05/08/16

CONTRA-MINA Nº 49: Prossegue a Matéria do Nº Antecedente (b)

(continuação da parte a)

E que se fez nos tempos Constitucionais? De que grande coisa se tratava? Que fins proveitosos à Monarquia, ao Reino, e à Fé se promoviam naquela, a mais desgraçada, e abominável época? Ora já entendo, e bom é ler de vez em quando os Periódicos Liberais, pois nada escapa aos Linces Políticos seus Autores... Os embargos, ou de víveres, ou de transportes, a que sempre foi necessário proceder em tempos de guerra, todas as vezes que se intenta a glória de Adonirão, e a segurança das Colunas do grande Templo, são acções especialmente boas; porque o fim canoniza os meios; caso porém tenham lugar em obséquio dos Reis, e dos Dogmas Religiosos, então se reveste de outra índole; são violências, são roubos, são extorsões, porque destoem, ou se encaminham a destruir o grande princípio da Soberania Maçónico-Universal, porque os Irmãos Pedreiros assim como descobriram o Pacto Social, que pode ser que guardem no seu Livro dourado, que nunca se enxovalhou com uma só vista profana, talvez descobrissem alguma Verba do Testamento de Adonirão, em que lhes fossem deixadas todas as produções da terra, desde a bolota, que era (dizem eles) o sustento do homem agreste, até ao milho, e trigo, de que se mantém, e subsiste o homem civilizado... mas prescindo agora inteiramente de chistes, e motejos; o caso é, que sendo o ano pretérito o mais escasso de certos víveres, e acrescendo por outra parte a necessidade de armamentos fora do comum, e pode ser que muito acima dos que se fizeram durante a Guerra Peninsular, e o que é mais, faltando os imensos recursos pecuniários, de que se lançou mão naquela época, assim mesmo a galinha vive, e sem fome, e miséria. Não tem outra pevide, senão a que lhe tem causado os malditos Constitucionais, Pedreiros, Galinheiros, e mais caterva, ou grei de malfeitores, apostados a darem cabo do mundo, o que nunca poderão levar ao fim; pois o mundo, que toma às vezes o seu lugar, dará primeiramente cabo deles, e fará murchar de todo as suas já flutuantes, e quase perdidas esperanças.

Se tem havido neste Reino algumas extorsões, e violências, é certo, e poderia afirmar até com os mais fortes, e os mais tremendos juramentos, que se fazem todas contra vontade d'El Rei Nosso Senhor; extremamente desejoso de poupar, quanto lhe seja possível, o seu leal, e amado Povo. Se a lide presente fosse da nossa parte uma lide Constitucional, quantos, e quão pesados tributos já se teriam lançado a este Reino? Que estranhas violências não se perpetrariam à sombra do que chamavam Lei Fundamental? E o mais é que todos se calariam aprontando com língua de palmo, quanto se lhes exigisse, no que por certo não haveria nem esperas, nem delongas, nem equidades.... Paga, ou te declaro inimigo do Sistema, faria recolher ao Erário até ao último real, que aparecesse neste Reino, e a tudo isto chamariam os próprios declamadores contra o actual empréstimo lances dolorosos, porém absolutamente necessários, empregando para o desculparem quantos raciocínios lhes fosse dado excogitar em prol do seu adorado Sistema.

Por outra parte é necessário confessar, que debaixo de uma capa demasiadamente larga, e protectora de grandes velhacos, e de grandes ladrões, se tem coberto algumas notórias extorsões, e violências... A capa, em que já falei tantas vezes, é a capa de Realismo, e afeição a ElRei Nosso Senhor, que não é mais vezes outra coisa senão Pedreirismo ardilosamente disfarçado, e amor a interesse, e vantagens particulares, e nada mais. Já apontei em alguma parte dos meus Escritos a máxima de um famoso Democrata, ou Republicano dos nossos dias "Quando fores Ministro de algum Rei absoluto, farás quantas asneiras te vierem à lembrança, e debaixo daquele escudo, ou farás descontentes, ou aumentarás o seu número." Quantos heróis tenho eu visto procederem neste sentido! Ah Mondeguistas, e Pedreiros convertidos, quem não vos conhecer, que vos compre.... Ministro, que pretextando ordens imperiosas, e absolutas, esbulham o pobre de meia dúzia de alqueires de pão, que ele reserva, ou para subsistir, ou para semear o seu caminho, e que fazem quantas equidades podem ao rico, ao poderoso, porque este manda bons presentes.... é inimigo d'ElRei, e é inimigo da sua Pátria.... Conhece-se à primeira vista, que eu não falo de todos os Magistrados territoriais; porém somente daqueles, que sobre maneira fiéis ao Materialismo, e Indiferentismo, que aprenderam nas Cavernas Coimbrãs, não tem, nem buscam outra glória, senão a deste mundo; e à força de meditações sobre a ciência de viver, tem descoberto os meios de serem ricos per saltum, assim como por outro não menos assombroso conseguiram a ciência de mês e meio, que os habilitou para serem outros Papinianos, ou Cujacios. Longe de mim a ideia, ou lembrança de querer macular a bem estabelecida reputação dos Magistrados sábios, incorruptíveis, e sinceramente afeiçoados à Causa do Trono, e da Fé. Sabe perfeitamente os da Aurora quase eles sejam, e a estes, e só a estes, é que dirigem, sob as aparências do mais desmarcado vitupério, a mais nervosa, e a mais gloriosa apologia:

