24/10/15

VOCABULÁRIO DEMOCRÁTICO Nº4 (I)

(anteriormente, o Vocabulário Democrático Nº3)

NOVO VOCABULÁRIO
FILOSÓFICO-DEMOCRÁTICO


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N.° 4
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Cum desolationem faciunt, Pacem appellant.
(Tacito)

*É tão fera a perfídia
De hum cruel, e vil Mação,
Que a paz nos apregoa
Quando faz a desolação. D. Tr
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Vocábulos, que mudaram de sentido, de significação, e de ideia.


NATUREZA – Esta é a principal Divindade da Filosofia moderna, e a que, segundo os Filósofos, tudo produz, tudo dirige, e tudo conserva. Este é um dos Vocábulos, que sempre ficará inexplicável em o moderno sentido filosófico. E se não, apostamos em que nenhum Filosofo se empenha jamais em explica-lo?! Para ele, natureza, e nada devem ser uma, e a mesma cousa.

Segundo a antiga inteligência, natureza é uma ideia abstracta, quer dizer, que nem tem, nem pode ter substancia, nem existência, quer dizer, que nem tem, nem pode ter substancia, nem existência, corpo, nem espírito. Pode tomar-se em dois sentidos: um, para explicar a universalidade, ou coleção dos seres criados. Outro, para denotar as qualidades, e propriedades particulares de um ser, como quando se do fogo, que por natureza alumia, e aquece. Em qualquer dos sentidos é uma ideia abstracta, que não tem mais existência, que a dos entes, em que está; os quais existem como dantes, e não como natureza. Isto suposto, não é um disparate completo personisar uma cousa, que por modo algum tem existência própria, e atribui-lhe operações, acções, e até uma inteligência previdente, como faz a moderna Filosofia? E dizer, e publicar em letra redonda, que a natureza há formado tudo, e tudo conserva, não é o mesmo que assegurar, que o bosque é quem formou as árvores, e quem as sustenta e conserva? Que outra coisa é o arvoredo, ou o bosque, senão uma ideia formada da multidão das árvores unidas e existentes? E não é necessário ser louco rematado para sustentar, que a ideia formada da existência das árvores é quem as produziu? Não são, ao contrário, as árvores, que dão a ideia do bosque? Como pois há de ser ela quem haja produzido as árvores? Não envolve menos absurdo o dizer que a natureza é quem deu ao fogo a propriedade, e a qualidade do calor e luz. Isto é o mesmo, que se disséramos: a qualidade, a propriedade do fogo deram ao fogo sua qualidade, e propriedade. E não é esta linguagem anda pior, que esta outra: é a razão da sem razão?! Logo: ou digam-nos abertamente os Filósofos, que é o que entendem por natureza, ou não levem a mal, que os declaremos por loucos, quando personisam uma ideia abstracta incapaz de existência, e por ímpios, quando desta quimera fazem uma Divindade.

Mas se a impudência filosófica é tal, que apesar da razão resistir, e repugnar, todavia insiste em divinizar, e personisar um ente, cuja existência real implica, tome o meu conselho, e divinize, e personise a loucura, que é o que mais lhe cumpre. Em pontos de verdade, tão disparate é uma cousa como outra; mas dado ocaso de não poder passar-se sem uma divindade absurda, perante quem dobrar devam seus duríssimos joelhos filosóficos; então que os curvem perante a loucura por mil e uma razões: primeira, porque a loucura é um numen, que lhes fica prosélitos, é cousa estimável aquela avenida, que conduz ás portas do edifício: por quanto a loucura é sem dúvida a divindade, que mais adoradores tem tanto em público, como no particular.

pelos "nosso direitos"...
DIREITOS – Em os papeis são infinitos os dos homem, segundo a linguagem republicana. Os Filósofos dizem (suponho que o terão estudado bem) que o ente quimérico "natureza" deve ter dado infinitos direitos ao homem, qual deles mais real, e imprescritível. Verdade será, quando tão prazenteiros no-los asseguram. Porém que adiantamos nós com uns direitos, que ficam só em papeis? Disto isto, porque a grande mestra experiência constantemente nos está metendo pelos olhos, que todos os direitos do homem na republica democrática se reduzem simplesmente a dois. O facinoroso e o ímpio tem o direito de mandar, e roubar: o virtuoso e honrado de serem roubados, e oprimidos. Com toda a segurança concedo, que se empenhe algum republicano em convencer-me de embusteio. Vejam-se os Artigos: Pacto Social "Igualdade" e Felicidade.

"se as outras têm, porque é que eu não tenho?"

DEVERES DO HOMEM – Os mesmo Filósofos nos dão em seus luminosos Escritos a explicação que não faça a outro, o que não quer para si. Ah! Pois concorde V. m. isto com o endiabrado prurito, que tem os Republicanos de escravizar todos os Povos, de pôr-lhes o governo que lhes agrada, de que não pensem senão como mandão, e lhes dá na vontade, e despoja-los até do ultimo ceitil. Por vida minha, que estes deveres são os meus pecados!! Pode ser que os Filósofos (como sabem tudo) saibam também como se combina com aqueles tão apregoados deveres, o pôr os homens sob a opressão mais tirânica, e força-los ao mesmo tempo, a que digam que são livres, e que tem felicidade ás arrobas. Nós certamente não sabemos adjectivar estes mistérios; e a única cousa, que fazemos (quando ouvimos gritar os Democráticos que se ofendem os direitos do homem, só porque alguns se quiseram defender deles) é encolhermos os ombros, e dizer: mais sabe Deus, que o homem. Porém a questão é outra! Em quanto os Republicano não nos disserem como concordam isto, não deixaremos de afirmar, que ou o fazer a outro o que não se quer para si, é um dos principais deveres dos Republicanos, ou estes não creem, que os deveres do homem falem com eles. Ainda que também poderá ajudar suceder, que os Democráticos tenham divido o género humano em democrático, e não democrático, e aos primeiros repartido os direitos, e aos segundos os deveres. E quem nos diz a nós, que os Democráticos deram na fina de não serem homens, e que por tanto são para eles os deveres de nenhum efeito?! Pelo que pertence à prática, tudo é verdade; pois se falarmos com justiça, devemos dizer, que os Democráticos tudo reduzem a um traidor, e infame jogo de palavras, tanto pelo que respeita aos direitos, como aos deveres. E quem nos diz a nós, que os Democráticos deram na fina de não serem homens, e que por tanto são para eles os deveres de nenhum efeito?! Pelo que pertence à prática, tudo é verdade; pois se falarmos com justiça, devemos dizer, que os Democráticos tudo reduzem a um traidor, e infame jogo de palavras, tanto pelo que respeita aos direitos, como aos deveres.

(continuação, II parte)

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