11/08/15

FR. FORTUNATO DE S. BOAVENTURA RESPONDE A JOÃO RIBEIRO (II)

(continuação da I parte)

refeitório do Mosteiro de Alcobaça

IV

Afirma positivamente o meu Censor (pag. 5) que reconhece à Doação da Herdade de Alcobaça na era de 1191, e que só nega, que precedesse aquele Voto, que precedeu à tomada de Santarém, tal qual o refere Brito, e outros. O meu Censor a pag. 60 da sua Dissertação segunda, que foi impressa de ordem da Academia Real das Ciências em 1810, explicou-se desta maneira: "Toda a História das Ciências daquele Voto (de que não há vestígios na Carta genuína do Couto de Alcobaça) para não merecer crédito algum, prescindindo mesmo das sólidas razões, que já indiquei, e se expendem pelo A. do Elucidário da Língua P. tomo I, pág. 76, bastaria figurar principalmente nela Pedro Afonso etc.. Ora sendo certo, que no Arquivo do Mosteiro de Alcobaça há duas Cartas de Couto de Alcobaça, feitas no mesmo século, e dadas pelo mesmo Soberano, o Senhor D. Afonso Henriques, não se requer muita agudeza para se concluir, que o meu Censor tem uma destas por apócrifa, e agora é que sei positivamente que se trata da segunda, e não da primeira; e como esta se endereçou a um Prelado estrangeiro, e por outra parte nos consta a verdadeira razão, por que o Senhor D. Afonso Henriques obrou desta maneira, para que havemos de rejeitá-la? Fernão Lopes, e Cristóvão Rodrigues de Azinheiro valeram-se das antigas Crónicas; e com que direito havemos de receber a sua autoridade em um sem número de factos históricos, que nunca se provam por documentos, e sermos tão escrupulosos no que é relativo às proeminências do Mosteiro de Alcobaça? Também há tradições históricas mui respeitáveis, e se as quisermos abafar, e lançar por terra, só fundados em que não há documentos coevos, que as verifiquem, então abre-se uma porta franca ao ceptissimos histórico, e nada haverá firme em leais assuntos. Suponhamos que as antigas Crónicas, de que usou Fernão Lopes, tivessem cem anos de antiguidade, e que fossem composta no séc. XIV, e vinham por esta contra a distar bons duzentos anos da tomada de Santarém, assim mesmo terei para mim que são dignas de crédito em tudo aquilo, que não for contrário por documentos; e para ver que a maior parte das nossas verdades históricas se firmam em provas como esta, eu darei por exemplo a verdadeira época da tomada de Coimbra por D. Fernando magno. Não desdenho o meu Censor a autoridade das Crónicas, ou Cronicões; por quanto a pág. 4, e seguintes da primeira Dissertação já citada, produz o Conimbricense, ou o Livro da Noa, o Lamecense, e outros: deste último confessa ele, que fôra escrito no séc. XIII, e por tanto já em caminho, e pode ser que bem adiantado, para o séc. XIV: logo aqui temos distância considerável do ano de 1064, e não há só desta vez que ele se prevalece da autoridade dos três Cronicões, apesar de que um simples exame mui posteriormente aos factos, que precederam a erecção da Monarquia Portuguesa. Não me foge a opinião do eruditíssimo P. Flores, e de outros, que dão estes mais antigos, no que fazem por vingar-lhes o préstimo, e autoridade, e porque não direi outro tanto dos Cronicões, antigos, de que certamente se valeram os Lopes, e Azuraras? Enfim a Doação feita a um Prelado estrangeiro é coisa muito notável, para que não se lhe indaguem cuidadosamente os verdadeiros motivos; dão os nosso Historiadores este motivo, e posto que o não receberemos, e admitiremos como verdadeiro? mas porque arte a segunda Doação, versando-se sobre o mesmo ponto, nem sequer nos dá uns longes da existência da primeira? Porque à primeira, vistas as sempre fixas, e dominantes ideias dos Portugueses, que sempre fugirão até das mínimas sombras da sujeição a estrangeiros, e que só fôra concedida por motivos extraordinários, devia reformar-se por morte do glorioso S. Bernardo; e o silêncio, que tanto se estranha na Doação, é no meu entender mais um indício das nobres ideias, que vogavam naqueles ditosos, e para mim saudosíssimos tempos. Se o meu Censor quisesse olhar desapaixonadamente para a primeira Doação acharia naquelas palavras da genuína Doação Cautum Facimus vobis D. Bernardo Claravallensis Caenobii Abbati, et fratribus vestris, alguma coisa digna de especial consideração. Se o Senhor D. Afonso Henriques tratasse meramente de fundar um Mosteiro do Instituto de Cister, já tinha dentro do seu Reino mais de um Mosteiro do próprio Instituto, e o que é mais, e que não se trave a negar o Autor o Elucidário na pág. 77, tinha Monges Claravalenses, que por tais se qualificam na Doação de Podentes ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra; e se oferece a um Prelado estrangeiro a sua própria herdade, é porque alguma razão poderosíssima o determinou a este passo de tanta Religião, como generosidade própria de um tal Soberano. Fica para outro lugar a mui azeda, porém assaz merecida resposta, que deverá o audacíssimo Viterbo, que já principiei a combater, e que dará mui larga matéria a diversos Capítulos da minha História das fundações dos Mosteiros Cistercienses neste Reino, e nomeadamente a um, que tratará daquela palavra herdade, em que o sobredito Viterbo nimie indulsit genio suo; e por agora (visto que não quero se prolixo) notarei de passagem, que o Mosteiro de Alcobaça, conforme os antigos Cat. dos Abades, em 1650 já contava mais de quatrocentos anos, foi fundado em 1148, e como desde este ano até 1153, data da primeira Doação, os Monges não estiveram ociosos, por isso já neste último ano havia mais terreno cultivado, a que os Reis de Portugal costumaram sempre chamar seu, até depois de todas as solenidades, que ali se encontram naquela Doação.

