20/05/15

REFUTAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DOS PEDREIROS ILUMINADOS

(Índice) 
REFUTAÇÃO
dos
Princípios Metafísicos, e Morais
dos
PEDREIROS LIVRES ILUMINADOS.

autor
José Agostinhode de Macedo

"Sit fas audio loqui" (Virgílio)

LISBOA
1816


PERFACÇÃO

Conheço que, para me deliberar a escrever ainda, é preciso que o amor da verdade em mim prevaleça a todas as afeições. Pelo que tenho observado, vejo que os inimigos honram; e como eu temo mais a consciência, que a fama, ainda que esta tenha sido tão injustamente abocanhada, como todos sabem, pelos infames impressos dentro, e fora de Portugal, entre os seus frenéticos clamores, fala mais alto a minha consciência, e eu cedo a seu imperioso mandamento; por isso escrevo, e escrevi. Sei donde se me disparam os tiros, e com evidência sei por quem seja formado o laço da pública, e oculta conspiração. Eu não a temo, por isso mesmo que a conheço. Um dos seus primeiros, e principais Cânones é este: ataque se caluniosamente este homem, e com a calúnia destrua-se o tal ou qual conceito, que possa ter adquirido na parte literária; escolha-se um mentecapto que o enxovalhe com insultos directos, e com os mais repugnantes despropósitos, que se não tolerariam na mais absoluta liberdade da imprensa; apadrinhem-se estes despropósitos para se não conhecerem como outros tantos crimes civis; grite-se que quanto têm composto não mostra em si o mais ligeiro vislumbre de siso comum; diga-se que são trivialidades os dois gravíssimos Tratados - A Verdade, e o Homem; que os três Poemas Oriente, Meditação, e Newton não o tiram da classe dos desleixados versificadores; diga-se finalmente que é nada como Orador; diga-se isto, ainda que seja impossível prová-lo; porque, como os mais livres ditos sempre fazem alguma ainda que ligeira impressão, sempre conseguimos infamá-lo, e com a infâmia sempre se destrói o conceito público. Ora, sem que eu apele para o juízo da Posterioridade, basta-me a voz da interna consciência, basta-me o amor da verdade para não deixar de escrever, nem de procurar em meus escritórios a pública utilidade.

