22/02/17

"A VERDADE" - XXIV - Religião Não é Política

A VERDADE
ou
PENSAMENTOS FILOSÓFICOS
sobre os objectos mais importantes
Á RELIGIÃO, e ao ESTADO
 
por
Pe. José Agostinho de Macedo
 
LISBOA
Na Imprensa Régia
Ano 1814
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D. João III - e o seu Patrono S. João Baptista
 
XXIV
 
Se a Religião Fosse um Invento da Política, Como Querem os Enciclopedistas, Ainda Nesta Hipótese Seriam Inimigos da Sociedade
 
Diderot (Se é o Autor do Sistema da Natureza) deriva toda a moral, e toda a Religião de um projecto de Política. Neste famoso livro os homens são definidos Entes infelizes, ignorantes, e avezados a tremer, amoldados ao génio, e caracter das Divindades; e que por uma louca credulidade recebem, e acreditam aquelas, que o Fanatismo, e a Impostura lhe anunciam. Com estas expressões quer dar a entender, que a Religião é uma quimera. À vista disto é preciso degradar todo o género humano; porque só se pode dizer, que aceita a Religião por ignorância, e por fraqueza. Isto é o mesmo que dizer, que o Autor do Sistema da Natureza só teve luzes, e talentos, e que estes faltaram a toda a espécie humana, e que ele só sabe mais que todas as Nações do Mundo: eu poderia fazer este Dilema: "Ou Diderot só conhece a verdade, e todos os homens existam no erro: ou se todos os homens, com igual sentimento, não se podiam enganar, então só Diderot se engana". No mesmo livro aprendem os Filosofnates, que a Religião em algum sentido se deve chamar necessária. Em uma sociedade civilizada, e estabelecida, se multiplicam sempre as necessidades, e se opõem entre si os interesses: neste caso são os homens obrigados a recorrer a governos, a leis e a cultos públicos, e sistemas de Religião, unicamente para manter a concórdia: eis aqui o meio porque a moral, e a política se acham unidas à Religião. Eis aqui como do mesmo centro do erro transluz algumas vezes a verdade. Do mesmo Sistema da Natureza se colige, que para a concórdia da sociedade é necessário um culto público, um sistema uniforme de Religião. Serão pois inimigos da concórdia da sociedade todos aqueles, que tolerando-a não admitem um exercício público, abolindo aquele sistema uniforme, que tanto interessa à união dos espíritos, e à unidade do princípio, de que depende a concórdia da sociedade humana. Se eu admito esta doutrina, ainda tiro outra consequência em favor da Religião. Se a voz da necessidade pública, o concerto dos interesses particulares em uma sociedade, existem uma Religião com um recurso, de que os homens lancem mão para sua tranquilidade, e segurança, deste princípio concluo, que o império da natureza humana quer uma Religião, e que a Religião é indispensável, porque se descobre fundada sobre os mesmos interesses do homem. Assim como o homem não pode despojar-se do sentimento de suas necessidades, assim também não se pode alienar do homem o sentimento da Religião. Logo, uma sociedade sem Religião não pode subsistir. A consequência é clara; e é igualmente claro, que quem é inimigo da Religião é oposto, e contrário ao bem do homem, e é inimigo dos interesses da sociedade. O espírito, ou intenção desta Religião vem a ser: Que o homem se persuada, e creia, que existe debaixo do domínio de um Deus; que ande sempre em sua presença; que o julgue testemunha, e Juiz de suas próprias acções. É de intenção desta Religião, que se obedeça às Potestades terrenas como se obedece a Deus; e que se obedeça, não com hipocrisia por temor, mas como filho por consequência. É da intenção desta Religião que todos prestem a seus semelhantes quanto se lhes deve, honra, socorro, e benevolência; que se tema a Deus; que se tema o Rei; que se honre a Deus; e que se honrem os Reinantes.

(índice da obra)

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