05/02/15

A BANDEIRA BICOLOR - REFUTAÇÃO DEFINITIVA

Bandeira de Portugal
Anda a girar certa teoria segundo a qual contra a liberal bandeira azul e branca teria lutado a bandeira azul e vermelha (que querem atribuir a D. Miguel). Portanto, novidade das novidades, a bandeira de Portugal usada por D. Miguel não teria sido então a branca, segundo nos querem agora fazer crer, e teria sito bicolor.

Já que contra tal teoria não vi nenhum dos descontentados portugueses, eu mesmo proponho-me dar o argumento definitivo.

Para o meu propósito bastará tão somente transcrever a Chronica Constitucional de Lisboa (nº1, quinta feira, 25 de Julho de 1833), que é propaganda liberal-constitucional-maçónica. Embora este documento seja uma maléfica estratégia propagandística, a parte que nos importa agora, a da bandeira, pelos motivos mais óbvios é inteiramente fiável:

"LISBOA 24 de Julho: Graças ao Supremos Árbitro das Nações, ao Protector Indefectível da inocência oprimida, ao Defensor Eterno da justiça ultrajada [já se configura aqui o "deus Arquitecto"], quebrou-se finalmente, reduziu-se a pó, esse tirânico jugo de ignomínia, que há mais de cinco anos a aleivozia e o perjúrio auxiliados pela mentira, e escoltados pelo terror haviam feito pesar sobre os nossos ombros: derribou-se, ei-lo enfim por terra, esse despotismo de espécie nova na história moderna, complexo informe de insania e de ferocidade, de ignorância e de imoralidade, que nada menos se propunha que fazer-nos recuar pela ignorância à barbáries, perpetuando-nos na excomunhão política, em que nos havia posto a Europa civilizada.

Já respiramos a aura benéfica da liberdade legal; caíram os patíbulos, fugiram os verdugos; escravos ontem, somos homens Cidadãos; já não é crime a lealdade, e a honra; já podemos dar desafogo aos sentimentos da nossa fidelidade à nossa Augusta e Legítima Rainha, a Senhora D. Maria II, e da nossa firme adesão à Carta Constitucional, Código precioso das nossas liberdades, dom espontâneo e generoso do Invito e Magnânimo DUQUE DE BRAGANÇA, nosso Incomparável Libertador. Mudou repentinamente a cena; e as lágrimas que ainda ontem nos arrancava a derradeira vítima de uma ferocidade tão criminosa, como inútil, continuaram ainda hoje a correr, não já de dor, mas de júbilo pela restauração da Legitimidade, e pela conquista dos nossos foros.

Bandeira liberal em Portugal, "a bicolor"
Através de todos os obstáculos dos nossos opressores tinha há dias chegado a nós a noticia de que uma porção da Divisão do Exército que libertara o Algarve, por meio de uma hábil manobra tinha atravessado o Alentejo, e resgatado Alcácer, e Setúbal: desde então a margem esquerda do Tejo era o fito contínuo de nossos olhos, para ao menos com eles, saudarmos a Bandeira Bicolor, caro pendão do nossos resgate. Durante a tarde de ontem um renhido Combate, que pouco e pouco se aproximou de Almada, nos anunciava a Victoria e aproximação dos nossos; mas a noite veio atalhar-nos o prazer, a que aspirávamos, de ver arvorar a Bicolor sobre os muros do Castelo daquela Vila.


Como a ninguém consentiu sono a esperança impaciente da manhã, por toda a parte se pressentiu que as tropas da Usurpação, penetradas de terror, largando a defesa, e a guarnição da Capital, fugiram em silêncio dos nossos muros, esquecidas já da bárbara arrogância com que durante o dia haviam escoltado o algoz, e proclamado novos suplícios em nome da Religião Santa que profanavam, e da Legitimidade que atacavam.

Então, e pela primeira vez então, olhámos para os pulsos, e já não vimos as algemas: ainda mal raiava o dia, e já as ruas estavam cheias de Cidadãos armados, correndo uns a soltar das masmorras as inumeráveis e inocentes vítimas da fidelidade que nelas gemiam, outros a arvorar no Castelo de S. Jorge, e nos fortes que estavam construidos na margem do Tejo em diferentes sítios da Cidade as Bandeiras da Liberdade, que de improviso se aprontaram; outros finalmente a aclamar por toda a parte a Rainha, a Carta, e a Regência do seu Augusto Legislador.

Este movimento foi espontâneo, e universal; todas as Hierarquias, todas as Classes de Cidadãos rivalizavam à porfía em ostentar fidelidade; praças, ruas, tudo se viu inundado repentinamente de Povo armado, que mutuamente se abraçava, dando-se recíproco parabem da recobrada Liberdade, e pedindo ser conduzido sobre as tropas do Usurpador [D. Miguel], que fugindo da Cidade haviam feito alto no Campo Grande. Acudiram logo a organizar-se a Guarda nacional do Comercio, e os outros Corpos Militares que a Usurpação havia licenciado; e todos os outros Cidadãos se organizaram em Companhias, e Batalhões, e correram a fazer guarda ao Erário, ao Banco, à Tesouraria, e aos mais Estabelecimentos Públicos, que tinham ficado desguarnecidos, ou foram ocupar para manter a ordem, os diferentes postos que o próprio instinto lhes designou.

