07/03/15

SERMÃO SOBRE O ESPÍRITO DA SEITA DOMINANTE NO Séc. XIX (VI)

(continuação da V parte)

Padre José Agostinho de Macedo, o odiado dos liberais
Antes que adiante o meu discurso, e chegue com ele a pintar-vos os terríveis efeitos deste espírito de partido, não só pelo que pertence à Religião, mas pelo que pertencem à sociedade, deixai que eu vos diga que a maledicência assim como é a arma mais fácil, assim também é a mais comum do espírito de partido. Nem todos têm astúcia, nem todos têm cabedais, nem todos têm amizades poderosas com que façam guerra ao bem público, e sustentem uma opinião, ou persigam a mesma Pátria, que lhes deu o preço; mas todos têm uma língua com que rebatam um mérito, com que obscureçam um nome; e os mais imperitos a costumam ter sempre mais atrevida que os outros, e sem se ocuparem em discursos sobre coisas particulares, que pedem entendimento, e perícia, dirão uma louca malignidade. E tão poucas tenho eu ouvido? Dirão, para irem por diante com o partido, a rebatida fase do concelho dos fatuos nos doirados domicílios da crápula, que nós devemos sucumbir, porque o monstro recruta em toda a Europa, isto que é um perfeitísssimo delírio é o sinal menos equívoco do espírito de partido. Do Redentor do Mundo disseram estolidamente seus inimigos em Jerusalém: Nunquid potest aliquid a Nazareth boni esse? Eis aqui uma maneira bem compendiosa de confutar a santidade, a doutrina, e os milagres do Messias, dizer, que de Nazareth, donde ela era, não podia vir coisa boa. Pois os habitantes de Nazareth não são homens? Não têm entendimento? Não professam também a mesma lei santa, que os de Jerusalém professavam? Isto é verdade, mas de Nazareth não pode vir nem bom zêlo nem boa doutrina, nem causa que boa seja. Dissessem ao menos que um Nazareno, ou dois Nazarenos tinham podido errar como errariam outros tantos, e mais em Jerusalém. Mas dizer que todos! Constituir a todos na absoluta impossibilidade de obrar bem, de pensar bem, de falar bem! Isto que parece um portento de cegueira, e de inveja, tem sido sempre conhecido por um efeito naturalíssimo do espírito de partido. Mas qual é a intenção, ou o fim desta maneira de falar? O seu fim nem é, nem pode ser outro mais que denegrir, e abater a fama alheia, e fazer triunfar a obra da iniquidade. Uns murmuram no Mundo por dicacidade, outros por passatempo para que a conversão não seja muda, nem insípida a companhia; mas nenhum deste motivos obriga a falar, e discorrer esses inimigos do público sossêgo, esses fatais anarquistas, esses voluntários do Tirano, não querem mais que a propagação, e a dilatação do sistema destruidor, que para ser aborrecido basta unicamente ser conhecido, e contemplado. Se vós quiserdes, sem paixão, lançar um instante os olhos sobre seus efeitos, então vós podereis formar uma adequada ideia de sua infernal enormidade.

