(continuação da I parte)
MATRIMÓNIO – Também esta palavra tem perdido seu antigo significado, e o que agora tem entre os Democratas equivale ao que se chamava dantes um concubinato
metódico, que é na realidade o único matrimonio do qual são capazes os
libertinos. Para os matrimónios desta classe não se requer um amor constante, e
racionável, que adoce mutuamente os infortúnios da vida. Também tem a vantagem,
e comodidade de livrar da pesadíssima secatura da educação dos filhos.
Nasce daqui uma séria dificuldade em
outro género, que certamente não é fácil de explicar, a saber: que cousa se
deve entender por bom Patriota, e bom Republicano, tão engrandecido, e louvado
em a língua Republicana? Nos Escritos Republicanos sustenta-se com furor,
que não se pode ser bom Patriota, Republicano, etc. etc. sem ser bom pai, e boa mãe, e assim o mais. Ora pois, nos matrimónios democráticos
legítimos, legitimíssimos, a boa mãe, depois de três, ou quatro anos de
casada, abandona republicana e amorosamente seus filhos, (o que nem ainda os
mesmo tigres fazem) e vai a outra parte criar outros, para abandona-los da
mesma maneira. Logo, se esta é a boa mãe, (e o é constitucionalmente)
querer-me-hão dizer, que gentes perdidas e embusteiras não são o bom Patriota, e o bom Republicano? Mas em fim não há mal, que não venha para bem;
pois daqui inferimos: que o Vocábulo bom
passou magicamente à significação contraria; em cujo suposto não somente
entendemos já, que cousa é em língua antiga bom
Patriota, etc. mas sabemos também, que pertencem à conjuração todas as
bondades havidas, e por haver, uma vez que sejam Democráticas.
LITERATO – Em boa versão corresponde a
ímpio. A literatura Democrática, que é a mesma, que a moderna Filosofia, deve
ser despreocupada; e não o pode ser filosoficamente, enquanto não comece por
contar entre as mais desprezíveis preocupações
a Religião, a Moral e a existência de... Explico-me?... Em todas as Universidades Democráticas foram destruídas as Cadeiras de Religião, de Teologia, de Direito
Divino, etc. Já se vê, como não são mais que chocarrices, e velhices indignas
da literatura Republicana, e do alambicado engenho Democrático, que deve
unicamente brilhar no campo do ateísmo, do sofisma, da impostura, e da contradição. Fóra ideias rançosas! A Sabedoria Democrática deve reduzir-se, e
está já reduzida ao inocente e
singelo método de embrulhar todas as ideias, de fazer do negro branco, e do
branco negro, e de formar à força de sofismas, sarcasmos, mentiras, embustes, trapaças, e declamações uma nova Lógica Republicana, que sirva como de molde
aos saltimbancos, e extravagâncias de engenho, de que há tanta abundância, e
que são outrossim incapazes do antigo método, e sistema de reflexões sérias, e
justas, e de sólidas deduções. Quando um Literato Democrático, à força de
plagiatos, chegou a encaixar num livro uma sátira contra os Monarcas; um
troço de Historia sacado violentamente de Montezuma, ou da Cruzada; um facto ou
fingido, ou transtornado de algum Pontífice; uma diatribe contra a superstição
(em sentido Republicano); uma declamação contra a tirania, uma passagem terna
em graça dos lavradores; uma dissertação poética sobre a natureza humana, e seus imprescritível direitos; uma apostrofe emfatica sobre a Liberdade (in genere), e sobre as bondades, e excelência da Sancta Democracia, de repente é tido por
um poço de Ciência, e sua obra qualificada uma produção original de literatura
democrática, ainda que estejam nela os períodos como as nozes num costal, e
ainda que os raciocínios estejam jogando os coices. Por desgraça há infinitos,
e infinitíssimos obstinados desta classe, que se riem ás gargalhadas com este método literário democrático; porém ainda que não fora senão pela facilidade,
com que em um abrir, e fechar de olhos se faz do mais estúpido um sábio, haviam
de olhá-lo com mais respeito. Pobres petímetres, e bailarinos! Desgraçados
tunantes, e rufiões! Infelizes tafues, espadachins, e franchinotes! Como, a não ser um método tão esquisito; havíeis de
estar a estas horas amotinando os ouvidos, como outros tantos sinos em dias
festivo, sobe o maravilhosos edifício da vossa encatadores, e loquacíssima
Sabedoria?! Como havíeis de estar passando pelos homens mais sábios, e ilustrados,
que tem tido o Universo, e havíeis de estar luzindo com a vossa sempiterna
loquacidade, sem embargo de terdes apagada a lanterna! Desenganemo-nos:
onde há melhor cousa, do que fazer-se um sábio consumado, só com chamar
superstição à Religião, e tiranos aos Monarcas, que é um estudo, que se faz
em meio minuto?!
Um outro, e mais vasto campo há, em que como o lírio em os vales desponta com primor a literatura republicana, a saber: a decente, fina, e modesta linguagem republicana. Cousa excelente para confundir mentecaptos; para que nunca se saiba, qual é o ponto que se tracta, quando se escreve; para combater o que ninguém sustenta; e para sair-se airosamente da questão, atacando uma cousa debaixo do nome de uma outra. Porém depois de tudo, o ápice da perfeição, a flor, a nata, e a espuma da sublime ciência democrática consiste em dizer com uma cara escárnio quantas vilanias, e poucas vergonhas lhe vem aos cascos; em vociferar calúnias, e injúrias as mais grosseiras; em atestar livros inteiros de mentiras, infâmias, sarcasmos, e impropérios. Eis-aqui em que até agora ninguém tem havido que os iguale. O alvo de uma ciência tão eminente, como esta, é todo o homem de bem, honrado, e religioso: se bem, é verdade, que não poucas vezes os mesmos Democráticos se honram mutuamente com estas saudações, e comprimentos literários: supõe-se, que por motivo de ensaio, e para aperfeiçoar-se em a arte.
(continuação, III parte)
(continuação, III parte)
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