16/02/17

"DEFEZA DE PORTUGAL" (1831) - Que Pretendem os Pedreiros com a Chegada de D. Pedro à Europa ... (VIII parte b)

D. Pedro "IV"
(continuação da parte a)
 
Eu não tenho a liberdade de perguntar ao Senhor D. Pedro por que título exerce essa Tutoria, porque me responderia que me responderia que me não importe lá com os negócios dele, nem da sua família; mas como esta Tutoria ofende os Portugueses, vou examina-la. Quero consultar Letrado sobre este negócio, e não os acho que estejam de vagar para me responder. Tão poucos são os que têm letras, havendo tantos que têm este título! Foram-se para fora do Reino algumas dúzias dos das dúzias, que poderiam responder-me, pelas muitas letras, que levaram de cá para lá, e pelas que ainda lhes vão para lá, sem embargo de dizerem por ai que seus bens rendem para o Estado; pois bem se entende que eu falho de letras de valer, que são as que valem, e não das letras de saber, que não prestam para coisa alguma; porque esses Letrados, que abalaram do Reino, nunca tiveram letras, senão tratas, que são as com que trapaceiam por toa a parte; de Livros basta-lhes a Carta Constitucional de 1826, que é uma Enciclopédia de todas as Ciências, e o seu Autógrafo de 1822, que é o armazém de todas as ideias: para esses Sábios o Digesto é mais indigesto que o ferro em boca de mosca; se ouvem falar em Pandectas, julgam ser algumas pançadas de comida; e eram esses Letrados Juízes de Fora, Corregedores de dentro, Desembargadores de baixo, e Deputados de cima: assim foi; a ignorância algum tempo administrou justiça. Caiu-me em graça o dito de um Clérigo em Lisboa, queixando-se de uma Sentença, que lhe dera um Tribunal sobre uma pendência bem clara: "O Direito destes Doutores é torto, e duro como ponta de Bode". Ora pois, na falta de Letrados, que me explicassem a dita Tutoria, deito abaixo toda a minha Livraria, que toda ela é um Larraga velho, e roto: mas este Livro foi composto por um Frade, lá perto do campo de batalha dos doze Pares de França, e ali mesmo o compôs de propósito para castigar os Clérigos, que não sabem Latim: essa Livro pois não serve para consultar o caso, porque Tutorias de Frades são mui pesadas aos Constitucionais. Ora eu bem conheço que perdi o sério, que os meus Leitores desejam; mas um pouco de desprezo castiga mais os Revolucionários do que um rabo de bacalhau. Torno pois ao exame, e seja ele feito sobre o estudo comparativo dos dois grandes Códigos, que os Revolucionários prezam mais que tudo. Constituição Política da Monarquia Portuguesa do ano de 1822, Capítulo 5º, Artigo 155: "Durante a menoridade do Sucessor da Coroa" (o Artigo 147 declara que é menor antes de ter dezoito anos completos) será seu Tutor quem o Pai lhe tiver nomeado em Testamento... e deverá ser natural do Reino. A Carta Constitucional da Monarquia Portuguesa do ano 1826, Capítulo 5º, Artigo 100 copiou a mesma disposição; só não diz de onde o Trono deve ser natural. Ora agora argumento segundo a Lei, porque argumentando aos Revolucionários, hei de argumentar-lhes pelas suas Leis, e pelos seus Livros, porque eles nem querem, nem sabem mais. Todos sabemos que a Senhora D. Maria da Glória é Filha do Senhor D. Pedro, e acreditamos que o Senhor D. Pedro é seu Pai: nem eu tenho goelas de Pato, por onde caibam aquelas caluniosas, e sórdidas expressões, com que ele com os seus Patinhos denegriu uma alta, e virtuosa Maternidade, com o fim de excluir do Trono a todos os seus Filhos, e derrubar a Dinastia mais digna de Reinar em uma vasta Monarquia. Mas o Senhor D. Pedro ainda vive, ainda não fez Testamento; e se o fez, não lhe valo, enquanto não morre; e mesmo ele não pode nomear-se a si mesmo Tutor de seus Filhos. Sei o que a isto se pode responder; mas sei as respostas, que têm todos estes argumentos, e precisões ideais, que não devem vigorecer na Sociedade. Eu vejo que o Senhor D. Pedro se esquece do nome de Pai, para com ele promover as injustas pretensões de sua Filha, ou antes as suas, e toma o nome de Tutor para louvar, e proteger a todos os Revolucionários, que buscam o nome da inocente Menina para introduzirem em Portugal outra Menina criminosa. E como isto vejo, e não percebo, faço um esforço para pôr esta obra das trevas em toda a sua luz. O senhor D. Pedro fez o seu Testamento, dispondo a favor de sua Filha de herança Portuguesa, que não era sua, nem como sua a podia tomar, adir, gozar, manter, e defender, pois se sua fosse, ou a pudesse usurpar, e conservar, de certo não disporia dela pelo seu Testamento, ou Abdicação de 29 de Abril do ano de 1826: feito este Testamento, como nenhum pode ser confirmado senão pela morte do Testador, dá-se o Senhor D. Pedro por morto para Portugal, vivendo lá no outro Mundo, que de certo não nasceu para este; e morto ficou ele para Portugal, desde que não quis viver para ele; dá porém a sua volta de lá, e ele arroja para o Mundo de cá esse desgraçado Príncipe, que também para lá não nascera: esta volta é uma espécie de ressurreição, que faz do Senhor D. Pedro morto o Senhor D. Pedro vivo; e como o dito seu Testamento ficasse confirmado pela dita sua morte, aparecendo vivo na Europa, e não podendo tomar o nome de Pai, que perdera, depois de haver entregue a sua Filha à disposição, protecção, e defensão do ex-Conde de Vila Flor, e mais Sucia, toma o de Tutor por uma dessas tenebrosas ficções da nova Filosofia, que nem a antiga, nem o Direito conheceram. Este é o mais intrincado labirinto, em que se meteu jamais Revolucionário algum. Morre o Senhor D. João VI, e os Revolucionários gritam: "Viva o Senhor D. Pedro IV". Abdica, ou testa o Senhor D. Pedro, e alguns meses despois supondo-se morto por uma ficção descalabrada dos Revolucionários, que jamais sabem o em que hão de parar, enquanto não sobem à forca, eles gritam: "Viva a Senhora D. Maria II". Manda a Regeneração do Brasil ao Senhor D. Pedro à Europa, e agora: Rei não pode ser, porque abdicou; Pai também não, porque se supôs morto para sua Filha, depois que a pôs fora do Brasil, do seu poder, e da sua educação; pois seja Tutor; e com este nome prossigam os Revolucionários a sua empresa de acabar com todos os Reis do Mundo. É verdade que cá gritam uns poucos de Soldados, e Oficiais do Regimento 4º de Infantaria: "Viva o Senhor D. Pedro IV", porém desses não há que fazer caso: não eram eles os que falavam, era o quarto de vinho, com que cada um deles fôra embriagado; mas os incógnitos, que os dirigiam, sabiam o que deviam dizer, que era "Viva o Tutor". Todavia era palavra, que os mesmos incógnitos directores não sabiam naquela hora pronunciar: também eles estavam bêbados; porque posto que a terra deles não produza vinho; depois que vieram a Portugal, e comerceiam em Portugal, não largam o vinho de tarde, nem a água-ardente de manhã: a linguagem dos bêbados é toda uma Ingresia.

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