"Os Magistrados depredadores, e venais foram ocupar o lugar dos homens honrados, e virtuosos." (Ita Aurora Nº 3 pág. 39)

Vem a dizer, segundo a força dos termos há muito adoptados na fraseología Maçónica... os Realistas sucederam aos Pedreiros Livres na administração da Justiça. E o caso é que os Ministros do tempo Constitucional eram uns anjinhos, que nem sabiam o que era roubo, extorsão, ou violência. Eram um modelo perfeito, e acabado de todas as virtudes. Pois de Religião? Eram fiéis executores de todos os preceitos Evangélicos. Ah! Sem dúvida perdeu muito a Nação Portuguesa, em que fossem demitidos estes sustentáculos da honra, e proibidade Lusitana, e parece andar às escuras, e às apalpadelas desde que perdeu estes Luzeiros da Sabença, estes novos, e mais heróicos Abdolimos, e Fabrícios... Por certo que deu o cabelo aos escrevinhadores da Aurora todas as vezes que se lhes antolha o já crescido número dos bons, e escolhidos Magistrados, que ocupam certos Lugares de Letras, em que muito poderão obstar aos progressos da Luz. Braga, tão fiel ao seu Rei e de mais a mais tendo por Corregedor da sua Comarca um Gaspar Homem Pinto, que sendo Corregedor em Pinhel, me deixava viver tranquilo no Mosteiro de Aguiar, não obstante as fúrias Thomazinas, que obrigariam a qualquer outro, que fosse menos impávido que ele, a desenterrar-me, sendo necessário, das próprias entranhas da terra!! O Porto, o saudosismo Porto, onde se engendram, onde se preparam, onde se fazem os primeiros ensaios do Poderio Maçónico, o Porto sujeito à direcção de um António Joaquim Pinto Moreira, que gemeu debaixo dos ferros Constitucionais, e que sendo tal, como é, nunca poderia merecer aos Pedreiros as honrosas qualificações de honrado, e fiel, que merece aos bons Portugueses!! Bastem os dois para exemplo, ainda que me custe a deixar em silêncio os autores Corregedores de Tomar, e de Santarém; e passando a outras considerações, que terrivelmente os pungem, e amofinam, quanto lhes terá sido amargo, que desse pequeno, mas valente, e denodado troço de Académicos, que se mediram com eles nas vizinhanças de Coimbra, tenham saído para a Magistratura os próprios, que sendo necessário tocarão a pena, com que sentenciam as Causas Civis, e Crimes, pela espada, com que se atravessam os rebeldes, e Pedreiros... Que Juízes de Fora têm actualmente Beja, Monsaraz, Alandroal, e Estremoz, e o Torrão do Alentejo! Só esta Província oferece tal número de Magistrados empunhando a Vara da Justiça com a própria mão já costumada, e afeita, ou a disparar tiros, ou a brandir a espada, que forçosamente os da Aurora, quiçá noutro tempo seus Colegas, hão de tremer da influência de tais homens em seus respectivos territórios!

Não me seja estranhado, que eu nomeie poucos, ao mesmo passo que era facílimo especializar outros; porém ou não faço cartas de nomes; e de mais a mais ninguém me encomendou o Sermão, e é por outro lado incontroversa a liberdade, que tem os Escritores de nomear estes, ou aqueles, que mais lhe agradem, e que mui casualmente lhes possam ocorrer, do que certamente não resulta para os não lembrados, ou esquecidos o mais pequeno dezar, ou nota, porque devam criminar-me, ou arguir-me. Ainda teria muito que dizer a este propósito, se as gritarias dos Auroras me não chamassem de novo para as lides, e combates.

