27/03/18

NOSSA SENHORA DA GARDUNHA (I)

Serra da Gardunha

TITULO XII
Da milagrosa Imagem de nossa Senhora da Serra da Gardunha

Entre as Vilas de São Vicente da Beira, que fica para a parte Sul, e dista de Castelo Branco cinco léguas ao Noroeste, e as Vilas de Castelo Novo, e a de Alpedrinha, da parte do Nascente, e a Vila da Covilhã da parte do Norte, e os lugares do Souto da Casa, Castelejo do termo da mesma Vila da Covilhã, da parte do Ocidente, se levanta uma grande Serra (muito mais digna de nome, e fama que a da Estrela tão nomeada), que lhe fica em distância de cinco léguas; senão é que a quiseram compreender nela como braço seu. Esta se vê cercada de muitos lugares, e povoações, como são (além das Vilas, e lugares nomeados) os muitos lugares dos temos das mesmas Vilas de São Vicente, Castelo Novo, Alpedrinha, Covilhã, Alcaide, Alcongosta, e outros que não têm número. Fica-lhe também diante de sete léguas a antiga Egitânia, hoje Idanha a Velha, que foi uma das mais nobres, e populosas Cidades de Espanha, ao redor da qual se vê uma grande campina, a que chamam os campos de Idanha, semeados de lugares, e castelos, que foram povoados, e edificados (como outros mais afastados) das ruinas da mesma Egitânia, e de outros do seu circuito, como são a Cidade da Guarda distante dez léguas, que lhe sucedeu na Igreja Episcopal, a Vila de Penamacor, Penagracia, Monsanto, Idanha a Nova, Segura, e Salvaterra. 

Esta Serra, que melhor lhe convinha o nome de um agregado de jardins pelo vistoso de suas árvores, e delicioso de suas fontes, e regatos, adornada de muitas ervas cheirosas, e árvores, que tendo o nome de silvestres, por serem nascidas espontaneamente, ou plantadas pelo soberano Agricultor, são domésticas pelas excelentes frutas que produzem; outras plantas, e cultivadas pela indústria dos homens, de tão diversos, e regalados frutos, e de tão suaves, e extraordinários gostos, que servem de admiração; como são os verdeais, as camoezas, capanduas, repinaldos, ginjas garrafais, e outras muitas frutas em tanta quantidade, que não só provém a muita parte deste Reino, mas de Castela.

Nesta serra pois levantaram os Cavaleiros Templários um Castelo, ou Convento (porque foram muitos os que fundaram na Província da Beira). Um destes Conventos foi o da Serra da Gardunha, que na língua Arábica, donde tomou o nome, quer dizer, acolhimento da Idanha; porque guarda, significa acolhimento: odunha, ou odonha por corrupção de vocabulário vale o mesmo que Idanha, a que parece não chegava a pronuncia dos Mouros. E a razão de se lhe dar este nome foi; porque sendo combatida, e devastada por eles a Idanha, ou Egitânia, seus moradores, e os dasw terras do seu contorno se acholheram àquela Serra como a castelo, e um presidio forte de onde se podiam defender.

Nesta ocasião levaram os moradores da velha Idanha, em sua companhia, uma devotíssima Imagem da Mãe de Deus, que tiraram de uma das sua Igrejas, que parece já naqueles tempos resplandecia em milagres, e com ela alegres, ou animados se davam por seguros, para se defenderem de seus inimigos os Bárbaros. Já este tempo estavam os Cavaleiros do Templo nesta Serra, e nela se defendiam, e aos Cristãos das correrias dos Mouros; até que ElRei D. Sancho I edificou a Cidade da Guarda, para onde se passaram os moradores, que da Idanha ainda ali residiam. No ano de 1199, assenta o Pe. Mestre Fr. António Brandão na sua IV parte do Mon. Lus. que fizera da acção ElRei D. Sancho I à Ordem dos Templários da Cidade das Idanha, já habitada outra vez dos Cristãos. E no mesmo ano, diz, dera foral o mesmo Rei à Cidade da Guarda, para onde havia passado a Cadeira Episcopal da Idanha.

Passados à Guarda os que viviam na Serra da Gardunha, deviam ficar ainda na mesma Serra os Cavaleiros, ou fosse que passando a povoar a Idanha, em virtude da doação feita à Ordem em 5 de Julho de 1199 ficou a Santa Imagem ainda na sua Casa, que lhe haviam fabricado os da Idanha; e ao depois invadindo os Mouros a Serra, esconderam os Cristãos a Santa Imagem na lapa onde depois foi servida de se manifestar.

Foi o caso, que perdendo-se uma menina de Alcongosta da companhia de sua mãe, que em uma tarde havia saído a buscar lenha a esta Serra, lá foi achar o seu cuidadoso desvelo, depois de nove dias, junto a uma penha, ou dentro de uma lapa, que servia de Casa, e de Altar àquela soberana Imagem; e vendo-a a mãe viva, quando a considerava já tragada de alguma fera, lhe perguntou com admiração onde estivera, e quem a sustentara: ao que a menina respondeu, que fora um Senhora Tia, que naquela Casa morava, apontando com o dedo para a lapa, e que lhe dava sopas de leite a comer, e água por uma campainha onde entrando a mulher, descobriu aquele precioso tesouro da Imagem da Senhora posta no mesmo Altar, que era o último pendor da lapa, e nicho em que hoje é servida, e venerada; mas admirável pelo estranho da natureza, que pelo magnifico e sumptuoso da arte.

Deu a mulher notícia da preciosa dracma, que achara, ao Prior de Alcongosta sua terra, e ele foi o primeiro que a foi buscar, e venerar, convocando o Clero, e povo, e a levaram com grande festa, e alegria de todos para a Matriz de Alcongosta, e a colocaram no Altar mór, que é dedicada esta Igreja à Conceição da Senhora. Daqui procedeu o ficarem os Priores daquele lugar com a posse da Senhora, e juntamente com as ofertas, e emolumento daquele Casa, que fica distante de Alcongosta uma légua, e não o ficarem os Priores das Igrejas de Castelo Novo, e Alpedrinha, sobre que se referem algumas patranhas, como a de fugir a Senhora para a Igreja de Alcongosta, e estar nela mais um dia, do que nas outras. Aqui começou logo a Senhora a resplandecer em milagres, e maravilhas, e tantas, que era aquela lapa uma perene piscina de saúde.

(continuação, II parte)

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