No entanto arvorou-se a Bandeira da Legitimidade no Castelo as Bandeiras Britânica, e Francesa; e os Navios destas Potências surtos no Tejo juntaram a sua salva às que a terra dava ao Estandarte da Rainha.

Já então um número infinito de habitantes de Lisboa, atravessando o Tejo, haviam antecipado o prazer de abraçar os nossos Bravos Libertadores, e de congratular os seu Glorioso Chefe, o Invicto Duque da Terceira, convidando-os a não demorar igual prazer aos seus Considadãos.

À uma hora da tarde, no meio dos transportes do mais vivo entusiasmo, principiaram a desembarcar as Tropas da Rainha no Terreiro do Paço: depois de tantos anos de exílio, e de combates de todo o género; depois de tantos dias de marchas violentas, derrotados na esquerda do Tejo os últimos satélites da tirania, que ouraram temerariamente arrastá-los, puderam enfim restaurar a Capital, e o Tesouro da nossa Augusta Rainha, e receber nas Aclamações, nos abraços, e até nas lágrimas de gratidão, a que a sua heroicidade podia aspirar. não há termos para exprimir o entusiasmo, com que foi recebido o moderno Nuno Alvares, o indefeso Campeão da Legitimidade, e da Carta, o Victorioso Duque da Terceira: por muito tempo não lhe foi dado pisar o terreno; era transmitido de braços para braços, e ninguém se fartava de abençoar o Regente Augusto, que soube fazer justiça a tanta honra, depositando nele a sua confiança.

As Casas da Municipalidade desde o começo do dia tinham sido inundadas de Cidadãos, muitos deles pertencentes às mais elevadas hierarquias, que tinham aclamado ali solenemente o Governo Legítimo, lavrando disso Auto: agora o Duque da Terceira no meio de muitos Oficiais Generais, e acompanhado de um novo e numeroso concurso, foi pessoalmente ratificar aquele acto, entre o aplauso de uma população imensa; e não se recolheu ao seu Quartel General senão depois de dar as necessárias ordens, e adoptar as mais oportunas medidas para afiançar a organização civil da Capital, e manter a ordem pública, e a marcha regular da Autoridade em circunstâncias que seriam perigosas em qualquer Capital que não fosse Lisboa.

A proclamação que se segue foi logo publicada:

HABITANTES DE LISBOA

"A Divisão do Exercito Libertador, de cujo Comando Sua Majestade Imperial o Duque de Bragança, Regente em Nome da Rainha, Houve por bem encarregar-me, com a mira unicamente em libertar-vos, atravessou as Províncias do Sul do Tejo, e veio sobre a margem deste Rio fazer tremular diante de vós o Estandarte da Rainha, e da Liberdade; mas este Estandarte, a cuja sombra se abrigam no meio das perseguições do exílio, e dos combates, os Leais Sustentadores do Trono, e da Carta, jamais foi o Emblema da Guerra, e da Vingança, mas sim o da Paz, da Concórdia, da Reconciliação de toda a Família Portuguesa, e da Clemência, e Perdão para os iludidos, e desgraçados: portanto, Habitantes de Lisboa, a Ordem, o respeito aos Direitos de todos, a tranquilidade, e o sossego da Capital, é o que eu de vós espero, e exijo: eu tenho dado, e continuarei a dar as providências para o vosso regular Armamento, restabelecendo os mesmos Corpos, que em outro tempo foram o Sustentáculo da Rainha, e da Carta: neles, e naqueles, que passarei a organizar, tereis ocasião de partilhar a Glória de restaurar a Nação, de manter a ordem, e a tranquilidade dos nossos lares.
Quartel General em Lisboa aos 24 de Julho de 1833 - Duque da Terceira."

Qual outra linguagem podia ser a de um tal Português aos seus Compatriotas? Ser livre, é ser amante da ordem, e escravo da Lei: quem quiser cometer crimes; quem quiser ostentar valor diante de vítimas desarmadas: não se engane com as bandeiras, siga as da Usurpação e do Despotismo: as da liberdade, as da honra, e da civilização termolam só entre Soldados que não conhecem inimigo senão armado.

Prossigamos a gloriosa marcha que temos principiado, defendendo a liberdade, continuemos a mostrar à Europa que somos dignos dela; e conservando a ordem, e a obedecendo às Autoridades Legítimas, evitemos o flagelo da anarquia; e não cedamos em glória cívica a nenhum povo civilizado: continuemos a dar ao mundo admirado o raro exemplo de fazer revoluções sem as mancharmos de outro sangue que não seja o derramado no combate. (Vende-se na Loja da Administração, aos Mártires N.º 12)"

Portanto... está claro que os liberais lutaram com a NOVA bandeira, a azul e branca, à qual chamavam de "a bicolor" (entre outros nomes), não podia o inimigo contra quem lutavam ter bandeira de duas cores como os da recente teoria creem. Portanto, caindo por terra a teoria recente, resta apenas a tranquila opinião e conhecimento acostumado, e nunca antes colocado em causa: o Senhor D. Miguel, como Rei de Portugal, lutou com a bandeira do Reino de Portugal, que é de fundo branco.

É digno de nota: à "bicolor" chamavam também "da liberdade", e lutavam com ela os que chamavam de "tiranos" e lutavam pela tradicional e centenária bandeira branca.

(Posterior aclaração, aqui)

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