28/06/14

O PUNHAL DOS CORCUNDAS Nº 1 (V)

(continuação da IV parte)


Conclusão

Ah! Pérfidos, e traidores por certo os mais vis, e os mais ignorantes, que tendes enxovalhado a história das nações, infelizes de vós se a palavra "Rei absoluto", que tanto vos incomoda e fere tivesse aquele sentido que vós quereis dar-lhe para semeardes astutamente a desconfiança entre El-Rei, e um povo que o venera, e que a despeito de vossos estratagemas, e ardis, quer agora indemniza-lo dessa espécie de agonia, a que vós o tínheis reduzido... Se El-Rei fosse despótico, e usasse daquele estilo oriental com que o Déspota de Bizâncio manda vir dentro do saco fatal as cabeças dos que lhe têm desagradado, por certo que nenhum de vós, já existiria. Não quereis meter-lhe à cara o exercio de uma autoridade que ele não deseja nem pretende usar convosco. Novos Catilinas já acabou o tempo dos insultos a El-Rei, à decência, à virtude, e ao Cristianismo, purificai ao menos, livrai da vossa hedionda presença o nosso território onde pesais com tanto excesso que o povo todas as vezes que lhe é necessário encarar convosco, e que repara no sangue frio que vós ainda quereis ostentar com sacrilego arremedo dos privilégios da inocência, por certo que se vê nas circunstâncias de sitar imediatamente as vistas num Deus, que manda amar os inimigos, e que também morreu por vós todos que de contínuo o desconheceis e ultrajais... É muito apurar o já cansado sofrimento de uma nação generosa, que antes quisera sumir-se toda no fundo dos mares, por efeito de alguma dessas revoluções físicas, que já tem feito desaparecer ilhas, e cidades populosas do que ser governada a sabor do maçonismo... Ninguém vos pede contas desses tesouros que possuís, nem do escandaloso salário de 4800 rs. por dia em quanto cercáveis todos os outros salários fazendo consistir a urgência das necessidades públicas em tirar aos outros os que era seu, para que vós embolsásseis sem a mínima quebra o que nunca foi vosso... Ide gozar o fruto da rebelião, e de atrocidade em países estranhos... prégai embora contra o despotismo, que será o mesmo que pregar contra as abominações que ousada, e sistematicamente haveis praticado. Ide ensinar os direitos do homem pelos vossos evangelistas Paine, e Rouseau, e Constan, e Pradt às nações errantes, e selvagens, sob os auspícios de outras nações vossas antigas mestras, e protectoras. Subiu de ponto a aversão nacional às esquadrias às trolhas, aos aventais, às mitras, e bigodes postiços, e a toda essa perlenga maçónica de que tanto se embairam os tolos, e os ambiciosos... respeitai a fraqueza humana, pois ainda que seja uma verdade incontestável que apenas é lícito ao cristão refutar os vícios, sem perseguir, e doestar o criminoso, máximas estas que o Evangelho nos deu, e que só ele nos poderia ensinar completamente, é todavia facílimo que se passe em tais assuntos das coisas às pessoas, e que o vosso descaramento acenda em vingança pública... Nenhum interesse me resultará de que sejais inquietados, e vos torneis o fito a que atire a vingança popular, mas terei o maior interesse, e toda a nação me acompanha nestes sentimentos, de que por estes seis meses ao mais tardar não haja em Portugal nem fumos de pedreirada, visto que assim o exige a felicidade, e a segurança de todos quantos amam deveras o trono, e a Fé. Vós mesmos levasteis as coisas à força de extorsões, de injustiças, e de todo o género de violências a um extremo daquele que nem admitem nem podem admitir meio termo... Ou a nação toda o que é impraticável há de expatriar-se para os sertões da África deixando-vos este belíssimo e fecundíssimo território por Capital do maçonismo... ou vós todos saireis de uma pátria, que não mereceis de uma pátria que vos enjeita, e que vos reprova. Agora é tempo de seguir o que mais vos importa, se vos demorais, se quereis tomar a pele de mansas ovelhinhas, quando há pouco éreis lobos famintos, e devoradores, asseguro-vos em nome de todos os bons portugueses que talvez choreis sem remédio, a vossa indiscrição, e a vossa temeridade...

P. S. - O nº 2º da Tripa Virada que no meu conceito é obra prima de um engelho peculiar em tais assuntos, e que outro qualquer, debalde pretenderia imitar, já me anuncia, que dentro em poucos meses teremos a certos respeitos coisa muito superior aos Hudibras..." (O Punhal dos Corcundas, nº1; D. Fr. Fortunato de São Boaventura. Lisboa, 1824) Com licença da Real Comissão de Censura.

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