Ainda que muitos, e gravíssimos escritores o não houveram dito, a experiência comum o dirá, que males todos de que ainda não deixou de ser vítima a Europa, vêm das mãos ímpias, sacrílegas, e homicidas do Iluminismo. As desgraças políticas dos Tronos, e das Nações daqui vieram: estas estão em parte reparadas com a força das armas dos mesmos Soberanos, contra quem se haviam conjurado dos Iluminados, e cuja ruína tinham jurado, e iam promovendo. Mas a ruína dos Tronos não se buscava senão pela ruína dos costumes; e a ruína dos costumes não se promovia senão pelos absurdos princípios metafísicos, e morais da incredulidade: negam isto os Iluminados; porém uma verdade, ainda que seja teimosamente negada, não deixa de ser verdade. Neguem o que quiserem, eu sei que o Iluminismo não é mais que o Epicurismo mal entendido: com este se pretende dissolver o laço da Religião, alucinar os incautos, e procurar converter os erros do entendimento na corrupção do coração. Pede-me o amor da verdade que ataque, e ataque deveras: eu não os temo; os que eu conheço, são outros tantos ignorantes. Há anos apareceram nesta Capital uns folhetos mal escritos, intitulados: "O Segredo Revelado", só tem de meu este título, pediram-me para eles o meu nome; como a intenção, e a causa eram justas, não duvidei dar o meu nome; tudo aquilo não é mais do que um rigorosa tradução da compilação de Barruel. Amotinei contra mim os Pedreiros Livres; e as cartas anónimas que recebi, e conservo, em que se me ameaçava de morte, só me fizeram rir. A Pedreiral conspiração tinha por motivo o que disse Barruel, e que um curioso entendedor de francês traduzido: eu não necessito de Barruel para combater os Pedreiros, nem de outras armas mais que as da razão para fazer desaparecer o Iluminismo, ao menos do entendimento, ainda que o não arranque do coração; porque nestes Senhores o erro é um capricho, e uma teima, seguida, e sustenida com tanto afinco que ainda hoje, depois de verem abatido, e pulverizado o grande Colosso que tinha os pés de barro, nutrem fantásticas esperanças de uma quimérica regeneração pela dissolução de todos os princípios sociais, e religiosos. Ainda se embalam com o embelêco, e ridícula imagem de uma dominação de que eles fossem. Querem e buscam estes Demagogos pertinacissimos, que o jugo da consciência se arremesse, que até a mesma voz da lei natural se sufoque, para que a liberdade de pensar se siga a liberdade do obrar. ainda que a matéria seja gravíssima, como se verá do presente Tratado, não me posso abster de uma expressão fortemente irrisória: tenho observado, e conhecido nos Iluminados um Quichotismo metafísico, querendo vingar a humanidade (dizem eles) dos agravos que lhe fez a Religião; mas nesta vingança dos agravos consiste, e tem consistido a desgraça da humanidade. Tire-se aos homens a Religião, tudo será anarquia política, anarquia moral, anarquia social. Devo pois arrostar-me com estes homens. Se eu perguntar a um Iluminado quem seja? Creio que me responderá o que respondeu Pitágoras a Clemente: "Sou filósofo"; mas não Filósofo no simples, e natural sentido em que o entendeu Pitágoras, isto é, amante, ou estudioso da sapiência: dir-me-há que é Filósofo em sentido mais levantado, e sublime - Este mesmo Iluminado, modestíssimo, o diz muitas vezes transportado, e cheio de persuasão do próprio mérito. Sim, sofra-o em paz a vergonha, ou o ciume dos outros Filósofos; seja este iluminado o sábio, o homem superior às preocupações; seja finalmente aquele grande génio, que entre as trevas comuns descobriu o modo de combinar entre si as duas coisas, que pareciam mais alheias, e estranhas, isto é, tudo quanto de mais doce e suave podia gostar a humanidade, com tudo aquilo que de mais augusto, e santo tinham a Religião, e a Virtude: ajunte, e ligue Virtude, e Religião perfeita com a mais esquisita sensualidade do Mundo; combinação na verdade maravilhosa!!! mas combinação que deve ser maduramente examinada. Este exame, em que farei consistir esta refutação, se reduz a três partes. Examinarei na primeira se esta Filosofia é coisa tão rara, e nova, como dizem os Iluminados. Examinarei na segunda, se os Dogmas desta Filosofia concordem com a verdadeira Religião, e verdadeira virtude. Examinarei na terceira, se destes Dogmas venha aos homens a que se promete tão extraordinária, e nunca sentida felicidade. Destes exames deve resultar a ideias justa, e clara do Iluminismo. É por ventura a Filosofia dos Iluminados uma obra prima? É acaso uma invenção de nova sapiência, e uma refutação da antiga? É um sistema de mais sábia Religião, e virtude, ou uma máquina de iniquidade, e de impiedade? É um segredo que encaminha para a vida feliz, ou uma ilusão que consigo traz a miséria, e vitupério? É acaso uma obra digna da admiração, do apreço, e do amor do Mundo o mais culto, ou obra digna do aborrecimento, e desprezo do Mundo inteiro? Eis aqui as grandes coisas, que é preciso conhecer. Não me tacharão estes Senhores de cerimónia, e nem por isso Jornais Portugueses em Inglaterra deixarão de vir, como costumam, enfeitados de descomposturas, e que fazem eco alguns mentecaptos em Portugal. Neste escrito falará a nua, e puríssima verdade, e ver-se-há, que se nos raciocínios humanos se descobre evidência, nestes se encontra. Aceitem este trabalho os homens de bem; a sua aprovação é a minha recompensa, à qual eu ajunto o testemunho interior da consciência que me brada, que poso dizer com mais razão que o Sofista de Genebra: Vitamque impendere vero.

(continuação, cap. I)

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