18/06/15

O PUNHAL DOS CORCUNDAS Nº 13 (I)

O PUNHAL DOS CORCUNDAS

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Nº. 13
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Ostendam gentibus nuditatem tuam

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CATECISMO DE VOLNEY

Donde veio aos Regeneradores do Porto a sobremaneira estulta presunção de que fariam quanto quisessem dos bons Portugueses? É de admirar que sujeitos da mais atilada sabença, e Donatários das formosas regiões da Luz, não conhecessem o próprio terreno em que se deviam fazer as suas evoluções Maçonico-Jacobinas. Tem-se observado que o amor dos Povos aos Reis está sempre na razão directa do cumprimento dos deveres religiosos. Nunca um país verdadeiramente Cristão deixará de ser um país cordialmente sujeito aos seus Príncipes, o que é tão certo, que a lealdade em países Católicos é sempre mais crescida que em países Protestantes. Ora que à vista da estranha relaxação de costumes, que há trinta anos a esta parte se nota e deve lastimar em todas as classes de cidadãos, eles pensassem que chegariam a salvo com seus disfarces republicanos, e que à sombra de ilegais usurpações feitas aos Grandes e aos Mosteiros, contentariam aos pequenos e os lavradores, nem se admira, nem se deve ter por estranho do que sucede nas mudanças de governo, especialmente urdidas para levantarem uns sobre a ruína e a desgraça dos outros... mas que houvesse constitucionais escandecidos a ponto de julgarem os seus concidadãos já maduros para ouvirem, abraçarem, e seguirem de bom grado as lições do Deísmo, que na frase do Grande Bossuet não é mais que um ateísmo disfarçado, parecera incrível se desde o começo da nossa infausta Regeneração não vissemos impresso com licença da Mesa da Comissão de Censura na Tipografia Rollandiana 1820 a Exposição da lei natural ou Catecismo do Cidadão!!! Obrinha é esta do famigerado Ateu Volney, que só este nome do autor é sobeja recomendação para ser o pasto das chamadas, onde quer que apareça tão infernal e desatinada produção.

Foi este um dos maiores atentados contra a Fé, qual nunca se viu em seicentos para setecentos anos de existência, que vai contra a nossa Monarquia... nem todos esses séculos, que precederam o nosso, poderiam ver a sangue frio tão debocada e horrorosa violação do que há de mais sagrado e respeitável entre os Portugueses... Há certos livros manhosos, traçados com arte, onde o veneno se encobre de tal maneira, que chega a iludir os ais experimentados; porém neste reina desde o começo até ao fim a maior clareza e descobrimento de princípios, que assusta e faz tremer a própria ignorância.
Começando logo pela definição da lei natural se mostra, e bem às claras, todo o veneno que hão de propinar todos os capítulos da obrinha,que todavia se apura e sobe de ponto na explanação dos caracteres da lei natural, como se irá vendo das formais palavras do infame Catequista "Pergunta   Mas nenhuma outra lei é universal?; R. - Porque nenhuma convém, ou é aplicável a todos os povos da terra: todas são locais e acidentais, filhas das circunstãncias de lugares e de pessoas, de maneira que se tal homem ou tal acontecimento não tivessem existido, tal lei não existiria." (Cap. 2º).

Aqui vemos solenemente desmentido o - Prégai a toda a Criatura - e postos em cena os princípios filosóficos modernos, a que o adepto Montesquieu deu tanta voga quando sustentou que a admissão do Cristianismo era impraticável na China em razão dos costumes, hábitos, e climas, etc. etc. . Ora qualquer simples Cristão, ainda sem estudar Lógica e Teologia, e apenas escudado pelo seu Catecismo, tapará facilmente a boca a estes Filósofastros com uma só palavra. A este legislador, que manda prégar o Evangelho a toda a Criatura, não é nada impossível, pois ele é sempre infinitamente maior que todos estes obstáculos sejam da natureza, sejam dos hábitos, sejam dos climas.

