12/08/16

O PUNHAL DOS CORCUNDAS Nº 27 (IV)

(continuação da III parte)

Pormenor de um dos palácios do Cardeal Patriarca de Lisboa, hoje tristemente abandonado e votado à ruína!!!
Texto

"Quiseste ditar a lei às Côrtes de Portugal, exigindo censura prévia nos escritos em matéria de Religião!!! Até que ponto, amado filho, te conduzirão os perniciosos conselhos do ignorantes Senado que te cerca, e dos teus Jansenistas disfarçados, cujos oráculos e prestígios te fascinaram! Se a história dos séculos mais pura do Cristianismo estivesse aberta diante dos teus olhos, verias, amado filho, que o Apóstolo das nações em lugar de exigir restrições na liberdade de escrever, disse que eram necessárias heresias: Oportet et haerere esse. Verias que Santo Hulário demonstra que à proporção que os erros e perversas doutrinas atacam a Santa Religião Cristã, a Igreja, invencível no dogma e na moral, ganhou todas as vitórias, e os seus inimigos não tiraram senão confusão. A liberdade, que tiveram os inimigos de impugnar a Religião, devemos os Fiéis as decisões dos primeiros quatro Concílios gerais, onde nossos Pais, presididos pelo Espírito Santo, desenvolveram as luzes que o Céu nunca pode negar à sua Igreja. Se lesses a História das variações das Igrejas dos Protestantes do sábio Bossuet, verias, amado filho, que este sábio Bispo nunca teria ocasião de desenvolver o espírito de sabedoria de que o Céu o dotou, se não tivesse havido a liberdade de escrever; verificou-se o oráculo do Apóstolo: Oportet et haereses." ["Também deve haver heresias"]

Censura

Ora aqui temos um parágrafo tão abundante de proposições erróneas e absolutas, que faz desnecessário e supérfluo todo o cuidado de o refutar. Devia o Eminentíssimo Cardeal Patriarca deixar que os Pedreiros Livres deitassem os braços de fora, atacassem impunemente o Cristianismo, fizessem prosélitos, e outras habilidades do mesmo jaez, porque deste modo facilitava novos triunfos à Religião Católica, e seria causa de que ela resplandecesse mais e mais na derrota dos ímpios: Oportet et haereses esse. Cuidávamos nós que seria melhor que não houvesse reformadores, nem seitas nascidas e propagadas no séc. XVI; e muito embora o imortal Bossuet aplicasse os seus talentos a outro destino... Cuidávamos nós que teria sido melhor que nunca houvesse Constituição Democrática neste Reino; e muito embora ficássemos sem o triunfo que a Monarquia legítima alcançou nos primeiro de Junho. Foi engano, que padecemos; e o atilado escritor do Censor Lusitano, que vê as coisas em ponto grande, quer pestilências gerais onde brilhe a ciência dos Médicos, e ruínas políticas onde se manifeste e desenvolva a ciência dos Pedreiros: Oportet et haereses esse. Estávamos nós crentes de que as heresias eram verdadeiras calamidades, e só concordávamos em que sendo bem custoso de uma parte à Santa Igreja o ver despedaçada por aquele monstro às vezes milhões de prezas, nem por isso deixava ela de conhecer, e aplaudir por outra parte, que luzia então mais que nunca a firmeza e constância de seus verdadeiros filhos, e que então vocejavam nos seus campos as verdes palmas do martírio; porém nunca entendemos aquela passagem da Escritura como a entende o Censor, e a entendeu um Paradoxista Alemão, que fez um tratado singular: Que as perseguições são uma felicidade para a Igreja.

Não me posso ter que não acrescente duas palavras no tocante ao Jansenismo, de que são arguidos os Ministros e Sacerdotes, que rodeavam Sua eminência. Os Jansenistas costumavam pensar em matérias Eclesiásticas assim pelas ideias do Censor. Não costumam ser tão avessos à autoridade civil que acometam facilmente as suas mais descaradas usurpações. Os Jansenistas fizeram a Constituição Civil do Clero Francês em 1790; e nada mais é preciso para confirmar o que eu acabo de dizer... Sua Eminência sabe perfeitamente que as doutrinas actualmente ensinadas ao seu Clero no Seminário de Santarém, bem longe de serem, ou parecerem Jansenistas, são pelo contrário tão alheias ao Espírito da Seita, e da formal resistência às Bulas Dogmáticas do Sucessor de S. Pedro, que mereceram as honras de uma denúncia no tempo constitucional. Provera a Deus que em todos os Seminários Episcopais deste Reino se tivesse ensinado sempre uma doutrina igualmente sã, igualmente pura, e sem a criminosa pérfidia de nivelar o Sucessor do Príncipe dos Apóstolos com os utros Bispos, deixando-lhe apenas umas sobras de Primado!!!!

