05/08/16

O PUNHAL DOS CORCUNDAS Nº 27 (III)

(continuação da II parte)

Enquanto pois a Maçonaria se cansou em despregar todos os seus furores contra a Igreja Patriarcal, género este de vingança que lhes pareceu o mais fácil, e o mais expedito para se desembaraçarem do Atleta invencível, que desde a França os incomodava e assombrava; enquanto concebiam o desatinado plano de extinguirem a própria Dignidade Patriarcal, a fim de ressuscitarem o Arcebispado de Lisboa, talvez já destinado para algum dos adeptos do Maçonismo (nota: Na obrinha estatística de Adriano Balbi, que lhe foi encomendada pela Facção liberal, e de que a seu tempo farei mais larga menção, T. 2. pag. 8 se lê "O Congresso acaba de extinguir a Dignidade Patriarcal, e aplicou-lhe os rendimentos para a dívida nacional. Espera-se de Roma a Bula resectiva a esta abolição, e ao reestabelecimento da Dignidade Arquipiscopal, etc.." Oh vanas hominum curas!!!), remunerava a Providência a olhos vistos a constância insuperável de seu servo, deparando-lhe a maior das consolações que podiam suavizar-lhe o seu desterro. Aludo nesta parte ao Breve do Santo Padre Pio VII, monumento dos mais honrosos para o Senhor Cardeal Patriarca, e de que nas idades futuras se tirará um argumento inrrefragável de que os trabalhos de um Português, de um Cardeal, foram tão crescidos na tormenta constitucional, que o Pai comum dos Fiéis, e Suprema Cabeça da Igreja universal, assentou que era de seu dever animar e consolar quem prescindiu de honras, grandezas, e de tudo, por sustentar a boa causa. Bem desejariam os Pedreiros Livres que nunca transpirasse neste Reino sequer a notícia deste procedimento da Sua Santidade, que os despedia eternamente de verem realizado o seu plano de extinção da Patriarcal, e punha em toda a luz o que devia esperar a nossa Santa Religião da insolente audácia de tais reformadores; mas quis a boa fortuna dos amantes da Religião e do Trono que eles soubessem o que os Pedreiros mais quereriam ter oculto; e para que este novo argumento da inocência do Pastor desterrado não fizesse maior abalo na opinião geral, nesse tempo já sobejamente pronunciada contra os malévolos autores da nossa degradação aos olhos de toda a Europa, e da nossa estranha decadência a todos os respeitos, fizeram uma espécie de Contra-Bula, ousando ensinar ao Mestre da Igreja universal o estilo e indústria maçónica, de que (diziam eles) era mais a propósito que Sua Santidade usasse em tais circunstâncias. Duvidei largo tempo se havia de patentear mais este hediondo testemunho da perversidade maçónica, não por ele ser extremamente ridículo, e apenas um tecido de frioleiras e desconchavos, pois tais obras agora publicadas são o açoite mais terrível para uma seita, que desejaria se queimassem e nunca mais aparecessem as infames produções dos seus confrades; mas por ver quanto foi injuriada a pessoa do Eminentíssimo Cardeal Patriarca já nos últimos paroxismos do sistema. Seguindo pois um meio termo, escolherei as passagens mais célebres, que apesar de se combaterem, e de se destruírem por si mesmas, dão seu lugar a que apareceram novos argumentos de uma constância digna dos mais famosos tempos do Cristianismo..... Os miseráveis Redactores do Censor Lusitano, folha desconhecida, e que não obstante os esforços do Maçonismo para a fazerem comprar e ler da parte de ElRei, ainda no tempo constitucional era geralmente desprezada, e porventura já então se vendia a peso, embutiram na folha de 21 de Outubro (1822) esta descompostura legal, e sancionada pelo Ministério, a um Sumo Pontífice e um Soberano, ditando-lhe as palavras com que Sua Santidade deveria estranhar o Patriarca de Lisboa.

Texto


"Amado Filho, saúde e bênção Apostólica. Grande foi a dor que pungiu nosso terno coração, quando soubemos que tu, esquecido do teu lugar, da tua dignidade, da honra de Cidadão Português, do exemplo que nos deu Jesus Cristo e seus Apóstolos de não resistir nas coisas temporais aos poderes do século, antes viver-lhes sujeitos segundo o ditame da nossa consciência, guiado pela tua ignorância, e pelos estultos conselhos dos fanáticos Sacerdotes que formavam a tua côrte, levaste o teu arrojo e animosidade até ao ponto de encontrares o voto de toda a Nação Portuguesa, calcar aos pés dois artigos das Bases da Constituição política, e mais magoado por largar o lugar que indignamente ocupavas na Regência do Reino Fidelíssimo, do que por abandonar o Rebanho, que te fora confiado, levaste o teu capricho a tal ponto, que obrigaste a religiosa Nação Portuguesa a lançar-te fora das suas raias, e riscar teu nome do número dos honrados Cidadãos Lusitanos."

