21/08/15

IMITAÇÃO DE CRISTO - Thomas de Kempis (XCVI)

(continuação da XCV parte)

A IMITAÇÃO DE CRISTO

Thomas de Kempis

IV Livro
O Augustíssimo Sacramento do Altar


Cap. X
Não se Deve Deixar a Sagrada Comunhão Sem Causa Legítima

1. Cristo – Deves recorrer muitas vezes a mim, que sou a fonte da graça e da misericórdia, a origem da bondade e da pureza das almas, para que possas curar-te de todas as paixões e vícios e venhas a ser mais forte contra as tentações e artifícios do demónio.
O inimigo, sabendo o grande fruto que se tira da santa comunhão e que ela é grandíssimo remédio contra as enfermidades interiores, emprega todas as forças para apartar dela todas as almas fiéis e devotas.

2. Eis porque alguns padecem maiores tentações do demónio, quando se dispõem a receber a sagrada comunhão. Esse espírito de malícia, segundo Job, acha-se entre os filhos de Deus, para os perturbar por sua ordinária malignidade, fazendo-os excessivamente tímidos, ou escrupulosos, para assim esfriar a sua piedade, tirar-lhes o sentimento da fé, a fim de que deixem totalmente a comunhão, ou cheguem a ela com tibieza. Mas o remédio para este mal é não estar atento a tais artifícios e fantasias que o inimigo representa, por mais ignominiosas e horríveis que sejam. Pelo contrário, todas essas abominações devem ser rechaçadas e devolvidas ao inimigo.
É necessário desprezar esse espírito infeliz e escarnecer dele e, ainda que ele excite na alma argumentos e imagens perturbadores, não se deve, sob nenhum pretexto, deixar a sagrada comunhão.

3. Algumas vezes, também, nos apartamos da comunhão, pelo demasiado desejo de uma maior fervor, ou por certa inquietação ou dúvida que nos ficou da confissão. Segue, em tais casos, o conselho dos sábios; desterra de ti as inquietações e os vãos escrúpulos, porque tudo isto é um obstáculo à graça e destrói a sólida piedade da alma. Não deixes de comungar por motivo de qualquer atribulação. Vai logo confessar-te, se estás em pecado; perdoa aos outros as ofensas que deles porventura tiveres recebido. Se ofendeste a alguém, pede-lhe humildemente perdão; e Deus te perdoará os teus defeitos.

4. De que aproveita dilatar por muito tempo a confissão e proceder do mesmo modo quando à comunhão? Purifica, urgentemente, a tua alma; vomita, a toda a pressa, o veneno da culpa; recebe o remédio saudável e achar-te-ás melhor do que se adiares indeterminadamente o seu uso. Se hoje deixares de comungar por uma razão, amanhã deixarás por outra talvez maior. Assim, irás, protelando e cada vez te acharás menos hábil para receber a sagrada eucaristia. Tira-te, o mais breve possível, dessa tibieza, porque de nada aproveita viver tanto tempo na ansiedade e na perturbação pelos obstáculos que todos os dias te serão opostos à participação deste divino sacramento.
É muito nocivo dilatar a comunhão por largo tempo, pois que esta demora ocasiona, de ordinário, na alma, grave frouxidão. Quão doloroso é considerar que existem pessoas tão tíbias, que raras vezes se confessam e vão adiando sempre as suas comunhões por não se verem obrigadas e viver com mais cuidado na guarda da sua alma!

5. Quão pouco é o amor e a devoção dessas pessoas, que tão facilmente se dispensam da santa comunhão! Pelo contrário, quão feliz e agradável a Deus é aquele que viver de tal modo, com tal pureza de consciência, que se acha disposto para comungar todos os dias, se lhe fora permitido, e o pudesse fazer sem nota de parecer afectado ou singular!
Aquele, porém, que algumas vezes, deixa de comungar, por humildade, ou por alguma causa legítima que o impede, é digno de louvor pelo respeito que consagra a este santo mistério. Mas se se sente cair, pouco a pouco, na tibieza, deve despertar a si mesmo e fazer o que, de sua parte, lhe compete; e o senhor o socorrerá no seu desejo, atendendo a sua boa bondade, que é o que ele especialmente considera.

6. Quando estiver legitimamente impedido de comungar, deve, ao menos fazê-lo em espírito, por um desejo interior e uma santa intenção, caso em que não deixará de receber o fruto deste sacramento.
Todo o homem que tem uma piedade, sincera, pode comungar espiritualmente, cada dia e cada hora, sem que nada ou alguém o embarace, colhendo todos os frutos do divino mistério. Deve, contudo, pelo menos em determinados dias e determinados tempos, receber sacramentalmente o corpo do seu Salvador, com um afecto cheio de respeito, e procurar, nesta acção tão santa, mais a glória de Deus, do que a própria consolação. A alma comunga misticamente, recebendo, de modo invisível, verdadeiro alimento, todas as vezes quantas medita, piedosamente, nos mistérios da encarnação e da paixão do Redentor, e se abrasa no seu amor.

7. Quem não se dispõe para comungar senão por ocasião de alguma festa, ou porque o costume o obriga, a maior parte das vezes não estará preparado. Feliz aquele que se oferece ao Senhor em holocausto todas as vezes que celebra ou comunga!
Não sejas muito demorado nem muito apressado na celebração da santa missa. Conforma-te com o uso ordinário e regular daqueles com quem vives.
Não deves ser molesto aos outros nem causar enfado, mas ir pelo caminho comum que seguiram teus maiores, atendendo mais ao aproveitamento alheio do que à tua inclinação ou devoção particular.

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