18/06/15

O PUNHAL DOS CORCUNDAS Nº 16 (III)

(continuação da II parte)

Os Mestres

Ninguém suspeita que a nossa Religião favorece a ignorância como sua aliada. A nossa Religião que desde o seu berço sustentou os mais renhidos combates com a sabedoria humana, e cantou a vitória sobre os Celsos, Porfírios, e Julianos, como há de temer o bando de petimetres, e de ignorantes, que têm querido mais insultá-la, e vilipendiá-la, que combatê-la nestes últimos tempos? Quer, e deseja ardentemente a nossa Religião, que seus filhos sejam, ainda mais que nas ciências humanas, instruídos na ciência dos Santos; nem a que acompanhou os Justinos, os Atenágoras, os Crisóstomos, e os Agostinhos, foi jamais exclusiva de toda a variedade de conhecimentos humanos, que fazem parte das coisas que Deus entregou à livre discussão dos Sábios. Tudo o mais que se divulga sobre esta matéria, como se a Religião Cristã fosse inimiga do crescimento das luzes, quando ela só é inimiga das trevas, e do que se gera e inculca no seio das trevas, procede ou de ignorância, ou de malícia, e importa que este aleive se desminta por todos os modos, que estiverem ao alcance dos sinceros amigos da sua Pátria, e se declare à face dos Ceus e da terra o que são os Mestres devassos de costumes, e seguidores de perversas doutrinas. E como se há de haver com seus discípulos um mestre que só considera nas tenras plantas, que lhe foram entregues, uma coisa bem pouco acima dos vegetais, que nasceu para viver e morrer, e que não deve ter esperanças de uma vida futura? E desgraçadamente há cópia de dais mestres no Reino de Portugal!!! Daqui vem, que no ensino da Filosofia racional e moral se omite por muitos Professores, como desnecessária, e supérflua a terceira parte da Metafísica, que trata de Deus, e nem uma só palavra se estuda dos últimos capítulos da Ética de Heinécio, que são os mais importantes, visto que se trata neles dos meios para se conseguir a felicidade. Tenho presenciado muitas vezes a decadência dos estudos, sem lhe poder acudir, nem dar remédio!!! Não pára aqui o arrojo de tais Mestres, que demais a mais inábeis e incipientes, nem os seus pecados são meramente de omissão, sobem de ponto os de comissão por certo mais agravantes, e mais escandalosos! Que há de fazer um pobre Discípulo, que escuta o seu mestre, como se fosse um oráculo, se este oráculo anuncia nas aulas menores os princípios de um refinado materialismo (é inizivel a astúcia com que os próprios mestres de Latim podem insinuar a seus ouvintes os mais errados e perversos documentos. Queixa-se um sábio escritor Francês (Mennais) de que os sobredictos Mestres são traduzirem a passagem de Virgílio Auri sacra fames, o faziam deste modo: Sacra fames, a fome Sacerdotal auri do ouro, e assim começavam de acender as primeiras faiscas do incêndio com que eles queriam abrasar a Igreja de Deus), e nas maiores, que é desnecessária a revelação, que o Catolicismo tem sido sempre o mantenedor, e a capa do despotismo, e que o Concílio Tridentino apertou as cadeias, que os Reis tinham lançado ao género humano; que este Concílio não foi ecuménico, que os Sacerdotes não carecem de jurisdição para confessarem, e absolverem validamente, que a doutrina vulgar das Indulgências é um tecido de erros, e de superstições, etc. etc.? Pois que diremos dos Sapientíssimos Lentes, e Professores infectos do maçonismo? E dos aspirantes ao Magistério, seduzidos com a esperança de suplantarem, e fazerem depor seus mestres, cujo maior erro tinha sido habilitar para o magistério estas crianças na ciência, e nos anos? Estamos para ver se ainda continuam a ensinar os Mestres conhecidamente Pedreiros Livres, que será este o final extremo... e se as providências tomadas sobre o exame do liberalismo dos mestres se reduzem a simples formulário, e temos justiça de compadres, sairá brevemente do exercício das aulas uma nova geração, quase toda Maçónica, e por conseguinte desafeiçoadíssima ao Trono, e inimiga do Altar...


Para que os meus Leitores não fiquem assentando que eu sou exagerado nos meus receios, devem saber que em algumas casas de educação já se ia abolindo de facto o Sacramento da Penitência, e que era necessário aos alunos, que ainda professavam o Catolicismo, saírem como a furto, ou darem outros pretextos da saída; e eu mesmo encontrei alguns nestas louváveis empresas, durante os poucos dias de Junho, que residi na Capital do Reino; e era voz constante que nesta última Quaresma, e já na antecedente ficaram por desobrigar muitos alunos, porque não só os não mandavam, mas até os arguiam de que se quisessem confessar. Notei igualmente que o Método de Lencaster, ou Ensino mútuo, que se plantou modernamente em Lisboa, ainda prossegue, e com aplauso; o que me fez pensar que talvez ainda se ignore neste Reino que ele já foi proibido em muitos lugares, onde reina o Catolicismo, e tem contra si alguns dos mais abalisados, e religiosos escritores do nosso tempo. Oxalá que os Portugueses, e nomeadamente os Pais de Família se resolvam de uma vez a abrir os olhos, e se convençam de que uma barquinha lançada a um mar tormentoso, sem direcção, e sem leme, forçosamente há de padecer naufrágio. Que importa que seus filhos sejam umas águias, que adornem os seu espírito de muitos e variados conhecimentos, se é quase inevitável perderem as almas!!! Que tesouros, e dignidades podem ressarcir os mancebos de tão lastimosa perda!!! Carecemos de uma inteira reforma de estudos em Mestres, e em Livros, e já é tempo de seguirmos o exemplo da Áustria, e Nápoles, e do Piemonte; e se estes reinos se antolharem a certos Leitores, como possuídos de fanatismo, dignem-se ao menos de imitarem Frederico II Rei da Prússia, e Catarina II da Rússia, que sendo o primeiro Ateu, e a segunda Cismática, não temeram confiar a Frades Católicos a direcção dos estudos da mocidade de seus reinos. 

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LISBOA: NA IMPRESSÃO RÉGIA. 1823

Com licença da Real Comissão de Censura

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