24/03/15

MASTIGÓFORO - INTRODUÇÃO (III)

(continuação II parte)

Ninguém definiu melhor as amnistias do que um Rei, que vinha sentar-se num trono, rubicado com o sangue do seu malfadado Pai. Quando propuseram a este Rei (Carlos II de Inglaterra) a amnistia, e o esquecimento, disse para os circunstantes "Entendo; amnistia para os meus inimigos, e esquecimento para os meus amigos." Já notei em outra parte dos meus escritos, que esta amnistia pareceu tão excessiva, e desaresoada ao Parlamento, que exceptuou dela os matadores de Carlos I, para que a Europa não julgasse pelo esquecimento, ou perdão de tal crime, que a nação fora cúmplice de Cromwel, e seus sequazes. Muito mal trazidas foram pelo discursador as amnistias de Henrique IV de França, e de Filipe V de Espanha. Teve aquele Rei muitos contradictores à sua elevação ao trono, por ser Protestante, logo que cessou este motivo, cessaram as maiores contradições; e os que fugiam de Henrique IV ainda herege, vieram deitar-se aos pés de Henrique IV já católico, e seria preciso nestas circunstâncias, que o Rei desmentisse a profissão de católico, para negar o perdão, aos já convertido sem seus amigos: Filipe V sabia perfeitamente, que nem o ódio à sua pessoa, nem o desprezo da última vontade de seu antecessor, eram o fundamento da viva oposição, que lhe fizeram algumas Cidades, e Fidalgos de Espanha, e não mostraria ser próximo descendente de Henrique IV se punisse severamente qualquer adesão ao seu competidor, e por ventura como dotado que era de alma nobre, teria sobejos motivos para admirar a constância dos que intimamente persuadidos da justiça do Arquiduque, tinham feito os maiores esforços para sustentarem o que lhe parecia direito; só o traidor que se vende a todos os partidos, merece o desprezo de todos, porque nenhum servirá de coração, e como importa... É pois audácia Maçónica levada aos últimos apuros, o quererem tais homens comparar-se aos homens de outro tempo, em cujas almas nunca frutificaram as venenosas sementes do mais descarado Ateísmo. Se Henrique IV, e Filipe V tiveram a desgraça de encontrar no seu Reino pessoas imbuídas de princípios anti-sociais, como são os Pedreiros Livres, teria mais que cortar a espada, que feriu o Marechal Biron, e muito mais que escrever a pena, que lavrou a sentença do Almirante de Castela... Enfim, se os Pedreiros querem amnistias das novas, que possam ter certa analogia com a que eles tão ansiosamente demandam, e meter à cara, limitem-se ao caso da revolução Francesa, e à triste necessidade, que obrigou Sua Majestade Cristianíssima, a olhar benignamente, e até contemplar com mercês, e favores, os próprios que cortaram ao ferro da guilhotina a cabeça do seu Augusto Irmão Luís XVI. Mas que vantagens tirou ele desse generoso, e nunca visto esquecimento de injúrias feitas ao trono? A sua primeira amnistia aos Franceses, depois de restituído ao trono dos seus maiores, produziu o efeito de se trabalhar em Paris, a cara descoberta, no regresso do usurpador, e tal amnistia, que bem longe de o firmar no trono, o fez baixar dele, não é das que favorece o discursador. Se voltarmos para a segunda, é certo que os mais envolvidos na segunda entronização do usurpador, se evadiram pela fuga à severidade das Leis, que se eles tivessem ficado em Paris, ou em qualquer outra parte de França, teria o Marchal Ney mais companheiros na sua desgraça. Da segunda amnistia foram exceptuados os regicídios, pois ninguém dirá, que o ser arrojado para fora da sua pátria, seja um galardão, e uma felicidade; no meio porém de tudo isto importa sabermos qual é a opinião dos homens sisudos da França em pontos de amnistia. Eu começaria agora pelo testemunho de Mr. de Chateaubriand, se o verídico, e eloquente Abade de Vilar (Luís Gaspar Alves Martins - Na sua excelente Dedicatória a ElRei Nosso Senhor, que vem à frente da tradução da Questão nacional do Abade Barruel, e onde a linguagem do coração, arrebata, e faz extasiar os verdadeiros amigos da pátria, por mais vezes que a leiam, e meditem) não tivesse já escolhido o melhor, e mais terminante de quanto diz a este propósito aquele grande homem de Estado; e por isso deverei cingir-me a outras autoridades menos respeitáveis sim; mas nem por isso menos verdadeiras.

Luis XVI
Ninguém a meu ver tem discorrido mais a propósito sobre as amnistias, do que um anónimo Francês, o qual depois de se lastimar com toda a razão, de que a palavra amnistia tinha sido 25 anos como o sinal de novas desgraças, por tal modo, que proferida desde os primeiros ensaios da revolução Francesa, acarretou logo as mortandades de Avinhão, após esta os furores de Setembro, e imediatamente o regicídio de Luís XVI, acrescenta o seguinte "Se um homem cuja habitação se tivesse alagado, querendo logo a toda a força viver debaixo de coberto, edificasse outra com os próprios entulhos da primeira, dispostos quase da mesma sorte, em que a sua queda os deixará,, o viajante que ali passara no tempo do desastre, voltando poucos dias depois, certamente se admiraria de ver ao longe o novo trabalho, e da prontidão com que se fizera, mas chegando-se perto, havia de trocar a sua admiração em lástima. É preciso, diria ele, que seja bem grande a cegueira do dono desta casa, pois não vê que ela há-de cair assim como a primeira.... Reflectindo sobre a nossa revolução , o povo Francês, edificando uma nova constituição, apenas outra, apesar de todas as suas diligências, lhe tem escapado, e pondo o esquecimento do passado, e a conservação de todas as injustiças, como o principio fundamental de todas as constituições, parece-me aquele homem de que há pouco falei, todo embebido em reconstituir a sua casa, e tomando cuidados inúteis para a livrar de outra queda." (Du Minist. par. Leopold de Massacré, pag. última.)

