27/03/18

NOSSA SENHORA DA GARDUNHA (II)

(continuação da I parte)


A sumptuosa fábrica, que aqui edificou o Autor da natureza para morada de sua Mãe Santíssima, e para amparo, e casa de refúgio, dos que a ela recorrem a buscar os seus favores, merecia uma melhor pena que a descrevesse, e que com todas as circunstâncias a tratasse, porque há muitas de que se devia fazer caso; mas como o meu assunto é somente referir os Santuários de passagem, assim o farei com este, o que é nesta maneira. Sobre o mais alto da Serra da Gardinha, uma légua de Castelo Novo, e outra de Alpedrinha, e pouco mais de outra dos lugares de Alcongosta, Alcaide, Souto da Casa, e Castelejo, se levanta uma penha acumulada de monstruosas pedras, a modo de pirâmide, e em circuito, altura, e distância de uma milha. No meio desta distância, para a parte do Ocidente, se descobre uma lhanura, ou terrapleno, que mais parece que o fabricou a arte, que a natureza. Desta parte se mostra uma boca, que do pé da mesma penha forma uma entrada, como porta de uma casa de abobada, e tão alta, que por ela cabia muito bem um guião arvorado no tempo das romagens, que das vilas, e lugares concorriam a visitar a Senhora em Procissão: suposto, que já agora não é tão alta a entrada; porque o Ilustríssimo Bispo da Guarda D. Luís da Silva (hoje Arcebispo de Évora) indo a visitar aquele Santuário, lhe mandou fabricar um formoso portado de pedra lavrada.

Depois da entrada vai fazendo por dentro (toda ao nível) uma airosa, e clara concavidade por todos os quatro lados, a modo de corpo de Igreja tão espaçosa, que cabe nela a maior parte do povo nos dias principais de suas romagens, e celebridades. O que mais admira é, que na extremidade deste corpo fez a natureza dois braços colaterais, onde está um Altar em que se diz Missa, que chamam o Altar de fora, e estreitando-se logo com outra entrada que tem suas grades de ferro, vai prosseguindo mais estreita como Capela até ao Altar mor, em que também se diz Missa, onde está o nicho da Senhora, ficando toda esta distância coberta de um côncavo rochedo a modo de abóbada, a que serve de zimbório, e obelisco o remate da mesma penha. Não sei que se possa referir de outra Casa da Senhora, nem que haja outra maravilha mais rara. Porque se nas fábricas do Loreto, Monserrate, e Pilar de Saragoça intervieram os Anjos, e na fábrica das outras intervieram os homens; na fábrica deste Templo, e desta Capela, podemos dizer, que interveio a mesma Senhora, e o mesmo Artífice supremo, fazendo-a muito de propósito para deposito daquela Sagrada Imagem.

E não parecerá coisa nova assistir Maria Santíssima às grandes fábricas do universo, pois nos diz o Espírito Santo nos Provérbios: Quando appendebat fundamenta terrae, cum eo eram cuncta componens; que ela em sua companhia compusera, e formara todas as coisas. O terrapleno desta penha, e entrada da Igreja da Senhora da Serra, está cercada de algumas Capelas, e Ermidas bem ornadas; e algumas Celas, que um Ermitão devoto fabricou à sua custa, para viver, com um poço de água perene. Está também ali uma cova, onde viveu outro Ermitão Sacerdote por algum tempo, onde fazia rigorosa penitência, e uma santa vida, até que depois, por causa de achaques, lhe foi preciso fazer uma Cela, que é a de que agora usam, e onde vivem os Ermitões. A Imagem da Senhora tem três palmos de altura, e a matéria é pedra rija, mas de muito excelente escultura. Porém a piedade, e a devoção dos que a servem a têm vestida, e adornada de preciosos vestidos. Da Senhora da Serra escreveu a nossa instância, o que fica referido da Senhora, e de outras Imagens, o Doutor José Salvado Cinza, Médico [+1694] de Alpedrinha. Concorrem a festejar a Senhora os três povos de Castelo Novo, Alpedrinha, e Alcongosta, em procissão nas Oitavas da Páscoa, e cada um destes povos faz seu dia, com Missa cantada, e Sermão.

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