Sobre o quarto caracter - "P. - Logo nenhuma outra lei é uniforme, e invariável?; R. - Não...".

E assim depõem a Lei Evangélica de ser universal, e de ser invariável; mas que brecha lhe podem fazer homens até quase depostos do ser humano, e cujo primor científico se reduz a nivelarem a espécie humana com os próprios jumentos, e com os próprios mus que carecem de inteligência!!!

Sobre o quinto carater - "P. - E as outras leis não são evidentes?; R. - Não; porque se fundam em factos passados e duvidosos, em testemunhos equívocos e suspeitos, e em provas inacessíveis aos sentidos.".

Aqui temos proclamado o Cepticismo, expostas à desconfiança as histórias mais autênticas do Universo, e compreendidos nesta sentença de morte os próprios milagres de Nosso Senhor Jesus Cristo!!!

"P. - E outra qualquer lei não é sempre racionável?; R. - Não, porque as outras contradizem algumas vezes a razão e o entendimento humano, e lhe impõem com tirania uma crença cega e impraticável.".

Eis que surde a razão humana, esta pobre, miserável, e acanhada em tudo que é sujeito ao seu alcance, já feita Soberana, e desde o alto da sua trípode, intimando em ar de Oráculo a destruição dos Mistérios, e de tudo o que pertence à Fé Católica. E saiu impressa tal obrinha neste Reino, e com licença dos Ilustríssimos Delegados de Manuel Fernandes Tomás!!!

Ainda não caiu uma nódoa semelhante sobre os nossos prelos, e sobre o conceito que as nações entrangeiras faziam da nossa Catolicidade! Não podemos jactar-nos de que perdemos tudo excepto a honra...

Se um dos interlocutores conclui em ar de pergunta no Capítulo 7.º "Logo o prazer não é um mal, um pecado, como pretendem os Casuístas?; R. - Não, o prazer só é um mal quando tende a destruir a vida e a saúde, que nos vêm do mesmo Deus, como concordam até os mesmos Casuístas."

Não será isto uma espécie de carta em branco para se atropelarem de contínuo as Leis Divinas e Humanas? Que porta mais franca se pode abrir ao Materialismo do que estabelecer a saúde como regra e norma dos prazeres, como se não houvesse uma substância que eles principalmente ofendem e arruínam? E para nos tirar as dúvidas sobre a legítima e verdadeira acepção daquelas palavras, não tarda o Perguntador em abrir caminho a outra resposta ainda mais decisiva e abominável... "P. - Mas a virtude e o vício não têm um objecto puramente espiritual, e abstracto dos sentidos?; R. - Não, é sempre a um objecto físico, que se refere em última análise, e este fim ou objecto é sempre destruir ou conservar o corpo.".

Que tal se prometia a Liberdade de Imprensa, quando nos seu cativeiro à constitucional era tão descomedia, e ousava romper nestes execráveis delírios?... E os bons Católicos deviam alegrar-se com a prometida Regeneração! E o Eminentíssimo Cardeal patriarca devia dormir a sono solto em cima da coberta do navio, cuja direcção lhe fôra confiada, ao mesmo tempo que uma recua de piratas lhe deitava fogo por todos os lados!!!

Voltemos ao Catecismo internal, que no artigo das virtudes é curioso, e como se excede a si próprio.

"P. - E devemos considerar a abstinência e o jejum como acções virtuosas?; R. - Sim, quando se cometu demasiadamente, porque então a abstinência e o jejum são remédios simplices e eficazes, mas quando o corpo tem necessidade de alimento, negar-lhe, e deixá-lo sofrer fomr ou sede, isto é delírio, e um verdadeiro pecado contra a lei natural."

