15/12/15

VOCABULÁRIO DEMOCRÁTICO Nº4 (V)

(continuação da IV parte)

POLÍTICO - A sublimidade, a delicadeza do pensar filosófico devia necessariamente estender-se à política, e muito mais em um tempo em que, segundo o dicto de um moderno Filosofo, um Literato é um Magistrado. Gloriam-se os sábios Democráticos de ter descoberto a falsidade do significado antigo da palavra política. O governar, prover, e defender um Povo se julgava outrora a mais espinhosa e delicada ciência, e para cujo desempenho se buscavam homens de talentos nada vulgares, da mais escrupulosa probidade, de uma prudência consumada, e de conhecimentos os mais vastos. Tudo loucura. Qualquer manicaca, qualquer farroupilha ignorante é, segundo os Democraticos, um Politico consumado, capaz de governar o mundo inteiro. E leve Deus minha alma se os Democráticos não dizerm muito bem. Porque como a sua intenção é transtornar todos os Governos, duvidamos que hajam muitos meios mais proporcionados que este, para conseguir aquele fim. A dificuldade consistia em que houvesse quem os acreditasse. Mas, como havia de faltar, sendo tão grande a abundância de cabeças ocas? Stultorum infinitus est numerus. É por este motivo, que não há quase um canto do mundo, começando pelas Universidades, e acabando pelas tabernas e tascas, onde se não vejam enxames de vadios, tunantes, e franchinotes, que como mosquitos em bodega, estejam mantendo perpetuamente discussões endiabradas sobre política. Reis, Príncipes, Governos, Ministros, todos são por sua ordem chamados a juízo, e todos são examinados, censurados, criticados, e julgados sem misericórdia por estes Richilieus de gaforina encrespada, e cigarro na boca. Ao mesmo tempo, que um destes bailarinos fazia a conta de que oito, e sete são treze, ajustava à margem as contas a todos os Ministros da Fazenda. O Legoleio (Estudante de Leis) de água doce, depois de falar, como a Micomicona de Quixote, do porto de Paris, dos Alpes dos Países-Baixos, e do Nilo de Inglaterra, faz excelentes Tratados de Paz, e demarca os devidos limites aos Reinos e Impérios. O Comerciante, que já quebrou (sem ser pelo espinhaço) três ou quatro vezes, discorre divinamente de Economia Política, e traça planos milagrosos de Marinha, Comércio, e Artes, etc. Porém, o que tem que ver mais que tudo, são os Cafés, residência perene de todos os ociosos e vadios. Ali é onde sempre está armada a contenda sobre política, e onde esta chega ao seu último auge. Apenas há algum escaninho, onde, sem saberem os factos, as circunstâncias, nem  os motivos, não sejam trazidos à colecção, e exame os Soberanos, Ministros, Subalternos, Generais de Mar e Terra, Leis, Métodos de Governo, Guerras, Rendas, e Provisões. Um rapazito, que anda no A, B, C, é menos ignorante, que este mentecaptos, porque ao menos vive persuadido,  de que sabe menos que seu mestre.

