10/05/15

MEMÓRIAS PARA A VIDA DA BEATA MAFALDA (I)

MEMÓRIAS PARA A VIDA DA BEATA MAFALDA

de Fr. Fortunato de S. Boaventura

As três irmãs Beatas, filhas de D. Sancho I de Portugal: Teresa, Sancha e Mafalda.

Capítulo I
DOS PAIS, NASCIMENTO E PÁTRIA DA RAINHA D. MAFALDA

Muito acima do que permitem os meus débeis talentos se eleva hoje a minha pena, ousando escrever as acções memoriáveis da Rainha D. Mafalda. Elas são tantas em número, e cada uma de tal merecimento, que os meus trabalhos hão-de ser antes uma tosca e desengraçada relação, que fatiga os Leitores sem contribuir para o seu gosto e utilidade, do que uma história bem pensada, a qual discutindo a razão dos factos sobre unir ao preço do historiador o preço, ainda mais estimável, do bom siso e da reflexão.

Não obstando, porém, a falta do engenho, discrição, ciência dos factos e outras qualidades, que formam o historiador, a força de um preceito, a que não soube resistir, me faz lançar mãos desta obra com empenho e ardor; e confiado na protecção e assistência do Senhor, que para as obras mais importantes escolhe muitas vezes os mais débeis instrumentos, começo a falar dos pais da Rainha D. Mafalda, segundo a promessa que fiz à testa do presente capítulo.

O venerável D. Afonso Henriques, fundador da Monarquia portuguesa, depois de rechaçadas por tantas vezes e com tanta glória as forças da Mauritânia, havia segurado a posse deste Reino, quando escolheu para esposa de seu filho D. Sancho a Rainha D. Dulce, filha de Raimundo Berenguer, Conde de Barcelona, e de Petronila, Rainha herdeira de Aragão, a quem seu Pai Ramiro, o Monge, tinha deixado a Coroa e as fortunas do século para continuar as profissão do Instituto Beneditino, que nos seus primeiros anos abraçara.

Esta união foi a mais ditosa, e de quantas figuram na nossa história foi também a mais fecunda em prodígios de santidade, pois dela nasceram o imediato sucessor da Coroa (D. Afonso II, Rei de Portugal), dois Soberanos (D. Pedro Conde de Urgel e Soberano de Malhorca, e D. Fernando Conde de Flandres), uma Esposa (D. Berenguela) de Valdemaro II Rei de Dinamarca, além de outros (D. Henrique e D. Raimundo) que na idade tenra foram chamados para uma Coroa de eterna duração, a mesma que as Rainhas suas irmãs D. Teresa, D. Sancha (D. Teresa foi Rainha de Leão, mas, obrigada a separar-se de Afonso IX, seu esposo, recolheu-se no célebre Mosteiro de Lorvão, onde plantou a Reforma cisterciense, e morreu em cheiro de santidade - assim ela, como sua irmão a Rainha D. Sancha, que fundou e governou o Mosteiro de Celas da mesma Reforma, foram beatificadas pelo S. padre Clemente XI), D. Branca preferiram às deste mundo, e nesta sucessão ocupa um lugar bem distinto a Rainha D. Mafalda, de quem vou tratando.

Sobre a ordem do seu nascimento variam muito as opiniões dos historiadores. um deles, que dos nacionais é o mais antigo que pode consultar-se (D. Pedro Conde de Barcelos, filho do Rei Dinis no seu Nobiliário de Portugal, que suplementou o cronista-mor João Baptista Lavanha, e foi publicado em Roma no ano de 1640, a pág. 30), nomeia a Rainha D. Mafalda antes de nomear as Rainhas B. Teresa e B. Sancha; não falando porém na discrepância, que se observa entre os nossos historiadores, eu sigo que das três beatificadas Rainhas D. Mafalda foi a última na ordem do nascimento. Moveram-me a abraçar esta opinião não só as disposições testamentárias do Rei D. Sancho I, onde se nomeia D. Mafalda depois de se nomearem as Rainhas D. Teresa e D. Sancha, mas também algumas doações (doação que ElRei D. Sancho e a Rainha D. Dulce fizeram do lugar de Ota ao Mosteiro de Alcobaça, lavrada em Março de 1189, na qual aparecem as duas Rainhas D. Teresa e D. Sancha, mas não aparece a Rainha D. Mafalda, o que faz ver que fez o mesmo Rei a Guterre Anes de quatro casais na Anadia, em Abril de 1209, e nesta figura em último lugar a Rainha D. Mafalda, o que faz ver que era mais nova de suas irmãs. Uma e outra doação vêm apontadas a pág. 170 e seg. do 4º tomo da História Genealógica de Portugal, que escreve D. António Aetano de Sousa) que nos restam daquele tempo, as quais afiançam uma verdade já defendida pelo sábio cronista Fr. António Brandão.