Texto

"Graves danos ameaçavam outra vez a Nação Portuguesa levantada do abismo a que o despotismo a reduzira, se admitisse Censura prévia em qualquer objecto, pois que tendo de passar todas qualquer obras, e escritos pela Censura, a ver se contém doutrinas que ofenderam o artigo privilegiado, retardadas e inúteis ficavam as vantagens da liberdade da imprensa, sem a qual absoluta e libérrima não pode existir a Constituição. Em matérias de Religião só teme a liberdade da imprensa o Eclesiástico ignorante, Bispo ou Pároco, que não sabe a doutrina, e não é capaz de defendê-la, ou Eclesiástico, e Secular fanático, que só preza os abusos, e o nome de Religião. Enquanto a nós, amado filho, não tememos que os ímpios impugnem o dogma e a moral da Religião de J. C., porque ele, que assiste à sua Igreja até à consumação dos séculos, nunca a há de desamparar, nem faltar à sua promessa."

Censura

O que aqui vai de erros e delírios! E a darem-lhe sempre com o maldito despotismo, que em frase maçónica existe todas as vezes que os Irmãos Veneráveis não dirigem o leme dos negócios. Baixassem muito embora do Céu os próprios Anjos para governarem qualquer império, de certo incorriam na censura de déspotas, porque não eram, nem podiam ser Pedreiros Livres. Tudo vai mal quando tudo, o que é bom, lhes não cai nas mãos. A fazenda nacional está perdida, quando eles não podem roubá-la. O Exército é de Guardas Pretorianas, quando atira com eles ao Inferno; bem entendido, que só constava de Heróis, de Brutos, Cássios, e Catões, quando quxiliava o Sistema!!! Que belas, que genuínas ideias de liberdade de imprensa!!! Sem ela absoluta e libérrima, confessam eles que não pode existir, nem medrar o Sistema! Isso já nós sabíamos há muito, que a liberdade de sentir mal dos Dogmas Católicos, de os impugnar, e de fazer sair à luz Cidadãos Lusitanos, Retratos de Vénus, e Superstições descobertas, eram a quinta essência do Liberalismo... Lá isso de se perderem almas aos centros pelas más doutrinas é bagatela; perder um Reino inteiro, e sua antiga crença, é outra bagatela: e não sei para que os antigos e modernos defensores do Cristianismo se afadigam tanto para combaterem o erro, e sustentarem a verdade.... Segundo a opinião do Censor, fizeram mal; podiam estar quietos, e dormirem a sono solto, porque Nosso Senhor Jesus Cristo há de assistir à sua Igreja até à consumação dos séculos. Sim, tresloucados Pedreiros, há de assistir-lhe, servindo-se de meios humanos, de Apóstolos, de Mártires, e Doutores para a conservar, assim como se serviu deles para a estabelecer. Quando aparecem as seitas inimigas do Evangelho, como é a vossa, então é do dever pastoral a mais aturada e infatigável resistência a tudo o que visivelmente se destina para semear e propagar falsas doutrinas. Resistiu-vos por esta causa o Eminentíssimo Cardeal Patriarca; no vosso estimado Catecismo de Volney já lhe tinhei metido pelos olhos o que se devia esperar do sistema. Conheceu-vos a tempo, obstou quanto nele era às vossas tão ímpias como desesperadas tentativas. Por isso foi tão criminoso aos vossos olhos, quanto louvado e acreditado para com os nacionais e estrangeiros, que amam a virtude, e prezam os triunfos e exaltações do Catolicismo...

Já me aborreço de tal enfiada de destemperos. Bem lastimosa devia ser para os Mações a penúria de bons escritores; que os seus, coitados, nem português sabiam, e nem sequer aprenderam que é necessário acomodar as palavras ao carácter, génio, situação, e mais circunstâncias da pessoa, em cujo nome falamos, e a quem atribuímos certos discursos. Fazem dizer ao S. Padre, que se ele Patriarca não desse providências sobre a nomeação de Vigário Geral, então a Igreja Lusitana congregada legítima e validamente o faria. Desta arte induzem um Pontífice a acender os brandões do cisma, a a ter como legítimo e válido o que os Mações apenas se contentam de prometer, e que não se lembram de executar depois que observaram como falou nesta parte o seu Mestre Napoleão!! Passemos em claro dois parágrafos, que além de não serem dos mais notáveis, me obrigariam a nomear pessoas de que eu fujo quanto é possível. Demorar-me-hei alguns instante no final desta fictícia, e desconchavada Bula.