D. Miguel, O Tradicionalista
O Senhor D. Pedro Duque de Bragança (aliás futuro Imperador Constitucional, e Ideal das Espanhas) vai colocar sua filha no Trono, (Hoc opus hic labor: não basta dizê-lo, porque muito desejos tais, como este, morreram em flor) e restituir aos Portugueses a Constituição, (Por certo que não ganhará com esta restituição, nem as alvissaras, nem o ficar absolvido de tantos males, e danos gravíssimos, que tem feito à Nação Portuguesa. Não lhe pode trazer um presente mais envenenado, e mais aborrecido para ela, do que a Constituição, que já naufragou no Brasil, evaporando-se por uma vez aquele Podersinho Moderador, que passou por alto à perspicácia dos Lycurgos, e dos Numas Pompílios) e às Leis o seu Império (e como poderá entrar neste Império a Lei Fundamental da Monarquia?). O Senhor D. Pedro está longe de pretender exercer o menor acto de vingança (quem deixará de fiar-se em ar de Proclamações incendiárias dentro de garrafas lacradas, ou bexigas porcórias, para se despejarem pelas ruas, e praças de todas as Cidades, e Vilas deste Reino). O seu grande desejo é acabar as discórdias civis, que têm infelicitado a Nação, no meio da qual ele nasceu (pois ninguém tal há de dizer... não há cão, nem gato, que não saiba que D. Pedro é o único Autor de nossas discórdias, pela teima de nos querer empurrar sua filha por Soberana; e é bem para lastimar que ele acenda os brandões da discórdia, e da guerra civil, desacreditando o seu nome, e cobrindo-o de uma nódoa indelével, que o estigmatizará em quanto o mundo for mundo). Sua Majestade é tão oposto a praticar actos de tirania, quanto D. Miguel (dobra essa língua, patife; é o Senhor D. Miguel, e bem Senhor de aniquilar, e enterrar por uma vez a Maçonaria Lusitana) o é de praticar actos de humanidade (costuma dizer-se em casos tais "os Anjos lhe respondam" neste porém já eu lhe respondi o necessário, assim como os factos mais autênticos respondem todos os dias a favor do Clementíssimo Rei, que nos governa). No discurso do seu Reinado de oito anos há mil exemplos de generoso perdão a ingratos. (E seja exemplo mil e um o do bárbaro castigo, de que já por vezes tenho falado, e que tão cruelmente se infligiu a Soldados Portugueses...) Os próprios inimigos de Sua Majestade, (alto lá, que não deixarei passar esta, sem a devida prefacção. Se D. Pedro é simplesmente Duque de Bragança, porque título, ou carga de água possuirá o tratamento de Majestade? Porém tudo isto leva água no bico, latet anguis, bem a dizer, Majestade, que Reinará em Portugal, como eles querem, mas que nunca poderão levar ao fim; pois a boa Princesa do Grão Pará, por eles feita Rainha de Portugal, vendo seu Ilustre Pai desacomodado, e sem ter onde caia morto, forçosamente se compadecerá de quem lhe deu o ser, e mil Coroas, que possuísse, mi Coroas cederia em obséquio do Augusto Fundador de Reinos, e de Impérios) os próprios inimigos de Sua Majestade, ainda no meio da manifestação do seu ódio, são obrigados a confessar, (o que fazem quanto menos podem) que na verdade o Imperador não era tirano. (Haja vista ao juízo, que fazem do Ex-Imperador a Sentinela da Liberdade, e a Árvore F[?], [veja-se o Nº 47 da Contra-Mina) que são boas, e idóneas testemunhas do conceito, que se faz no Brasil do perpétuo Defensor, e primeiro Imperador daquele vasto Continente. Se eu não digo mais a este intento, e se mui deliberadamente refreio, e modero os voos da minha pena, é porque D. Pedro é filho do Senhor D. João VI, e irmão do Senhor D. Miguel I. Não lhe valessem estes dois Privilégios, e veríamos então a que pretensão in solidum as enlutadas palavras da tirania. É tão fácil de sustentar neste Artigo a boa fama do Senhor D. Miguel I, que não buscarei outra testemunha, que não seja o próprio D. Pedro d'Alcantara. Este Príncipe, ou Duque de Bragança, escrevendo a seu Augusto Pai em data de 19 de Junho de 1822 lançou estas memoráveis expressões:
"Peço a Vossa Majestade que deixe vir o Mano Miguel para cá, seja como for, porque ele lhe é aqui muito estimado, e os Brasileiros o querem ao pé de mim, para me ajudar a servir no Brasil....Espero que Vossa Majestade lhe dê licença, e lhe não queira cortar as sua fortuna futura.... Vossa Majestade conhece a razão, e há de conceder-lhe a licença, que eu, e o Brasil tão encarecidamente pedimos, pelo que há de mais sagrado...." (Gazeta Universal de 1822 Nº 199)
Quem será pois o tirano? Será o bem quisto, ou o mal quisto de todo o Brasil?

Façamos aqui uma pausa, e desde os Sinceirais do Mondego enviaremos uma Contra-Mina, ou Fulminante, ou quase Fulminante aos Pedreiros Livres da Capital, que se darão a perros, por verem que a sua obra, longe de prosperar, todos os dias coxeia, retrograda, e corre perigo de ficar em nada.

Desterro, 5 de Fevereiro
de 1832

Fr. Fortunato de S. Boaventura

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