16/10/15

OS NOTÁVEIS DESACATOS OCORRIDOS EM PORTUGAL (VII)

(continuação da VI parte)


Vem cá, ímpio, se é que me escutas, eu te ofereço combate, diz-me, qual é o carácter de que te revestes? És Judeu? certamente; ainda que oculto e disfarçado. Pois se como Judeu me perguntas: como pode Jesus Cristo dar-nos a sua Carne para comer, e o seu Sangue para beber? Quommodo postest hic dare carnem suam ad manducandum? Pode; porque quem pôde criar o Céu, e a Terra com uma única palavra, o homem de um pouco de barro, e obrar tantas, e tão extraordinárias maravilhas, seladas com a autoridade Divina podia converter o Pão e o Vinho na substância do seu Corpo, e do seu Sangue!

És Herege? certamente, porque abraças os erros de todos os Hereges, em todos os séculos, e em todas as idades; e se como Herege abraças o Evangelho, vê, contempla, medita nas terminates, e claríssimas expressões do Divino Salvador, na Instituição do Adorável Sacramento. Toma o pão, abençoa-o, e diz: Este é o meu Corpo. Hoc est Corpus meum; e da mesma sorte o vinho: Este é o meu Sangue. Hic est Sanguis meus. Não disse, como querem os Luteranos, e Calvinistas: Este Pão é a imagem, e a figura do meu Corpo, e do meu Sangue; mas disse, e declarou aquilo que não tinha feito na instituição dos outros Sacramentos; esta comida é a verdadeira e real substância do meu Corpo, e esta bebida o meu verdadeiro Sangue: Caro mea vere est cibus, et sanguis vere este potus, e para nos tirar toda a dúvida, ainda acrescenta: e este mesmo Corpo, que aqui fica debaixo das espécies de Pão, é aquele mesmo que há de ser entregue aos meus inimigos para vos salvar. Hoc Corpus, quod pro vobis tradetur.

És Filósofo ímpio? então contigo não quero argumentar; eu te voto ao desprezo do género humano; porque o teu sistema é uma mescla de todas as Seitas, um agregado de todas as impiedades, um ódio desenfreado sobre tudo que é sagrado. Eu, assim como todos os verdadeiros crentes, adoramos, protestamos adorar a Real Presença de Jesus Cristo no Augusto Sacramento dos nossos Altares; é verdade que a minha razão fraca e limitada não pode compreender a grandeza deste Mistério, nem os meus sentidos ali encontram senão as espécies de pão; mas a minha Fé me ordena que adore, que acredite a Real Presença de Jesus Cristo no Augusto Sacramento dos nossos Altares; ainda que a minha razão o não compreenda, e os meus olhos o não vejam; quod non capis, quod non vides animosa firmat Fides.

Que triunfo pois, C. O., ainda que aparente para os ímpios e filósofos do século, e fundado somente no testemunho dos sentidos, a sacrílega profanação, que se tem feito do Santuário, e do que nele se contém de mais Divino! Com que insultantes risos ouviriam eles a lastimosa história das profanações, e desacatos, cometidos na Igreja de S. Pedro da Queimadela (acontecido na noite de 22 para 23 de Janeiro), na Capela de N. S. da Lapa, da Cidade de Braga (acontecido durante o dia 7 de Março), e noutras partes do nosso Reino? Que mofa, que escárnio fariam da nossa Fé? Com que indiferença, ou sacrílego prazer, ouviram eles, que fôra espargido pelo pavimento do Santuário o Pão do Céu, que foram roubados os Vasos com as sagradas Fórmulas, e o Divino e Augusto Sacramento sacrílega e injuriosamente tratado? Com que ufania diriam eles talvez, e desvanecimento: eis aí o Deus, que os Cristãos reconhecem nos seus Templos: vêde como é falsa a sua crença: alimentam-se de fábulas e quimeras, adoram um Deus encoberto em fracos acidentes de pão; um Deus, que não veem, nem sentem por modo algum - Dicant in gentibus ubi est Deus eorum?