Texto

"Temos pena, amado filho, que sofras por tal motivo; pois que os teus sofrimentos, se tivessem por objecto os direitos da Igreja, e unicamente a conservação do dogma e da moral, grande seria o teu merecimento. O Pai das misericórdias, e Deus de toda a consolação, que recebe benigno todo o que volta a ele do caminho do erro, te possa iluminar, para que seja tal o teu procedimento, que a Nação te perde e receba em seus braços. Tal deve ser o objecto das tuas preces, às quais ajuntamos as Nossas, e com elas a Bênção Apostólica para o teu rebanho. Dado em Roma em Santa Maria Maior a 9 de Fevereiro de 1822.  - Pio PP. VII."

Censura

Ah que sem dúvida foi grande o merecimento de quem tão denodadamente pugnou pelos direitos da Igreja, e pela conservação do dogma e da mora! Que refulgente coroa não perderia ele, se a troco de voltar para os seus, a quem ama extremosamente, e de ser outra vez metido de posse da alta Dignidade Patriarcal, e mais que tudo, de vir enxugar as lágrimas a seus súbditos, franqueasse um só momento? Embora ele se visse desamparado, até de quem, tomando aos ombros parte da sua cruz, lha fizesse mais leve e mais suave, e lançando os olhos à sua vasta Diocese, talvez já tarde soubesse que jazia nos cárceres de Lisboa um só imitador do seu exemplo (foi o Prior da Igreja de S. Pedro de Óbidos, a quem deve tocar na história desta perseguição da Igreja Lusitana o lugar imediato ao seu Pastor), nada o quebrantou, nada o fez soçobrar. Somente Portugal Católico poderia ter encantos para ele; Portugal desmoralizado, ímpio, ou constitucional, que é tudo o mesmo fazia-lhe vencer a justa saudade da sua Pátria, e de outro lado a unção da Graça Divina lhe fazia cada vez mais ligeiro o peso da sua cruz... Pressentimentos bem fundados lhe mostravam já próximo um futuro o mais risonho, e o mais consolador. Os fiéis Transmontanos pressão-se a levanta o grito de lealdade. Os ímpios tremem... Seu trono balanceia... Uma Regência é proclamada... O ilustre desterrado vai ser colocado à frente de um Governo Cristão, e verdadeiramente Nacional! A espada do Senhor já se recolheu na bainha... Portugal torna a ser o que dantes era, e um dos primeiros cuidados do Monarca, restituído ao seu Trono, é chamar do desterro quem merecia acções de graças e louvores por ter sido a coluna, sobre quem se firmou e descansou a Igreja Lusitana... Ao silêncio forçá-lo, que se guardara no trânsito de Sua Eminência para o seu desterro, sucedem agora os vivas e aplausos sem conto, para se mostrar que os Povos estão ansiosos de suprimirem desta vez o que lhes faltara da outra, pelo terror honrará o mais fiel de seus vassalos no dia 25 de Julho, não honrará menos o mais heróico defensor da Religião Católica... e a soleníssima e triunfal entrada de Sua Eminência na Capital do Reino, é muito superior à decantada pompa do triunfo entre os Romanos; é um dos prémios temporais, com que o Deus Omnipotente costuma galardoar os Atanásios e Crisóstomos, que voltam de um penoso desterro para a companhia de seus filhos em Jesus Cristo.

Conclusão

Robert de Lamennais
Aprendam os Bispos, os Sacerdotes, e os Fiéis todos, no exemplo do Eminentíssimo Senhor Cardeal
Patriarca, de que modo se tratam e defendem as verdades Católicas. A fim de se autorizar mais e mais um tão nobre exemplo, transcreverei para remate de tudo uma passagem tão atilada, como veemente, de um sábio Escritor francês (De La Mennais Reflexions sur L'etat de L'Eglise en France. Paris 1820, pág. 497 e seg.).

"A franqueza de carácter, que é hoje a doença dos homens honrados, tem ligação com o enfraquecimento da Fé. Treme-se diante da força do homem, e não se ousa acreditar nem a força da verdade, nem a força do mesmo Deus, que sustenta a sua Igreja. Daí procedem tantas concessões lastimosas, que têm por seu único efeito aumentarem a audácia dos inimigos, que se trata de amaciar. Quem capitula está quase para se render. O Cristianismo, nem cede, nem capitula nunca. Falais nas contemplações, que importa guardar para com os homens, e esqueceis-vos das que se devem à verdade. Ah! Deixai-no-la defender, e defendê-la toda inteira; não cedamos nem uma só polegada. Homens pusilânimes, que não ousais combater os combates do Senhor, saí de nossas fileiras. Ide, se vos agradar assim, negociar na sombra com as paixões; levai-lhes em segredo os despojos da Igreja, tirados furtivamente a esta Esposa do Rei dos Reis; fazei tratado com o século, fazei a vossa paz (separada). A nossa é aquela que o mundo não dá, mas que nos dá aquele que disse: Sereis oprimidos neste mundo; porém alentai-vos, eu venci o mundo."