É verdade, e por amor à justiça o devemos confessar, que quanto levamos dito não se refere à política velha, que já caiu em desuso, mas sim à moderna, a qual tem sido tão simplificada pelos Filósofos Democráticos, que o mais rude entendimento a compreende. A política antiga era tão difícil pelos embaraços, que envolvia a combinação de interesses, a ligação da necessidade pública com as comodidades, e vantagens particulares, bem como a honestidade e justiça dos Indivíduos, Povos, e Nações. É boa vontade de esquentar a cabeça! A política Democrática já se aliviou de todos estes fardos, e se há reduzido aos mais singelos princípios. Falta dinheiros? Allons, vamos a isto, despojem-se os Santuários, (*) as Igrejas, os Monte-Pios, e as Casas públicas, e privadas. Não chega? Não haja susto: haja um pouco de florear, isto é, uma festa republicana, e armemos tal embrulhada de matanças, que os ricos tenham que fugir ás escondidas para salvar a vida: feito isto, cá nos arranjemos, porque da fuga se lhes faz um crime, e eis-aqui seu ouro, e seus bens em nossas mãos.  Ah! patifes! que não quiseram fugir! Pois nem por isso vos haveis de escapar. Correndo a toda a pressa, metamos-lhes um susto, atribuamos-los, e seja como for. Falta gente para a guerra? Cuidado, roubêmo-los, e seja como for. Falta gente para a guerra? Cuidado, que não se mexa com os cómicos, os jogadores, ladrões, vadios, lacaios, nem cambistas: mas sim santamente iremos apanhando os sinceros lavradores, tiraremos do arado o ganham, o artista de sua oficina, e deixaremos ermas povoações inteiras, para levar esses desgraçados como ovelhas ao matadouro. Se os Tratados de Paz e Aliança se opõe ás nossas vistas, ainda bem que está em nossas mãos o quebrarmo-los. (**) Se o Direito Divino, se o Natural, e das Gentes são um obstáculo... Ah! Futre, sacrenom! Já tudo isso está podre de velho. Queixam-se alguns, e lhes fere a alma a tirania? Isso tem bom remédio; em os fuzilando logo se acaba a ferida. E simplificada a política por um modo tão divino, poderão faltar varões ilustres, que sejam consumados nesta faculdade? Resta uma só dificuldade, e é que a Sociedade humana se deixe iludir desta nobre singeleza Republicana. E então por uma consequência infalível havemos de vir a parar em que carregue o Diabo com o que for seu, e em que conheçamos, como já conhecemos, que os Republicanos, que pretendem ensinar ao Mundo uma tão esquisita política, são como o caranguejo, que quis ensinar a seu filho a andar direito. Na Bélgica apareceu este fenómeno: tomaram por timbre um caranguejo: e houve quem lhe pusesse por baixo "en avan, marchons!"

(*) A Ilha Terceira e S. Miguel que o digam: segundo as ultimas noticias a esta hora está tudo roubado, e metido a saco! Combine-se este procedimento com a Proclamação do Sr. D. Pedro, em que promete a Portugal felicidades a montes! Já nos não embaça.  D. Tr.
(**) Que não poderíamos dizer a este respeito, se nos quiséssemos lembrar do dia 11 de Julho?! Imperiosas circunstâncias nos impõe o silêncio. Mas talvez não tarde um dia, em que caiam as rolhas, que tantas bocas tapam....  D. Tr.


REFORMA – Este Vocábulo é o encanto, e o atractivo de quantos brejeiros hão querido, e querem transtornar o Mundo, e não deixar nele nem vestígio ao menos de coisa boa. Exceptuando a Religião de Jesus Cristo, nada há no Mundo, que possa ser isento de defeitos. Governos, Costumes, Finanças, Leis, Comércio, e quanto há sobre a terra tem sido, e será sempre defeituoso. Mas se isto bastasse para abrir a porta às Reformas, seriam estas eternas, e nem por isso se acabariam os defeitos. Destes só os excessivos é que requerem reforma, e os únicos que podem admitir; e reformar doutro modo as Leis, e os Governos, é tirar-lhes a solidez, e a influência civil, que é o mesmo que destruí-los. O principal objeto de nossos zelosos Reformadores é, geralmente falando, destruir não os defeitos, mas a substância; e deste modo é como os Hereges tem reformado sempre a irreformável Religião Católica, e os Rebeldes [d]os Governos. Se a reforma foi nos tempos passados um abuso, em nossos dias veio a ser uma mania raivosa, filha de um espírito vertiginoso de ruína e destruição. O Republicanismo Filosófico, que falando com verdade, não é outra cousa, que um infernal embrulho de diabruras e defeitos, e que a ser reformado não lhe ficaria nem sequer o nome, é a quem se lhe há metido na cabeça reformar todos os Governos, para lançar todos a pique. Haverá cousa mais graciosa no Mundo?! O ateu quer reformar a Religião, os libertinos os Costumes, o dissipador as Finanças, o ambicioso os Governos, o leigo ao Sacerdote, e o ignorante ao Douto.

um dementrocrático!
Não há homens mais frenéticos, e malvados que os Reformadores; e a Reformadora Democracia, com mais justa etimologia, e por mais presunçosa e ignorante, deveria chamar-se antes Dementocrcia, devendo-se cuidar muito e muito de reformar os Dementocráticos, até fazê-los entrar em juízo, que em bom romance, seria tirar-lhes do vulto: porque não são compatível juízo e Democracia. 

(continuação, VI parte)

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