01/09/15

VOCABULÁRIO DEMOCRÁTICO Nº3 (I)

(anteriormente, o Vocabulário Democrático Nº2)

NOVO VOCABULÁRIO
FILOSÓFICO-DEMOCRÁTICO


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N.° 3
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Cum desolationem faciunt, Pacem appellant.
(Tacito)

*É tão fera a perfídia
De hum cruel, e vil Mação,
Que a paz nos apregoa
Quando faz a desolação. D. Tr
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Vocábulos, que mudaram de sentido, de significação, e de ideia.


FILOSOFIA – Esta antiga, grave, e majestosa Matrona tem sido despojada de seu Trono por certos sofistas ignorantes, que querem cobrir-se com a capa de Filósofos, e tem posto em seu docel um fantasma, a quem se não pode dar outro nome que o de deleitável delírio. A moderna Lógica está reduzida a saber amontoar vagos, aéreos, e falsos raciocínios sobre absurdos, e falsos fundamentos. Daqui tem emanado uma Física estrambótica e delirante, e uma Metafisica, ou Matafísica, que magistralmente conduz a razão ao precipício, e despenhadeiro. A Filosofia moderna é respectivamente à antiga, nem mais nem menos, o que são os livros cavalheirescos respectivamente à verdadeira Historia. Esta, firmando seu pé sobre sucessos [acontecimentos] contestados por todos os séculos e nações, procede com semblante varonil e majestoso a instruir os entendimentos, prescrevendo ao deleite os limites estreitos da natureza e da verdade. Pelo contrario: os Romances cheios de gigantes, ninfas, encantadores, e outras personagens absurdas, somente podem divertir, e deleitar com as suas extravagancias, e loucuras aos petimetres tafues, que nem um grão de sal tem nos miolos. A Filosofia moderna não tem querido sofrer os limites estreitos da verdade, que a impediam de deleitar com engenhosas extravagancias; mas sim, à semelhança de uma desvanecida petimétra, abandonou os princípios sólidos, e foi buscar nas suposições falsas absurdas hipóteses, e invenções gratuitas convertidas em axiomas; e aos eternos princípios substituiu os Cavaleiros andantes, os encantadores, e outros imaginários heróis, para folgar a seu belprazer em os espaçosos campos do Sonho, e do Delírio. Que proposição mais justa, e razoável, que a de quem formou o Sol, e o Cometa, e dirigiu seu curso, formou também os Planetas, e regulou seu movimento? Se o Sr. Buffon houvesse admitido este princípio indisputável, teria raciocinado como Filosofo, ainda que singelo, e chão, porem justo, e coerente. Porém se ele assim houvesse feito, como nos haviam estar a estas horas servindo para o mais ridículo uso tantos volumes de novelas, atestados de delírios maravilhosos, de épocas fictícias, e cálculos agudíssimos à cerca da lã de cabra? Para deleitar com tonteiras engenhosas, era necessário sonhar um ridículo choque entre o Sol e um Cometa, e substitui-lo ao evidente poder do Criador do Sol, e do Cometa. (O amor à verdade, e a honra deste homem, que seguramente foi doutor, nos obrigam a advertir, que antes de morrer se retratou destas extravagâncias. Sua conversão para a razão manchou muito seu nome no pensar dos Filósofos, que nunca a reconhecem, senão quando se trata de abusar dela.) Ainda mais: O diluvio universal funda-se sobre a historia, monumentos, e tradição: a razão demonstra seus efeitos incalculáveis. Porque, quem é capaz de calcular o que há podido produzir não só a detenção da agua sobre a terra, mas um primeiro ímpeto quiçá produzido por um vulcão marítimo?! Quem ajustar a subsequente quietação da agua, e por necessidade o que deveria apertar-se a terra? Quem os novos transtornos ao juntar-se as aguas impelidas pelos ventos, e as enormes massas e terríveis ruínas ao retirar-se? Quem finalmente as demoras ao unir-se a terra em sua dissecação?! A Filosofia moderna substitui à história, e à tradição universal suas gratuitas invenções, fundadas somente em sua bizarra e louca fantasia. Ela calcula os mais incalculáveis efeitos: põe, tira, e até prescreve ás aguas diluvianas que ponham a terra onde estava o mar, e o mar onde estava a terra. Em vez de argumentar da natureza do diluvio pelos seus efeitos, e pelos monumentos, que dele hão ficado, determina sua natureza ainda antes de ver estes; e se depois se acha com o gato ás barbas, de que os efeitos não se ajustam com a natureza, que ela há sonhado, rompe por entre as dificuldades sem nada lhe importar, e, ou nega a pés juntos o diluvio, ou se atira por essas tribos de Israel a imaginar mil causas, qual delas mais disparatada, para embaçar-nos com cataclismos, vulcões, aluviões, terremotos imaginários, e com quanto pode sonha a fantasia mais deslocada, sem atilho nem freio da razão. Pois se chega a ferrar-se em um pequeníssimo e casual acontecimento? Não há quem a saque dali. Uma só ilhota, que desponte em o mar por causa de algum terremoto ou explosão vulcânica, basta para formar os mais amplos delírios atlânticos, e para fazer aparecer, e desaparecer parte inteiras do globo, e que não fique pais sobre a terra, que não haja sido por estes delirantes vulcanizado, electrizado, e posto de pernas ao ar com imaginários terremotos, inundações, fogos subterrâneos, e estremecimentos, até que lhes dá na vontade de pôr tudo em quietação, e compo-lo a seu modo.

Mas delire a Filosofia quanto lhe agrade: espalhe a sua satisfação suas inépcias: divirta-se, e divirta a quantos podem divertir-se com disparates. Um Escritor de Romances (a não ser louco) não pretende que o Público tenha por verdades suas novelas extravagantes, e sucessos fabulosos; só se contenta com que admirem a fecundidade de sua fantasia, o gracioso de seu estilo, e que hajam podido girar em seu cérebro tantas extravagancias. E em quanto a mim, à fé de homem de bem, não tenho a menor dúvida em que conceder outro tanto à Filosofia. Mas o cruel dano consiste, em que não fazendo ela outra cousa senão delirar, e disparatar, e empregando o resto de seus esforços em achar contradições e absurdos nas verdades mais inconcussas, quer depois disto (com uma altivez que só é própria de doidos) que só em seus delírios absurdos se encerre a verdade!

(continuação, II parte)

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