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Senhor Redactor do Punhal dos Corcundas.

Lisboa 16 de Novembro de 1823

Tendo eu remetido ao Redactor da Gazeta de Lisboa a carta constante da cópia Nº 1 com as originais Nº 2 e Nº 3, pedindo-lhe a sua publicação; e havendo nisso dúvidas, como o mesmo Redactor muito atenciosamente me informou; volto-me para o seu interessantíssimo periódico, e lhe peço o particular obséquio de nele publicar todas as três, pois me acho a isso comprometido. - Sou com toda a sinceridade - O seu muito atento venerador

José Acúrcio das Neves.


Nº 1

Senhor Redactor da Gazeta de Lisboa.

Lisboa 21 de Setembro de 1823

Não devendo ficar esquecidos nesta época, em que respiramos livres debaixo do Governo suave de ElRei Nosso Senhor, os rasgos de fidelidade e patriotismo valoradamente praticados nos calamitosos tempos em que a tirania demagógica fazia calar até os mais fiéis e resolutos vassalos de Sua Majestade, porque qualquer expressão que indicasse amor e adesão à Real Família, eram tidas como um crime: rogo-lhe queira publicar as duas cartas, de que lhe remeto os originais, para crédito do seu Autor, que não tenho a honra de conhecer, cujos sentimentos porém fiquei respeitando desde que recebi a primeira das ditas cartas. Se eu lhe merecer este obséquio, como espero, irei remetendo mais algumas da mesma natureza; o que me persuado que concorrerá muito para a consolidação da mais justa das causas, em que toda a parte sã da Nação se acha empenhada - Sou etc.

José Acúrcio das Neves



A tão injustiçada Rainha D. Carlota Joaquina

Nº 2

Peniche 7 de Janeiro de 1823

Ilustríssimo Sr. Desembargador José Acúrcio das Neves

A acertada eleição de V. S.ª para Deputado às Côrtes de Portugal foi de todos os bons Portugueses estimada com tanto aplauso, que geralmente devemos dar à Nação Portuguesa os parabéns pela sua incomparável nomeação; pois nela proporcionou a grandeza e autoridade do lugar com os merecimentos de V. S.ª, os quais há muito tempo eram conhecidos; e mais que nunca agora vistos na justa defesa da nossa Soberana a incomparável Senhora D. Carlota Joaquina: é nesta ocasião que V. S.ª tem adquirido a maior estimação de todo o Povo Português, assim como das pessoas instruídas e bem moralizadas; e fique certo que o futuro fará justiça ao seu merecimento, e vingará qualquer insulto que a impiedade possa presentemente cometer. Quiseram-me dilatar em assunto tão fecundo; porém julgo indiscreto este meu desejo, quando a pública voz da Nação tomou a seu cargo o elogio devido à sua respeitável indicação. V. S.ª ouça, e principie já a gozar da imortalidade que espera o seu ilustre nome, e não se esqueça igualmente dar exercício à minha prontíssima obediência com os seus honrosos preceitos. Deus guarde V. S.ª por muito anos - Seu atento venerador e criado.

João Leal Moreira


Nº 3

Peniche 26 de Agosto de 1823

Ilustríssimo Senhor

Tendo eu a felicidade de me não iludir com as falácias e promessas dos intitulados regeneradores, que há pouco tiveram influência nos destinos de Portugal, de que a Divina Providência nos livrou; tive por este motivo a glória de escrever a V. S.ª uma carta pouco depois da sua sempre lembrada indicação a favor da nossa imortal Soberana, em que, segundo os meus pequenos conhecimentos, dava os devidos parabéns à Nossa Portuguesa por gozar naquela infernal Sinagoga, chamada Congresso, de uma pessoa adornada com todas as qualidades próprias de homem de bem, Cristão, e Português, as quais se encerravam em V. S.ª: nunca tive resposta desta carta; persuadi-me da falta dela por dois motivos, primeiro o não receber V. S.ª a dita carta; segundo, no caso de a receber, ditar-lhe a prudência o não responder. Agora que vi em uma Gazeta um certificado de V. S.ª a respeito de uma igual carta de Juiz de Fora de Portalegre, importuno a V. S.ª para me fazer a honra de dizer, em reposta a esta, se recebeu a minha carta dirigida de Peniche na forma que acima digo, assinada pelo meu nome. Não pretendo este documento pelos motivos que o dito Juiz de Fora pretendeu; nem para o fazer público em papel algum, pois felizmente a minha conduta no passado sistema não precisa de justificação alguma para provar a minha adesão ao Governo absoluto de S. M. F., assim como um ódio inalterável aos inimigos da Religião Católica Romana. - Sou com toda a consideração de V. S.ª - Atento criado e venerador.

João Leal Moreira.

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LISBOA: NA IMPRESSÃO RÉGIA. 1823

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