11/02/17

BEATO REDENTO DA CRUZ (III)

(continuação da II parte)
 
III
 
Resolvido a consagrar a vida aos serviço da Pátria na carreira das armas, Tomás Rodrigues da Cunha
não tardou em distinguir-se entre os seus companheiros. Nas batalhas em que tomou parte, tanto em terra como no mar, de tal maneira se portou que desde logo o consideram como soldado destemido. Passado tempo, era mandado para Meliapor na qualidade de cabo duma esquadra que se destinava à guarnição do Presídio daquela cidade. Encontrava-se ali como governador Rui Dias de S. Payo que, conhecendo o seu valor, o teve em grande estima e o nomeou, como a pessoa que lhe merecia inteira confiança, Capitão da sua Guarda.

Assim decorreram alguns anos, que Tomás Rodrigues da Cunha empregou no cumprimento exacto dos seus deveres militares, os quais em nada contendiam com os deveres de cristão, praticados fielmente desde os primeiros anos. Tinha especial devoção a Nossa Senhora, invocava-a muitas vezes e jejuava nas vésperas das suas festas. Não se entregava a diversões perigosas, fugia da ociosidade; era valente e era casto. Num país onde os costumes não primavam pela austeridade, tentava, pelo exemplo e pelo conselho, desviar do mal a quantos o rodeavam, e conseguia, pelo seu trato alegre e afável, ganhar o afecto mesmo daqueles que se não resolviam a imitar-lhe a virtude.

Parecia estar traçado o seu destino. Iam-se realizando os sonhos que, em Lizouros, lhe povoavam a imaginação de adolescente, pois com fundamento podia alimentar a esperança de ascender aos mais altos cargos quem tão cedo se via num posto de responsabilidade e à frente de muitos homens. Mas, à medida que iam passando os dias, sentia que as honras e os bens da terra não lograriam satisfazer-lhe o coração, que Deus o chamava a um estado de vida mais perfeito, e que havia, sim, de ser herói como sempre ambicionara, mas herói na santidade.

Compreender a verdade divina foi aceitá-la. Buscava, portanto, como poderia alistar-se na milícia de Cristo, quando teve ocasião de ir à cidade de Tata, no reino de Sinde, onde havia um convento de Carmelitas Descalços.

Tendo-se informado do género de vida que levavam, pareceu-lhe que o seu lugar era entre aqueles homens de tanta oração e penitência, e sem demora pediu ao Prior que na sua companhia o admitisse. Escusou-se o prelado; fez-lhe ver como era áspera a regra que ali professavam e como seria dura a obediência constante para quem se acostumara a mudar. Explicou-lhe decerto também que, desprovido de instrução como era o pretendente, só poderia entrar para a categoria dos irmãos donatos, religiosos que não aspiram ao sacerdócio e que, sendo tratados da mesma maneira que os padres, se dedicam todavia aos serviços mais humildes. Mas, ao ver que Tomás Rodrigues da Cunha estava pronto a sujeitar-se a todas as provas e que persistia nos seus rogos, consentiu em recebê-lo.

Depressa o Capitão da Guarda de Meliapor se desprendeu dos laços que o ligavam à sua situação e voltou a bater à porta do mosteiro. Que se passou então no seu íntimo? Sentiu a natureza a estremecer de pavor por saber que ia ser crucificada no calvário da vida religiosa? Experimentou a tentação de voltar para trás e de segurar nas mãos a liberdade que lhe ia escapar para sempre, e todos os gozos lícitos que ia sacrificar definitivamente? Não o sabemos; mas é provável que lutasse, e é certo que venceu. Sem hesitar, renunciou a tudo: à sua carreira, às glórias do mundo, e até ao nome que lhe haviam legado os seus maiores. Tomás Rodrigues da Cunha deixara de existir; e, no convento dos Carmelitas de Tata, dispunha-se a começar os exercícios do noviciado num humilde irmão donato a quem chamava Fr. Redento da Cruz.

(a continuar)

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