É mais dificultoso assinar o tempo e o lugar do seu nascimento; e, havendo nestes pontos a maior obscuridade, não ouso apontar com certeza uma e outra circunstância. Não pensava deste modo um particular historiador (José Pereira Baião na obra que intitulou Portugal Glorioso e Ilustrado, etc., e que saiu em Lisboa, no ano de 1727) da sua vida, o qual marca o nascimento em 1195, especificando além disto o dia 13 de Maio, que foi na sua opinião o mesmo em que ela nasceu e ultimamente lhe dá por berço a famosa e antiga cidade de Coimbra, que era naqueles tempos a Côrte dos Soberanos portugueses. Nesta parte, em que a opinião é mais bem fundada, não passa todavia de simples ainda que plausível conjectura, e seja muito embora provável que a Rainha D. Mafalda nascesse em Coimbra, certeza porém deste facto nem a descobri, nem a pude alcançar, mormente quando é notório que o Rei D. Sancho I e sua esposa e Rainha D. Dulce saíram da capital e viajaram por muitas partes do Reino.

No que respeita à circunstância do tempo, não vi até agora nem historiador, nem documento, donde se pudesse alcançar tamanha clareza; vendo porém, que a Rainha D. Mafalda ainda não figura numa doação lavrada em 20 de Fevereiro de 1195, quando ela já figura noutra doação feita no mês de Junho de 1196, posso concluir sem violência, ou temeridade, que a Rainha D. Mafalda nasceu no intervalo de tempo, que se conta desde 20 de Fevereiro de 1195 até Junho de 1196; e desta sorte nem absolutamente roubei à cidade de Coimbra uma das suas mais belas prerrogativas, nem à Rainha D. Mafalda o incidente de haver nascido no mesmo dia em que o taumaturgo português Santo António ilustrou a cidade de Lisboa com o seu nascimento.

(continuação, II parte)

3 comentários:

Unknown disse...

"engenho, discrição, ciência dos factos e outras qualidades" - era muito bom se existisse uma explicação destas qualidade reverenciadas que formam o historiador. Infelizmente, o que hoje se aprende é "anti-história", de tal maneira que nem sabemos para que lado nos devemos virar...

anónimo disse...

Telmo Pereira,

obrigado por comentar.

Infelizmente, o blog ASCENDENS não está tão saturado de peritos com vagar que pudesse haver uma nota para todas essas necessidades. O blog ASCENDENS fica muitas vezes pelo mais geral, pois mesmo que houvesse 10x mais publicações, tudo continuaria por fazer!

Sim a "anti-história" é construída, ou pelos malvados ou pelos filhos deles, os quais, entupidos dos falsos valores que lhes serviram de berço, com boa lógica, mas com premissas fantasiosas, fazem juízos sobre o passado (evidentemente, um passado que nunca existiu, que é produto da mentalidade actual).

Exemplo: Se acreditarmos que o homem está em evolução constante, o passado só por acidente poderá ser menos bárbaro que o presente e que o futuro. Assim, se concluirá que o BEM proveio de uma evolução do MAL.... etc.

Volte sempre.

Unknown disse...

Entendo.
Continuação de um brilhante trabalho que se tem feito em função da justiça à Santa Igreja e a Portugal!

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