Não, ímpios Filósofos, incrédulos dos nossos dias, não canteis a victoria; já vos disse que esse triunfo é aparente, e momentâneo; debalde cevais a vossa cólera contra a Religião, conspirando-vos por toda a parte contra o Mistério mais pomposo, e brilhante da nossa crença, vós injuriais e incultuais um Deus, que é infinitamente superior a toda a vossa raiva; J. C. sofre-vos porque muito quer, mas ele reserva para a eternidade (que vós não quereis reconhecer) a sua justa vingança.

Os Judeus puderam tirar-lhe a inocente vida sobre uma Cruz; mas gloriaram-se por curtos instantes: os mesmos que o guardavam no frio túmulo, o viram surgir glorioso. Dali saiu a propagar-se os Cristianismo, que eles queriam sufocar logo no berço; e Jerusalém Deicida, arrasada, e para sempre destruída, reduzida a um montão de cinzas; e as suas Tribos dispersas pela face da terra, tidas em opróbrio, e abominação de todo o mundo, pagam bem caro o maligno prazer, que tiveram de o cobrir de opróbrios, e matar na Cruz. O Gentilismo pôs-se logo em campo para combater o Crucificado, e os seus Discípulos: as cavernas da terra lhe serviram de Santuários, o sangue dos defensores da Religião correu em abundância, toda a espécie de martírio se pôs em uso, para suspender a sua propagação: o mesmo Pão Celeste, nestes tempos de perseguição, teve ultrajes a sofrer da parte dos Tiranos, e ainda mais dos diferentes Hereges, que no progresso dos séculos excitara o Inferno; sobre tudo os Valdenses, e Albigenses: o mesmo fogo e água, a que muitas vezes era lançado, sempre o respeitou: e no meio da pertinaz guerra, que a Heresia, o erro, ou a impiedade lhe tem sempre suscitado, a verdade triunfa, a Fé, neste mesmo artigo, se propaga; se perde em um canto da terra, ganha e adquire em outro: e pela própria experiência, bem apesar vosso, deveis conhecer, ó impios, que toda a força, e guerra da Filosofia nada pode contra as obras de um Deus, e contra a Religião, que é obra sua.

Consolai-vos pois, fiéis discípulos de Jesus Cristo; nem a vossa Fé vacila, nem a impiedade triunfa: se ela se desvanece destes insultos, se com eles intenta destruir em nós a nossa crença, engana-se; a impiedade só triunfa por momentos, e a Religião de J. C. há de prevalecer contra os seus esforços, porque a palavra de Deus não falta. Portae inferi non proevalebunt adversus eam.

Recolhei pois, C. O., dentro de vossos corações as consolantes verdades, com que acabo de instruir-vos, e que devem destruir os escândalos, que destas terríveis e sacrílegas profanações podem resultar; ou fazendo diminuir e vacilar a vossa Fé, ou dando ocasião ao suposto triunfo da impiedade. para obstar a estes escândalos, e desagravar a Divina majestade ofendida com tão nefandos e horrosos desacatos, redobrai a perpétua adesão à vossa Fé, e à nossa sagrada Religião Católica. O Senhor quis servir-se desses malvados, que o insultaram, para vingar-se dos nossos crimes; tolerou, sofreu por esta ocasião gravíssimos insultos, mas nós vimos a ser pelo menos uma causa indirecta dos mesmos ultrajes, que lhe fizeram.

Não peçamos a Deus que castigue os malvados, porque isso pertence à sua impreterível Justiça; mas devemos satisfazer a Deus por eles, e rogar-lhes que perdoe tanta maldade. As lágrimas, o jejum, e o exercício das boas obras seja a nossa principal ocupação; tanto vos pede a glória de J. C. injuriada naquele Augusto Sacramento.

