17/03/15

IMITAÇÃO DE CRISTO - Thomas de Kempis (LXIII)

(continuação da LXII parte)

A IMITAÇÃO DE CRISTO
Thomas de Kempis

III Livro
A Fonte Das Consolações

Cap. XXXI

Desprezar as Criaturas Para Encontrar o Criador

1. Alma - Senhor, eu necessito de mais graça para estabelecer-me em tal estado que nenhuma criatura possa embaraçar-me. Enquanto eu tiver inclinação para alguma coisa terrena, não poderei livremente voar para Vós. Este é o grande voo que desejava o Profeta, quando dizia: "Quem me dera asas como a pomba para poder voar e descansa."
Que coisa mais descansada que a intenção pura, e que coisa mais livre que o coração que nada deseja do mundo? É necessário, pois, que a alma se eleve acima de todas as criaturas e se separe de si mesma, arrebatada e fora de si, compreendendo que Vós sois o Criador do Universo e que nenhuma semelhança tendes com as criaturas, no que elas têm de inferior por se eximirem das Vossas leis.
A alma, não estando assim desembaraçada, não poderá livremente aplicar-se nos objectos celestiais.
O motivo pelo qual existem hoje tão poucas pessoas contemplativas decorre do facto de que poucos sabem separar-se do amor das criatuas e dos bens transitórios.

2. Não se pode chegar a este estado sem uma grande graça, que eleve a alma e a transporte acima de si mesma. O homem que não possui esta elevação do espírito e que não vive desapegado do amor das criaturas, para unir-se perfeitamente a Deus, nenhuma atenção merece pelas luzes e raras qualidades que tiver.
Quem não ama somente o único, imenso e eterno Bem, permanecerá muito tempo no seu estado imperfeito.
Tudo o que não é Deus é nada, e por nada se deve julgar.
Há uma grandíssima diferença entre a ciência de um homem de piedade e a de um hábil teólogo. A luz que vem do Céu, pela influência da graça, é muito mais nobre do que aquela que se adquire pelo trabalho e pelo esforço do espírito humano.

3. Muitos há que desejam contemplação, mas que não trabalham por adquiri-la. O que os impede de chegarem a um estado tão feliz é o contemplarem as coisas sensíveis, tratando pouco de mortificar o espírito e o coração. Não sei que espírito nos conduz, nem tão-pouco o que pretendemos, dizendo-nos espirituais e empregando tanto trabalho e cuidado em tudo o que é vil e transitório, ao mesmo passo que raramente recolhemos os nossos sentidos para meditar sobre o nosso mundo interior.

4. Grande desgraça! Ainda não temos entrado bem em nosso coração, e logo saímos dele para tratarmos das coisas externas, sem fazer um rigoroso exame das nossas obras.
Não atentamos para onde caminham os nossos afectos nem choramos, vendo que tudo em nós é impuro.
A Escritura diz que, havendo toda a carne corrompido o seu caminho, por esta causa inundou o dilúvio toda a Terra. Quando, pois, os nossos afectos se corrompem, logicamente se corrompem as acções que se lhe seguem, o que denota falta de virtude interior. Do coração puro é que procede o fruto da vida pura.

5. Olha-se atentamente a tudo o que o homem faz; mas não se olha do mesmo modo se é sólida a virtude e pura a intenção com que as faz. Examina-se com cuidado se é forte, rico, formoso, hábil nas artes, se escreve ou conta perfeitamente, ou se é bom oficial; mas não se faz conta de saber se é pobre de espírito, sofredor, manso, devoto e espiritual.
A natureza não considera senão o exterior do homem; porém, a graça dirige-se ao seu interior. A natureza engana-se muitas vezes; mas a graça espera em Deus para não ser enganada.

Sem comentários:

TEXTOS ANTERIORES