Ora aqui temos a mortificação dos Penitentes da Nitria e da Tebaida olhada como se fosse um delírio! E o próprio Legislador dos Fiéis, e de todos os homens, incurso na mesma censura por ter chegado a experimentar fome no dilatado jejum de quarenta dias e quarenta noite!! Que sorte devia esperar o jejum da Quaresma depois de se lerem tais blasfémias!! Sim, tudo isto era aplanar caminho para a famosa Bula da Carne, em que brevemente falarei com extensão; porém os estouvadíssimos Pedreiros não escolheram boas posições, e enredaram-se de tal maneira, que na sua campanha aberta neste Reino para entronizarem o maçonisimo saíram uns perfeitos e acabados Joães de Las Vinhas...

Quando o Catequista se vê obrigado a falar (Cap. 5.º) nas abstinências ordenadas por vários legisladores, nem por isso há de mostrar-se mais propenso a admitir os fins da instituição do jejum. "Longas experiências (diz ele) tinham ensinado aos antigos que a Ciência Dietética fazia grande parte da Ciência Moral...".
Campa do Conde Volney
Nesta parte já tínhamos visto a Medicina Teológica, que de certo bebo na mesma fonte, de que se valeu o Catequista, ou em outras igualmente corrompidas, se bem que a tal doutrina já é muito velha, e eu a tenho lido em A A. que escreveram há duzentos anos, mas torna a aparecer mais bela e remoçada por ser grande fautora do Materialismo... isto é do erro mais dominante no séc. XIX. Por mais que vivêssemos neste Reino, é certo que ainda não tínhamos visto uma definição de Fé e de Esperança, qual se encontra no Capítulo 12: "P. - A lei natural considera como virtudes a Fé e a Esperança que se juntam à Caridade?; R. - Não, porque isto são ideias sem realidade, porque se delas resulta algum efeito é mais em proveito daquele que não tem estas ideias, do que daqueles que as têm; de maneira que a Fé e a Esperança podem chamar-se virtudes dos tolos em proveito dos velhacos.".

Basta. Que mais era necessário para sabermos que Constituição e regeneração eram os votos da impiedade em proveito dos Mações? Quem ensina tais princípios a um Reino Católico, por qual altte se poderá lavar da nódoa de Prégador do Altíssimo? Vendo-se o Catecismo alguns dias.... porque a Lisboa do Século 19 não é a Lisboa do Século 16.

Mas que culpa tem o Governo então Supremo de que saísse o Catecismo? Como há de refluir no Sistema Constitucional o defeito de um homem perdido, ou alienado?

Assim é; porém o tribunal da Censura por quem foi instituído? E não sabia ele que seus amos lhe não estranhariam a publicidade do Livrinho? E não vogaria ele por todo o Reino e suas Conquistas? Não faria ele todo o mal para que era destinado, se o Eminentíssimo Cardeal patriarca não se pusesse em campo, e não se afadigasse pela supressão do endiabrado Catecismo? E não foi este um dos crimes daquele impávido Atleta; que ficou em aberto para ser punido em melhores tempos? E não viram estes melhores tempos as Superstições descobertas, o Cidadão Lusitano, e o Retrato de Vénus? E para me retingir por ora ao meu assunto; não se imprimiram em Lisboa, e não se afixaram nas portas das Igrejas os anúncios de estarem à venda as Ruínas de Volney, cujo nome posto em letras maiúsculas para sinal de exultação, e de triunfo, consternou sobre maneira a piedade Cristã, reduzida então ao silêncio, e aos gemidos a furto na presença dos altares?

Serei claro; e se alguém é capaz de me desmentir, que me desminta. Foi a decantada Tese do Abade de Prades o primeiro botafogo da incredulidade na França, e o Catecismo de Volney o mesmo papel na chamada Regeneração Portuguesa. Deve soar esta verdade nos púlpitos, nas cadeiras, nas praças e até em cima dos telhados, para que os nossos concidadãos aprendam, e se desenganem, e por outra parte os cúmplices do maior dos atentados se confundam, se mordam de raiva, e percam de uma vez a sacrílega esperança de fazerem deste Reino uma sociedade de Ateus, ao que se endereçava a maior parte das suas medidas em assuntos religiosos, como irei mostrando nos números seguintes.

(continuação, II parte)

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