Censura

Que indecência, que atrocidade!! Ninguém se lembrou do seu lugar, da sua dignidade, e da honra de Cidadãos Portugueses como Sua Eminência. Tomou o lugar de Apóstolo, e a dignidade de um Pastor zeloso das prerrogativas essenciais da Igreja Católica, e manteve ilesa a honra de Cidadão Português, visto que Cidadão Português é um homem, que não crê na fantástica Soberania do povo, e que se horroriza de ser desleal e traidor a um Rei tão benigno, e tão amante dos seus povos, como é o Senhor D. João VI. Nem Jesus Cristo, nem os Apóstolos ensinaram nunca aos povos, que tinham obrigação de prestar obediência a qualquer aventureiro, que usurpasse o Ceptro e a Coroa, que lhe não pertenciam. A Censura das más doutrinas, ou impressas, ou manuscritas, ou prégadas de viva voz, como direito essencial dos Bispos, não é coisa temporal, e menos o é a indevida exclamação das palavras única, sendo, como era, bem sabida a tendência dos Mações para a liberdade de consciência. Se estes dois casos não são daqueles que põem qualquer sucessor dos Apóstolos nas inevitáveis circunstâncias de se opor qual muro de bronze, e de exaltar a sua voz como se fosse uma trombeta, então fiquem mudos para sempre, e condenem os Ciprianos, os Ambrósios, os Agostinhos, e todos os mais, que por muito menos resistiam à ingerência do poder secular me matérias Eclesiásticas!!! Importa reduzirmos à sua verdadeira significação as palavras maçónicas, de que o texto vai recheado "Ignorância equivale a ciência Cristã, pois esta acusada há muito de profana, desterrou-se para sempre das subterrâneas moradas da luz". Sacerdotes fanáticos vêm a dizer o mesmo que Sacerdotes Católicos, pois desde a correspondência de Voltaire com os Ateus Frederico, Damainville, etc. até aos princípios da Revolução Francesa, desde as proclamações de Junot até às suas irmãs gémeas ou às do Governo Supremo do Porto, e enfim desde 24 de Agosto de 1820 até aos faustíssimos princípios de Junho de 1823 nunca tiveram outro sentido as palavras fanático e fanatismo, que a palavra superstição calça mais alto no Dicionário dos Mações. É necessário ter junto, e bem junto, a si o apoio de doze mil baionetas, para mentir à face do mundo com tal descaramento e audácia. A Nação Portuguesa nunca deu procurações para que a sua antiga crença fosse postergada e insultada por mil artes e modos, e para que nos viesse aí um rancho de Judeus e de Mouros para levantar Sinagogas e Mesquitas. A Nação foi passiva em tudo; a menos que a palavra se entenda em sentido maçónico. Nação é a sociedade dos Pedreiros, que logo que decidam em loja que o preto é branco, não há remédio senão obedecer-lhe, é um exercício de Soberania da Nação, é vontade nacional...

As últimas palavras merecem uma paródia em vez de refutação - magoada justamente por veres que um Fernandes Tomás, um Ferreira Borges, e outros que tais, vinham depor-te de um lugar que eles te não podiam conferir nem tirar, e que não era outra coisa mais do que uma verdadeira e execrada rebelião contra ElRei Fidelíssimo; sofrerias tudo isto de bom grado se os maiores interesses do teu rebanho não estivessem a ponto de sofrer a quebra mais funesta. Abençoado sejas de levar tua constância ao extremo de obrigares o Grande Oriente e a sua Delegação nas Côrtes, a que te lançassem fora dos Domínios Portugueses, e mais que obedecer aos ímpios, quiseste ser expulso, e riscado da lista dos Cidadãos Lusitanos, de que um Pároco, defensor dos Pedreiros Livres, fez o molde e o elogio.

