03/02/17

BEATO REDENTO DA CRUZ (I)

 
 
UM MÁRTIR PORTUGUÊS

O BEATO REDENTO DA CRUZ

Carmelita Descalço
1598 - 1638
 
por
Maria das Dores Paes de Sande e Castro
Lisboa, 1928
 
 
IMPRIMATURA
Lisboa 14 de Agosto de 1928
Cónego M. Anaquim Vig. G.
 
À Bem-aventurada
Virgem Maria
Senhora Nossa
Rainha e Formosura
do Carmelo
 
 
NO SÉCULO
I
 
Lizouros é um pequeno lugar do conselho de Paredes de Coura na província do Minho. Pertence à freguesia de Cunha, antigamente Santa Maria da Colina, do Arcebispado de Braga. Esta freguesia conta muitos séculos de existência pois que já no ano 560 parte das rendas da sua igreja foram dadas ao Bispo de Tuy pelo rei dos suevos Teodorico. Em Lizouros encontraram-se ainda numerosos vestígios de civilização remota, entre eles fragmentados duma via militar romana.
 
O sítio é árido e triste. Quem de capela de Santo Estêvão olhar em redor de si, vê em frente uns montes escalvados, cobertos de grandes penedos que recortam o horizonte. São os montes do Carvalhal, continuação da serra da Labruja. Aqui e àlém crescem pinheiros bravos. À esquerda uma elevação de terreno maninho revestido de urze e mato, depois outros montes escarpados, os da Travanca. Numa baixa fica a povoação com os seus campos de milho, e muros de pedra solta a dividir as fazendas da pobre gente do lugar. As casas são toscas, escuras, rodeadas de vinha. A morada onde dizem que nasceu o Beato Redento da Cruz é toda de pedra; fica dentro duma quinta. Conta a tradição que ali se hospedou El-rei D. Manuel I, quando voltava duma peregrinação a Santiago de Compostela. Hoje é habitada por uma família de lavradores.
 
Neste lugar de Lizouros, vivia nos fins do século XVI Baltazar Pereira, casado com D. Maria da Cunha. Dele se sabe apenas que descendia duma família antiga, natural daquela região, e que seu irmão Duarte Pereira foi abade de Covas de Barroso e capelão de D. Teodósio, duque de Bragança.
 
D. Maria da Cunha era herdeira da casa de seu pai Francisco da Cunha, senhor do solar e torre do mesmo nome, governador de Musoes, na Nova Granda. Quando, em 1755, Sebastião Pereira da Cunha e Castro requereu a D. João V que lhe mandasse dar posse da torre e casa solar dos Cunhas, feita por seus ascendentes, declarava que todos haviam sido "fidalgos de solar, e dos verdadeiros Cunhas e Magalhães, famílias ilustres e antigas destes reinos; e sempre se trataram, como ele suplicante, com cavalos, criados, escravos e muita gente, conforme a qualidade de suas pessoas; e serviram aos reis deste reino em todas as guerras e ocasiões que nele houve e nas conquistas, sem nunca em tempo algum terem em sua geração fama alguma de moiro, nem judeu, nem doutra infecta nação."
 
Da torre de Cunha restam apenas umas ruinas cobertas de heras: a porta principal e uma parte do cunhal norte. Sôbre a vêrga lê-se a seguinte inscrição_ Esta é a casa e torre dos Cunhas solatiega: reedificada pelo governador Francisco da Cunha, Cavaleiro do hábito de Santiago, senhor dela." A casa desapareceu.
 
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Tomás Rodrigues da Cunha nasceu em 1590. Foi o segundo dos seus filhos de Baltasar Pereira e de D. Maria da Cunha. Chamaram-se os restantes: António Pereira da Cunha, Francisco Pereira da Cunha, João Pereira, D. Maria Pereira da Cunha e D. Isabel Pereira (1). A avaliar pelo que sabemos dos dois mais velhos, podemos conjecturar que seus pais lhes deram uma sólida e piedosa educação, incutindo-lhes desde o berço o amor de Deus com o amor da Pátria. A instrução deve ter sido mais deficiente. Nem naquele tempo se cuidava muito da cultura intelectual da nobreza nem em Lizouras haveria facilidade para os estudos.
 
António Pereira da Cunha, por ser o primogénito, foi mandado ainda criança para a casa de D. Mecia Pereira - provavelmente irmã de Baltazar Pereira - casada com Diogo Ferraz, que vivia em Ponte de Lima, porque ali com menos custo encontraria quem lhe ministrasse ao menos o ensino elementar. Mais tarde foi para Madrid, onde exerceu o cargo de oficial maior do Secretário de Estado Francisco de Lucena. Era ao mesmo tempo agente do Duque de Bragança que, quando chegou a ser aclamado rei com o nome de D. João IV, o nomeou Secretário do Conselho de Guerra, lugar em que deu provas de mérito, prestando relevantes serviços ao país.
 
Tomás Rodrigues da Cunha, que era filho segundo, teve certamente uma instrução muito rudimentar. Não se encontra na sua vida sinal de amor às letras. Outras eram as suas aspirações. Afável, comunicativo, conceituoso, tinha também nas veias sangue de conquistadores e de guerreiros. Anseava por transpor os montes que lhe limitavam o horizonte. Foi assim que, bem novo ainda, aos 19 anos, deixou Lizouros e tomou o caminho de Lisboa, em busca do destino glorioso que em sonhos antevia.
 
Preparava-se então o Vice-rei D. João Coutinho, Conde de Redondo, a partir para a Índia. Tomás Rodrigues da Cunha conseguiu que o administrassem a fazer parte da expedição como soldado, e embarcou, levando por único cabedal a sua mocidade entusiasta e crente.
 
(continuação, II parte)
 
 
(1) - Era vulgar nesta época tomarem os irmãos cada qual seu apelido diferente. Tomás deve ter tomado o apelido Rodrigues dum de seus avós, Alfonso Rodrigues de Magalhães.


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