V

A série dos adversários do Cronista Mor Fr. Bernardo de Brito, com que o meu Censor pretendeu atemorizar-me, não opus eu senão dois modernos, que me pareceram bastantes para se desfazer a impressão, que a lista do meu Censor causasse nos menos versados na nossa História Literária. Eu tinha feito um paralelo entre o doutíssimo António Ribeiro dos Santos, e o Cónego Regrante D. António da Visitação Freire, pois disputam, ou, para melhor dizer, tentaram um ponto, em que o primeiro seguiu a opinião de Fr. Bernardo de Brito, que o segundo impugnava; decidiu-se a vitória por António Ribeiro dos Santos (que não foi esta das mais gloriosas, que alcançou durante a sua vida), e por isso eu produzi a sua autoridade com tanta maior confiança, quanto esta certo, que António Ribeiro dos Santos vindicou a existência da Obra de Zacuto, que passava constantemente por ficção do Cronista Mor. Agora sou eu confrontado com o Pe. Freire, assim como António Ribeiro dos Santos o é com o extravagante, e paradoxista Padre Harduino! pela minha parte só direi, que cedo gostosamente as palmas do triunfo ao meu contendor, que tanto se recomendou à posterioridade pela sua descomedida sátira à pessoa, e obras daquele Cronista Mor. Ambos temos seguido uma estrada totalmente diversa; se ele caminhava para o norte, eu caminhava para o sul, se para o oriente, eu para o ocidente, e por isso nunca deveremos entrar em paralelo. Eu não sei escrever História Filosóficas, ou Romances, nunca saberia dizer, por exemplo, que Fr. Bernardo de Brito, que na data das Côrtes de Tomar contaria dez para onze anos, foi traidor à Sereníssima Casa de Bragança por ter feito versos ao Monarca Espanhol Filipe o Prudente, e menos saberia afirmar, que o Cronista, auxiliado do Pe. Roman de la Higuera, supusera, e fingira os próprios livros, que cobertos de pó jaziam há séculos na famosa Biblioteca Mediolanense... Frei Bernardo de Brito, o Português castiço, como lhe chama, e com assaz razão, o meu Censor, o primeiro, que levantou à sua Pátria o gloriosíssimo Padrão de uma História geral, o que resistiu mais de uma vez a escrever as suas Obras em Castelhano, querendo antes ser menos lido, e admirado, que parecer menos Português do que realmente era; um Varão insigne, e a todas as luzes respeitável, que mereceria, e teria estátuas em Roma, e Atenas.... é arguido de traidor à Real Casa de Bragança, e é arguido pelos meus contemporâneos, como se estes fossem os verdadeiros tipos da lealdade Portuguesa!! Se não fosse agora o parce vivis alque sepultis, que vasto campo se abria ao meu estilo declamatório?

(continuação, III parte)

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