Se o Povo de Israel, à vista das profanações cometidas por Antíoco, e seu exército, vendo o Altar profanado, as portas queimadas, rasgaram seus vestidos, derramaram lágrimas, gritaram até o Céu, cobriram-se de pó, e cinza; sciderunt vestimenta sua, planxerunt planctu magno, et imposuerunt cinerem super caput suum; com quanta maior razão o Povo Cristão, à vista dos horrores perpetrados por homens, que se dizem filhos do Cristianismo, dentro do Santuário da Nova Igreja, deverá dar-se a todos os sinais de uma santa e verdadeira dor, e de uma sincera penitência, para reparar do possível modo os ultrajes feitos a Jesus Cristo, por tantos malvados?

Seja pois este o fruto das minhas palavras neste dia, que vós consagrais à espiação e desagravo do Santíssimo Sacramento. Não nos contentemos de lamentar no segredo dos nossos peitos as sacrílegas profanações dos Lugares Santos, e desacatos, cometidos contra J. C. na sua Real Presença naquele Augusto Sacramento. O desagravo deve igualar a gravidade da ofensa, praticando actos diametralmente oposto àqueles, que na perpetração destes insultos deixaram ver os ímpios e malvados agressores, que os cometeram. A impiedade, e falta de Fé nos malvados, eis. aqui o fatal princípio dos seus insultos: uma Fé bem pura e firme nesse Divino Sacramento; eis aqui um dos meios, com que devemos desagravar a J. C. ultrajado.

Procuremos, Fiéis de J. C., opor um muro de bronze à torrente da impiedade e Filosofia do século, que por toda a parte se conspira contra a Religião, e sobre tudo contra o Augustíssimo Sacramento da Eucaristia, por isso mesmo que é de todos os mais sublime Sacrifício, e a mais digna honra, que Deus pode receber do homem. Vê o demónio por toda a parte os altares do erro caídos por terra; e por toda a parte levantados os Altares, onde J. C. se oferece debaixo das Espécies Eucarísticas: empenha por isso todos os seus esforços para os destruir; suscita os Hereges, os Infiéis, e até os mesmos Cristãos degenerados, para arruinar nossos Altares, roubar os sagrados Vasos, vilipendiar, ultrajar, e sacrilegamente tratar o Divino Sacramento, e o mais Augusto da nossa Religião.

A nós, Cristãos, pertence expiar os crimes que se cometeram, tratando daqui por diante o Templo com mais respeito; adorando o Santíssimo Sacramento daquele modo que exige a Real Presença de J. C. ali existente, e purificando nossas consciências, antes de nos prostrar diante da sagrada mesa para receber a J. C. em nosso peito.

Prostremo-nos ante o Trono da sua Misericórdia, choremos ainda mais nossas iniquidades, como causa de tantos crimes, do que os mesmos agressores, que os perpetraram.

Meu Deus, gentes malvadas poluíram, e profanaram o vosso Templo sagrado. Venerunt gentes poluerunt Templum sanctum tuum. Nós, os verdadeiros Portugueses, somos o opróbrio, e escárnio dos ímpios, dos libertinos, e dos vossos inimigos, que por toda a parte nos insultam, e nos perseguem. Subsannatio, et illusio his, qui in circuitu nostro sunt. Até quando, Senhor, exercitareis contra nós a vossa ira! Exercitai-a, empregai-a nesses que vos não conhecem, e ultrajam. Effunde iram tuam, in gentes, quae te non noverunt. Eles profanaram o vosso Templo, e desacataram a vossa Divina Pessoa. Comederunt Jacob, et locum ejus desolaverunt. Castigai, Senhor, os vossos inimigos, até pela glória do vosso Nome, para que eles não digam com desvanecimento "Aonde está, Católicos, o vosso Deus, do qual tanto escarnecemos? Ne sorte dicant in gentibus; ubi est Deus erorum?". Nós somos o vosso Povo escolhido, nós vos adoramos, e protestamos adorar nesse Augusto Sacramento por todos os séculos sem fim. Amen."

FIM

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