Ora aqui está o conceito em que os bons Franceses têm essas decantadas amnistias, e se parece ao Discursador, que a indulgência de Luís XVIII o tem consolidado no trono dos seus maiores, engana-se torpemente. Já observámos o que ele tirou da amnistia, concedida no ponto de reassumir o ceptro dos seus maiores. Tudo ia ás mil maravilhas, tudo eram incensos, e adorações ao vivo retrato de bondade de Henrique IV, e vai senão quando aparece o homem da Ilha de Elba, conquista a França sem dar um tiro, e vai enxovalhar segunda vez o trono dos Borbons na França, convulsa, e atemorizada, porém quieta, e sem se mexer, quando o seu Rei fugia, ou se retirava. Não fosse o poder dos exércitos Aliados, não fossem os heroísmos, obrados no campo de Waterloo, e veríamos quem ainda hoje ocupava o trono da França! Se Luís XVIII já tem conseguido espezinhar o monstro, que insuflara o General Breton, e os Liberais, ou Pedreiros, seus cúmplices, deve-o muito menos ao amor dos Franceses, do que aos seus poderosos Aliados. Sucedesse, o que Deus não permita, que os magnânimos Alexandre, Francisco, e Frederico, entregavam a França ao seu destino, e protestavam abrir mão de sustentarem à força de armas o princípio da legitimidade, e veríamos a que ponto chegava ainda a influência revolucionária, naqueles já sobremaneira escarmentados povos "Eu sou chamado invencívelmente (escrevia a este propósito um Autor Francês em 1815) para as ideias, que nunca me deixam, e que me perseguem em toda a parte; eu lhe acrescentarei novas explanações, pois nisto é que está o perigo todo, e só desta arte poderemos achar salvamento. Já pintei o mais vivamente que pude, essa inaudita harmonia, que se dá em os numerosos agentes da revolução; eu os mostrei, formando no meio do estado, outro povo sujeito a Leis particulares, estabelecidos em uma hierarquia maravilhosa, para mandar, e obedecer, tão despótica em mandar, como servil em obedecer, e que tem por este modo a dobrada organização de uma sociedade secreta de Iluminados, e Pedreiros, que medra, e se fortifica no seio das trevas; e de uma potência política, que manobra com estampido, logo que é necessário, e quando é necessário. Nesta combinação a mais infernal, que nunca inventou a malícia humana, poderá a Irmandade fazer quanto quiser, enquanto o principio da sua existência não for atacado, e toda a potência, que enviarem contra ela, e que não trate senão de a combater por meio de concessões, e mudanças tímidas, e parciais, não poderá ter senão uma existência frágil, e passageira. Com efeito apenas derem a esta máquina política, e misteriosa, chefes que lhe sejam estanhos, logo os chefes verdadeiros se acolhem à sombra, e por meio de uma simples comunicação, como alguns dos principais subalternos, as relações directas acham-se imediatamente restabelecidas; se intentarem romper-lhe as fileiras, metendo-lhe de permeio, alguns sujeitos, hábeis na dissimulação, procuram no mesmo instante entre os irmãos Pedreiros, e atrevo-me a dizer, quase por instinto, o ponto de contacto mais próximo, para entrarem desta sorte no movimento comum, que leva tudo consigo: Foi por este encadeamento habilmente combinado de tantas molas, dirigidas todas ao mesmo fim, que durante o ano da primeira restauração, Savary pôde governar a polícia, Maret, ou Carnot o interior, e cada Perfeito adido a Bonaparte, o departamento vizinho daquele, onde tinham posto por escárnio um Perfeito Realista. Assim a execrável aranha restaura com uma actividade incessante as mínimas alterações, que experimenta o seu mortífero tecido, e escondida no centro deste laço inexticável, sente o mais pequeno abalo de seus fios os mais imperceptíveis, embrulha neles a sua preza, e depois de assassinar cobardemente, pode devorá-la sem perigo." (Des Revolutionaires, Paris 1815)

Daqui se vê claramente a índole dos Pedreiros na França, que é propriamente o centro da Maçonaria Europeia, e bem sei que a tudo isto se chama terrorismo ou exageração de princípios, mas nisso mesmo se descobre o espírito da seita, cujo fim é adormentar e iludir, para que ninguém pressinta a bulha que fazem os seus trabalhos subterrâneos, e o mais é que os mesmos da confraria lá de tempos a tempos deixam escorregar da pena algum dos seus melhores segredos. Reparem os meus leitores neste que lhes vou meter pelos olhos dentro, e vejam que tais são os amigos de trolha: "Todos os homens grandes foram intolerantes, e é necessário, que o sejam. Quando se encontre no caminho um Príncipe benigno, é necessário prégar-lhe a tolerância para ele cair no laço, e para que o partido esmagado tenha tempo de se levantar pela tolerância que se lhe concede, e de esmagar o adversário pelo seu turno." (Correspondance de Grimm 1. juin 1772, 1 part. Tom 2. pag. 242, et 243)

(continuação, IV parte)

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