evangelho.
7. O douto Bossio confessa que aqueles que o dilataram mais foram os reis portugueses; e com prerrogativa (acrescenta o insigne João de Barros) que foram os primeiros que da parte da Europa que lhes coube em sorte, lançaram os Mouros, os primeiros de Hispanha [Península Ibérica] que lhes fizeram guerra em África, os primeiros que os perseguiram no mais remoto da Ásia tendo assim as primícias gloriosas desta dilatação da Fé.
8. Terceiro efeito se vê em que o possuir estados, seja não só para conservar os bens das igrejas, mas também para os aumentar com novas doações, nas quais (diz um texto civil) a imensidade é a melhor medida; nas de dinheiro não se pode considerar inconveniente da república [entenda-se "o que é publicamente comum"] em tirar as terras dos seculares; e aos que argumentam que os tesouros reais são melhor empregados em outros gastos comuns, respondeu Filipe Augusto Rei da França: "Se soubereis quão contínuas mercês fez Deus aos reis, e quanto necessitamos de que não cessem, conheceríeis que Lhe demos mui pouco os que parecemos com Ele mais liberais [entenda-se "mais generosos"]".
9. Tão contínuos eram os reis de Portugal em edificar e enriquecer os templos, que só D. Afonso Henriques fundou e dotou 150 (não fazendo para si casa), e D. Manuel mais de 50, muitos tão grandiosos que requeriam largas vidas e grandes tesouros de diversos reis.
9. Tão contínuos eram os reis de Portugal em edificar e enriquecer os templos, que só D. Afonso Henriques fundou e dotou 150 (não fazendo para si casa), e D. Manuel mais de 50, muitos tão grandiosos que requeriam largas vidas e grandes tesouros de diversos reis.
(continuação, IV parte)
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