Texto

"Maior dor nos magoou, quando soubemos que deportado em Baiona ainda pretendeste seduzir à rebelião aqueles mesmos a que devias dar os primeiros exemplos de obediência e humildade, enviando-lhes uma Carta, onde as autoridades da Escritura e dos Padres não provam senão a tua rebeldia e desobediência à Nação. Se nossos Pais, os Mártires, e os Confessores, que a Igreja conta no número dos seus Santos, resistiam às autoridades, foi só, e unicamente, quando estas mandavam contra a lei de Deus; fora deste caso a Igreja tem horror a semelhante comportamento. Exigiste à Nação Portuguesa que declarasse única a Religião Cristã... Maus conselhos, falta de instrução a isso vos levou. A Nação Portuguesa diz que a Religião dos Portugueses é a Católica Apostólica Romana. E que mais querias, amado filho? Há porventura outra verdadeira? ou há outra que possa ao menos assemelhar-se a esta? Quem designa esta Religião tão francamente, não tem necessidade de acrescentar-lhe única, porque era por em dúvida o aferro dos Portugueses a esta Religião, à qual tem sido fidelíssimos em todos os tempos, era inculcar violência, era dar ideia de força numa coisa, que só por amor e convicção se abraça."

Censura

Todo o mundo leu a Pastoral de Sua Eminência datada de Baiona a 8 de Setembro de 1821, tirou lágrimas dos olhos habitualmente mais enxutos, e a Gazeta Universal desde esse tempo ficou sendo a Gazeta dos Católicos, em frase pedreiral Corcundas; pois ser Católico na frase destes alumbrados é o mesmo que andar às escuras, ou trazes uma deformidade intelectual, de que apenas é sombra a deformidade física de uma corcova. Todos aí leram e entenderam as palavras obedecei às autoridades constituídas; e por mais que se revolva e torne a revolver toda, nem visos aí se encontram de uma só palavra, que pretendesse seduzir à rebelião, como diz o texto. Falemos claro, sem usarmos de rodeio. A Pastoral recomendava muitas vezes a frequência dos Sacramentos, e com especialidade do Sacramento da Penitência, levantava os interesses eternos acima dos temporais, chorava a monstruosa devassidão de costumes, que é a peste dos Impérios e das Repúblicas. Tudo na frase dos Pedreiros é soprar o fogo da sedição, pois chegando-se a fazer bons Católicos, necessariamente se fazem óptimos vassalos, que têm as mãos quebradas para insultarem e deporem os Reis, que para um Católico são ungidos do Senhor. Debaixo do mesmo espírito, e das mesmas ideias, é que os Pedreiros Constitucionais se doíam muito de que alguém combatesse os erros contra o dogma, e contra a moral de Jesus Cristo, que mandavam propagar pelos seus adeptos; e quem trovejava sobre os Pedreiros Livres era forçosamente inimigo da pátria, e chamava-os povos à sedição!!!

E ainda se gabam estes arlequins de que era desnecessário meter no artigo a palavra única!! Desta palavra dependia o maior favor, com que os Imperantes podem acolher a Religião verdadeira nos seus Estados. Decretar que a Religião Católica Apostólica Romana é a Religião dos Portugueses é o mesmo que decretar que a Religião, ou Seita de Mafoma [Maomé], é a crença do Império Turco. Quando muito é uma simples declaração de que o Catolicismo lhes não poderia ficar obrigado. Se decidissem que o Catolicismo era a Religião única dos Portugueses, decidiam que nenhum Português, que professasse outra Religião, gozaria dos direitos de cidadão; e já se vê que as coisas por este modo levariam outro andamento. É sim de agradecer o bom conceito que merece ao autor a Nação Portuguesa, mas todo esse afinco de Sua Eminência ao acrescento da palavra única procedeu de que ele sabia, e como ele meia cidade de Lisboa, que a seita dos Pedreiros Livres se tinha propagado neste Reino, e que por causa deles tinha perdido esta Nação o atributo de Fidelíssima à crença de seus maiores, que lhe coube sem quebra ou míngua por espaço de seus séculos; e por isso não bastava para contentar Sua Eminência, nem os bons Portugueses, a simples declaração histórica, de que tantas vezes se tem armado para serem tidos por bons Católicos, ao que repugnam todas as forças da evidência moral. E o medo que tinham estas almas piedosas de que se julgasse que eles queriam violentar os Portugueses a serem Católicos! Ah! podem estar seguros e descansados que ninguém os acusa deste gravíssimo crime... Antes lhes fazia toda a justiça, e eles bem o mostraram em tudo, que se dissesse, escrevesse, e publicasse que era livre a cada um seguir a Religião que muito quisesse... Bocas Sacerdotais o vomitaram no Congresso, e a Gazeta Mouro-Tomaziana (o Independente) pôs em linguagem tudo o que anda impresso em Lock e em Collins, e outros da mesma estofa, sobre liberdade de pensar, e de seguir a crença que parecer mais agradável.

(continuação, IV parte)

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