Considerai a Europa no estado, na situação, na época em que a quiserdes considerar, vós não descobrireis nela um quadro tão horroroso como agora se vos apresenta. Considerai-a naquela já de nós remota, e apartada época, em que se começou a estender, e engrossar o espantoso Império Romano, vós vereis a Germânia quasi vencida, as Gálias avassaladas, a Hespanha depois de pertinacíssimos combates de duzentos anos submetida ao jugo; passai com a imaginação o Adriático, vede o Epiro subjugado, a Grécia dividida, a Macedónia, a Tracia agrilhoadas, a Síria, e seus vastos Reinos assoberbados pelas Águias, tiranizados por orgulhosos Procônsules. Vede Cresso acometendo a Arménia, vede-o infeliz, mas destruidor entre os Partos. Vede Pompeu levando no coração a República, e a conquista, encadeando uma a uma as Ilhas do Mediterrãneo, arvorando as Águias até à vertentes, desfechando raios na aterrada Mesopotânia, e deixando por toda a parte cadeias, e pavor. Retrocedei um pouco com a imaginação, e vede na Mauritânia Tingitana os dois Cispiões, e após eles o ferocíssimo Mário conservando na condição plebeia o coração de César, e a magnanimidade de Alexandre, não deixando uma pedra sobre outra pedra nos levantados muros de Cartago. Vede antes dele a mesma Itália assolada pelas bárbaras Legiões Cartaginesas, comprando os Romanos uma só victória pela ruína de tantas Cidades, pelos lutos de tantas famílias, pela morte de seus ilustres Cônsules.... basta. Considerais a mesma Europa debaixo da dominação Romana no quarto, e quinto século da era Cristã, já dividido o vacilante Império, e oprimido da sua mesma grandeza, e com suas intestinas discórdias, abrindo as portas à aluvião dos Bárbaros, que do norte, e do levante da mesma Europa rebentaram como vulcões, e correram a vingar as não esquecidas, posto que antigas injúrias, que á sua natural liberdade tinha feito a soberba Romana. Vede aqueles densíssimos exames de Gépidas, de Seítas, de Unos, de Hérulos, de Vândalos, de Godos, derramando-se como impetuosas torrente das montanhas da Escandinávia, por onde quer que vem ponto os pés, não deixarem outros vestígios mais do que estragos, e cinzas. Já despedaçam o Império usurpador, e de cada pedaço formam um Reino, querendo a reguladora Província, que onde tinham chegado com o voo as Romanas Águias, aí chegassem também os vingadores dos ultrajes, e afrontas, que os conquistadores do Tibre tinham feito à Natureza, e à sociedade humana. Penetra, e transpõe os mares Genserico, e naquela mesma África, onde tantos troféus tinha levantado a vaidade Romana, levanta sobre suas ruínas um novo, e mais bárbaro Império. Considerai a mesma Europa no começo do oitavo século, e vede a mais espantosa vicissitude nos acontecimentos humanos. Já se haviam amaciado os costumes dos bárbaros; Teodorico, e Amalasunta fizeram leis, que ainda admiramos, e o celeste podre do Cristianismo desarmou a fúria Gótica, e viviam as Nações tranquilas: eis das montanhas, e dos areais da Arábia com a nova seita então levantada correm legiões de novos conquistadores, alaga-se de sangue a terra, e os mais florescentes Impérios da Europa gemeram pisados, e destruídos pela ferocidade dos Sarracenos. Eis os homens sujeitos a novas leis, e a novos dominadores, e passam os séculos sem mudarem de grilhões, e a terra não oferece outro espetáculo mais que o da miséria, e da escravidão. Pois nós podemos chamar a tantas catástrofes os séculos da felicidade, quando as compararmos com o quadro das calamidades, que nos oferece a Europa infelicíssima há vinte anos. Os estragos, que ela sofre, não parecem ser obra das mãos dos homens, mas dos Demónios. Vede a que se reduziu a majestade, grandeza, e constituição do Império Germãnico. Vede como está o poder guerreiro da guerreira Prússia; a independência da Polónia; a majestosa soberania da Holanda; a divisão tranquila, e equilibrada da Itália; o poder pacífico de Roma; a representação de Nápoles, a política, e diutura existente de Veneza, a confederação fraternal da Suíça, a liberdade do Piemonte, o majestoso, e venerável colosso da Monarquia Espanhola, a conservação triunfante de Portugal; vede tudo, e dizei-me, se pode outra, ou mais medonha, e espantosa a imagem, e representação do caos. Horrorizam-vos tantas cabeças decepadas, tanto sangue vertido, tantas lágrimas derramadas, tantos lutos consoantes, tantas prescrições sanguinários, tantos cativeiros injustíssimos, pasmais de ver a natureza ofendida, a liberdade encadeada, a Religião perseguida, os homens transformados em feras indómitas, e carniceiros Abutres? Pasmais de ver cadeias mais grossas, grilhões mais pesados, escravidão mais insuportável do que a que vira, e sentira a mesma Europa nos séculos mais bárbaros? Assombra-vos ver que homens, que se diziam fiéis, e Cristianíssimos, excedam no orgulho os Romanos, na ferocidade os Seítas, nas destruições os Vândalos, na desumanidade os Unos, na brutalidade sensual os Hérulos, no fanatismo revolucionários os Sarracenos, na conducta, nas blasfémias, nas profanações, nos desacatos, nos insultos feitos aos mortos, e às mesmas sombras dos sepulcros os Demónios? Pasmais de ver Canibais na Europa mais sedentos de sangue, mais vagabundos, mais carnívoros, mais incultos? Admirais-vos ver uma Nova Nação de Caraibas, sem pátria, sem lares, sem relações naturais, e humanas? Transportais-vos de horror vendo não nas bordas do Amazonas, mas nas margens do Tejo uma horda de Topinambás estúpidos, brutos, insensíveis, sem ideias da moralidade, cometendo assassinatos sem remorsos, roubos sem turvação, incêndios sem emoção. Tudo isto existe, tudo isto nós vimos, e sentimos já três vezes. E se vos não horrorisais muito, e quereis ver tudo isto junto em um só quadro, eu vo-lo mostro. Vêde, e observais bem de perto um apaixonado dos Franceses; seria honrá-lo muito dizer que é um Antropófago; se Satanás se torna visível, eu não sem quem seja mais o seu retrato... Perdoai-me mais que não cabe em mim a dor de ver o abismo em que iam lançando a nossa Pátria, o nosso Rei, a nossa Religião... Perdoai-me, e pois já me cansaram, ou se me secaram os olhos de chorar, tenha o meu abafado coração um desafogo pela língua. Eu detestarei, eu ensinarei todos os séculos a detestar estes malvados. Há quatro anos não derramei ainda uma só lágrima, que suas ímpias mãos as não espremessem de meus olhos. E se estes espantosos efeitos vos assustam, fugi, Povos, fugi, fugi da sua causa, que é, e somente é o Espírito de Partido.

DISSE.

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